STJ - Terceira Seção

RvCr 5.663-DF

Relator: Joel Ilan Paciornik

Julgamento: 11/05/2022

Publicação: 18/05/2022

STJ - Terceira Seção

RvCr 5.663-DF

Tese Jurídica Simplificada

A sentença que se baseia na inversão na ordem do interrogatório ocorrida em razão da oitiva de testemunha por carta precatória poderá ser anulada desde que comprovado prejuízo ao réu.

Nossos Comentários

Ordem dos atos na audiência de instrução e nulidades processuais

A produção de prova na audiência de instrução e julgamento no processo penal deve obedecer uma ordem, contida no comando do artigo 400 do CPP. Isso para que dê ao réu, parte mais díspare do processo, a chance de se manifestar e defender-se de tudo o que a acusação produzir de provas. 

Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

Essa regra serve justamente para equilibrar a relação de forças no processo penal. A transgressão a essa ordem gera, em regra, nulidade processual.

O princípio do prejuízo, também chamado de princípio da transigência, determina que não haverá nulidade se comprovado que o ato não gerou prejuízo.

É o que veicula o artigo 563 do CPP:

Art. 563.  Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.

O Caso

O caso em questão é uma Revisão Criminal que contesta um processo em que testemunhas foram ouvidas por meio de carta precatória cumprida após o interrogatório do réu.

Para entendermos a decisão do Tribunal precisamos analisar o que o CPP fala sobre oitiva de testemunha por carta precatória. O artigo 222 do CPP dispõe o seguinte:  

Art. 222.  A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes.

§ 1º  A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal.

§ 2º  Findo o prazo marcado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo tempo, a precatória, uma vez devolvida, será junta aos autos.

§ 3º  Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.  

Repare que o §1º afirma que a expedição da precatória não suspende a instrução criminal. Isso quer dizer que, em tese, seria possível que a carta precatória voltasse com o testemunho, de acusação ou de defesa, depois de inquirido o réu em interrogatório.

Mas o réu, na Revisão, contestou essa inversão, afirmando ser a sentença nula em função do prejuízo à defesa do réu. Essa contestação é válida? Segundo o STJ, não. Isso porque, no caso concreto, além do réu não ter comprovado prejuízo na inversão de ordem, também não mencionou a nulidade nas alegações finais, tendo ocorrido preclusão. 

Tese Jurídica Oficial

A nulidade decorrente da inversão da ordem do interrogatório, prevista no artigo 400 do Código de Processo Penal, está sujeita à preclusão e demanda a demonstração de prejuízo.

Resumo Oficial

Há jurisprudência nesta Corte que, partindo da interpretação dos arts. 400 e 222 do Código de Processo Penal, considera válido o interrogatório do acusado quando pendente de cumprimento carta precatória expedida para oitiva de testemunhas e do ofendido.

No entanto, salienta-se existirem julgados neste STJ, que firmam posição diversa, com base na orientação do Supremo Tribunal Federal, qual seja, a de que a concretização do interrogatório do réu antes da oitiva das testemunhas e da vítima lhe priva do acesso à informação, promovendo nítido enfraquecimento dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, concluindo que a regra do § 1º, do art. 222, do CPP não autorizaria a realização de interrogatório do réu em momento diverso do disposto no art. 400 do CPP, vale dizer, antes do final da instrução.

Assim, constata-se não só a existência de dissenso jurisprudencial, como uma possível mudança de direcionamento a respeito do tema, caso em que deve ser dada a interpretação mais benéfica ao artigo 621, I, do CPP, a fim do acolhimento da revisão criminal e aplicação do entendimento desta Corte de que "embora o artigo 222, § 1º, do Código de Processo Penal disponha que a expedição da carta precatória não suspende a instrução criminal, a hipótese não autoriza a indiscriminada inversão procedimental da ordem prevista no artigo 400 do Código de Processo Penal, sendo necessário que o Juízo processante observe o interrogatório do acusado como ato final da instrução" (RHC 118.854/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 28/02/2020).

De outra parte, consigna-se que a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento da RvCr 5.563/DF, reafirmou o entendimento de que a nulidade decorrente da inversão da ordem do interrogatório - prevista no artigo 400 do Código de Processo Penal (CPP) - está sujeita à preclusão e demanda a demonstração de prejuízo, sendo esta a orientação do Supremo Tribunal Federal.

Naquela ocasião, o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca lembrou que a Sexta Turma já se posicionou pela desnecessidade de demonstração do prejuízo, visto que a condenação já lhe refletiria, inexistindo preclusão para a arguição da nulidade. Este também foi o posicionamento da Terceira Seção desta Corte Superior, por ocasião do julgamento do HC 585.942/MT.

Ocorre que, na avaliação do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, não se pode considerar presumido o prejuízo unicamente em virtude da superveniência de condenação. Para ele, há que se verificar, no mínimo, se a condenação se amparou em provas independentes, idôneas e suficientes para determinar a autoria e a materialidade do delito, desconsiderados os depoimentos das testemunhas, "pois não há utilidade em anular uma sentença que, de toda forma, se manteria com base em outros fundamentos independentes".

No caso, extrai-se do termo de audiência de instrução e julgamento e das alegações finais da defesa que não fora apontada a nulidade de que aqui se cuida. Diante do contexto, por não ter sido consignada durante a instrução processual, mas apenas na apelação, ocorreu o fenômeno da preclusão.

Ressalta-se também inexistir a demonstração de efetivo prejuízo, pois há provas independentes para a condenação, caso em que não há utilidade na anulação da sentença, pois de toda a forma ela seria mantida.

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