STJ - Terceira Seção
REsp 2.038.833-MG
Recurso Especial
Outros Processos nesta Decisão
REsp 2.048.768-DF • REsp 2.049.969-DF
Relator: Joel Ilan Paciornik
Julgamento: 13/11/2024
Publicação: 18/11/2024
STJ - Terceira Seção
REsp 2.038.833-MG
Tese Jurídica Simplificada
Nos crimes contra a dignidade sexual, é possível a aplicação conjunta da agravante genérica (art. 61, II, f, CP) e da majorante específica (art. 226, II, CP), exceto quando houver apenas a relação de autoridade do agente sobre a vítima.
Nossos Comentários
Tese Jurídica Oficial
Nos crimes contra a dignidade sexual, não configura bis in idem a aplicação simultânea da agravante genérica do art. 61, II, f, e da majorante específica do art. 226, II, ambos do Código Penal, salvo quando presente apenas a relação de autoridade do agente sobre a vítima, hipótese na qual deve ser aplicada tão somente a causa de aumento.
Resumo Oficial
A causa de aumento do art. 226, II, do Código Penal prevê que as penas dos delitos previstos no Título VI - crimes contra a dignidade sexual - serão aumentadas da metade nas hipóteses em que o agente possui autoridade sobre a vítima. Inegável a maior censurabilidade da conduta praticada por quem teria o dever de proteção e vigilância da vítima, além de ser condição apta a facilitar a prática do crime e a dificultar a sua descoberta. De outro lado, a agravante genérica do art. 61, II, f, do CP tem por finalidade punir mais severamente o agente que pratica o crime "com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica".
Constata-se que o único ponto de intersecção entre os dois dispositivos em análise é o atinente à existência de relação de autoridade. Na hipótese da majorante, o legislador previu cláusula casuística, na qual trouxe algumas situações em que o agente exerce naturalmente autoridade sobre a vítima, seguida de cláusula genérica, para abarcar outras situações não previstas expressamente no texto legal. No caso da agravante genérica, previu-se que a circunstância de o crime ser cometido com abuso de autoridade sempre agrava a pena. Nessa hipótese, revela-se evidente a sobreposição de situações.
Contudo, nos demais casos do art. 61, II, f, do CP, a conclusão deve ser distinta. Isso porque a circunstância de o agente cometer o crime prevalecendo-se das relações domésticas, de coabitação, de hospitalidade ou com violência contra a mulher na forma da lei específica não pressupõe, tampouco exige, qualquer relação de autoridade entre o agente e a vítima. Da mesma forma, o agente pode possuir autoridade sobre a vítima, sem, contudo, incidir, necessariamente, em alguma dessas circunstâncias que agravam a pena.
Portanto, se o agente, além de possuir relação de autoridade sobre a vítima, praticar o crime em alguma dessas situações, deve ser aplicada a agravante do art. 61, II, f, do CP, em conjunto com a majorante do art. 226, II, do CP. A aplicação simultânea da agravante genérica e da causa de aumento de pena, nessas hipóteses, não representa uma dupla valoração da mesma circunstância, não sendo possível falar em violação ao princípio do ne bis in idem. Se, do contrário, existir apenas a circunstância de ter o agente autoridade sobre a vítima, deve ser aplicada somente a causa de aumento dos crimes contra a dignidade sexual, diante de sua especialidade em relação à agravante.
Destaca-se que a jurisprudência do STJ posiciona-se neste sentido, pois "[c]om razão as instâncias ordinárias, ao fazerem incidir quer a agravante genérica do art. 61, inciso II, alínea "f", quer a causa de aumento específica do art. 226, inciso II, ambas do Código Penal, uma vez que fundamentaram a aplicação da agravante na coabitação e, com relação à causa específica, apontaram a condição do acusado ser pai das vítimas, mantendo com as menores o vínculo familiar expresso no pátrio poder, cuja relação de prevalência é totalmente diversa da relação de coabitação. Com efeito, não é condição de coabitação a relação de ascendência, ou vice-versa, demonstrando cabalmente, assim, tratar a lei de situações totalmente distintas" (HC 336.120/PR, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 25/4/2017).
No caso, o Tribunal a quo decotou a circunstância agravante por entender que a sua aplicação simultânea com a majorante específica do art. 226, II, do CP configuraria bis in idem, pois o mesmo fato - relação doméstica e parentesco - teria sido valorado negativamente duas vezes. Contudo, a circunstância de o crime ser cometido com prevalência das relações domésticas não se confunde com a relação de autoridade (ascendência) que o acusado possui sobre a vítima, razão pela qual inexiste bis in idem.
Ante o exposto, é fixada a seguinte tese: nos crimes contra a dignidade sexual, não configura bis in idem a aplicação simultânea da agravante genérica do art. 61, II, f, e da majorante específica do art. 226, II, ambos do Código Penal, salvo quando presente apenas a relação de autoridade do agente sobre a vítima, hipótese na qual deve ser aplicada tão somente a causa de aumento.
Fases da dosimetria da pena
1. Primeira fase: fixação da pena-base de acordo com as circunstâncias do artigo 59 do CP;
2. Segunda fase: agravantes e atenuantes;
3. Terceira fase: causas de aumento e de diminuição previstas no tipo legal;
Controvérsia
No caso, discute-se se, nos crimes contra a dignidade sexual, é possível aplicar conjuntamente a agravante genérica do art. 61, II, f, do Código Penal e a majorante específica do art. 226, II, do Código Penal ou se isso configuraria bis in idem.
O princípio do non bis in idem (ou ne bis in idem) é um princípio fundamental do Direito Penal que proíbe que alguém seja punido ou processado duas vezes pelo mesmo fato.
No âmbito da dosimetria da pena, o non bis in idem impede que uma mesma circunstância seja utilizada mais de uma vez para agravar a pena do condenado, seja como circunstância judicial (art. 59), agravante ou causa de aumento.
Voltando ao caso concreto, discutiu-se se, no estupro de vulnerável, seria possível aplicar as duas agravantes (uma genérica a outra específica):
Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
II - ter o agente cometido o crime:
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;
Art. 226. A pena é aumentada:
II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela;
Julgamento
De acordo com a Terceira Seção do STJ, nos crimes contra a dignidade sexual, é possível a aplicação conjunta da agravante genérica (art. 61, II, f, CP) e da majorante específica (art. 226, II, CP), exceto quando houver apenas a relação de autoridade do agente sobre a vítima.
Segundo a Corte, tais circunstâncias de aumento da pena incidem por hipóteses distintas:
Logo, para a Corte, se o agente, além de possuir relação de autoridade sobre a vítima, praticar o crime em alguma das situações descritas no art. 61, II, f, CP, as duas situações devem ser consideradas na dosimetria da pena.
Nesse contexto, a condição de o crime ter sido cometido pelo pai/padrasto com prevalência das relações domésticas (art. 61, II, f, CP) não afasta a circunstância de o agente ter autoridade sobre a vítima (art. 226, II, CP). Assim, a relação de autoridade (ex: pai/filha) não se confunde com a prevalência de relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade.
De toda forma, se existir somente a relação de autoridade do agente sobre a vítima, aplica-se exclusivamente a causa de aumento específica do art. 226, II, CP.
Portanto, não configura bis in idem a aplicação simultânea da agravante genérica e da majorante específica, exceto quando presente apenas a relação de autoridade.