Na denominada Operação "Boca Livre" foram investigadas práticas de ilícitos penais na contratação e execução de projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura, com base na Lei Rouanet, as quais se caracterizariam por desvios de recursos públicos, com a inexecução (total ou parcial) desses projetos, por meio de organização criminosa, com a participação de diversos colaboradores e de empresas patrocinadoras, tudo em troca da obtenção de vantagens indevidas.
A controvérsia cinge-se a definir a correta capitulação jurídica dada aos fatos. Para tanto, distingue-se, inicialmente, os delitos previstos nos arts. 171, § 3°, do CP e 40, caput e § 2º, da Lei n. 8.313/1991. No estelionato, a vantagem obtida por meio de fraude em prejuízo alheio pode ser qualquer uma que tenha conteúdo patrimonial. Já no crime previsto no art. 40 da Lei Rouanet, a vantagem obtida com a fraude é previamente estabelecida (redução do imposto de renda) e o autor somente pode ser a pessoa que se beneficiou com o incentivo.
Por sua vez, no parágrafo 2º, também da Lei n. 8.313/1991, equipara-se a conduta prevista no caput do art. 40 àquela de que quem se beneficia com os recursos oriundos da redução de imposto de renda (por meio da renúncia fiscal) e deixa de promover, sem justa causa, a atividade cultural objeto do incentivo.
Sob essa ótica, o tipo penal previsto no art. 40 da Lei n. 8.313/1991 deve ser considerado especial em relação ao estelionato porque tem elementos da descrição geral com alguns outros elementos especializantes (específicos). A relação de especialidade ocorre quando um preceito penal reúne todos os elementos de outro e só se diferencia dele por conter, ao menos, um elemento adicional que permita antever a previsão fática de um ponto de vista específico.
Assim, uma vez aparentemente aplicáveis ao mesmo fato uma norma geral (gênero) e outra norma especial (espécie), deve prevalecer a que contenha esses elementos especializantes, que melhor identificam o caso concreto.
Na hipótese, por mais que se afirme que os atos se amoldam ao crime de estelionato majorado porque praticados contra a União, toda a descrição fática retrata que as fraudes foram cometidas por beneficiários da Lei Rouanet com a redução do imposto de renda, situação que acaba por se adequar perfeitamente ao tipo especial previsto no art. 40 da Lei n. 8.313/1991.
A despeito da complexidade e da elaborada forma com que eram usados fraudulentamente os recursos públicos captados por meio de renúncia fiscal que deveriam ser destinados para a cultura, não há como deixar de reconhecer que o objeto central de todo o esquema engendrado e descortinado pela "Operação Boca Livre" era obter vantagem ilícita consistente em valores auferidos por meio da Lei Rouanet, os quais não eram aplicados em atividade cultural, objeto do incentivo.
Portanto, mostra-se inadequado, em razão dos fatos narrados e do princípio da especialidade, atribuir à conduta dos acusados o tipo previsto no art. 171, § 3º, do CP (estelionato contra a União), senão o delito previsto no art. 40 da Lei n. 8.313/1991, dadas as especificidades que envolvem o caso, os quais têm regulamento e previsão típica própria, que tutela não só o aspecto tributário relacionando as renúncias fiscais, mas também importante aspecto ligado ao acesso e à democratização da cultura.
Na denominada Operação "Boca Livre" foram investigadas práticas de ilícitos penais na contratação e execução de projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura, com base na Lei Rouanet, as quais se caracterizariam por desvios de recursos públicos, com a inexecução (total ou parcial) desses projetos, por meio de organização criminosa, com a participação de diversos colaboradores e de empresas patrocinadoras, tudo em troca da obtenção de vantagens indevidas.
A controvérsia cinge-se a definir a correta capitulação jurídica dada aos fatos. Para tanto, distingue-se, inicialmente, os delitos previstos nos arts. 171, § 3°, do CP e 40, caput e § 2º, da Lei n. 8.313/1991. No estelionato, a vantagem obtida por meio de fraude em prejuízo alheio pode ser qualquer uma que tenha conteúdo patrimonial. Já no crime previsto no art. 40 da Lei Rouanet, a vantagem obtida com a fraude é previamente estabelecida (redução do imposto de renda) e o autor somente pode ser a pessoa que se beneficiou com o incentivo.
Por sua vez, no parágrafo 2º, também da Lei n. 8.313/1991, equipara-se a conduta prevista no caput do art. 40 àquela de que quem se beneficia com os recursos oriundos da redução de imposto de renda (por meio da renúncia fiscal) e deixa de promover, sem justa causa, a atividade cultural objeto do incentivo.
Sob essa ótica, o tipo penal previsto no art. 40 da Lei n. 8.313/1991 deve ser considerado especial em relação ao estelionato porque tem elementos da descrição geral com alguns outros elementos especializantes (específicos). A relação de especialidade ocorre quando um preceito penal reúne todos os elementos de outro e só se diferencia dele por conter, ao menos, um elemento adicional que permita antever a previsão fática de um ponto de vista específico.
Assim, uma vez aparentemente aplicáveis ao mesmo fato uma norma geral (gênero) e outra norma especial (espécie), deve prevalecer a que contenha esses elementos especializantes, que melhor identificam o caso concreto.
Na hipótese, por mais que se afirme que os atos se amoldam ao crime de estelionato majorado porque praticados contra a União, toda a descrição fática retrata que as fraudes foram cometidas por beneficiários da Lei Rouanet com a redução do imposto de renda, situação que acaba por se adequar perfeitamente ao tipo especial previsto no art. 40 da Lei n. 8.313/1991.
A despeito da complexidade e da elaborada forma com que eram usados fraudulentamente os recursos públicos captados por meio de renúncia fiscal que deveriam ser destinados para a cultura, não há como deixar de reconhecer que o objeto central de todo o esquema engendrado e descortinado pela "Operação Boca Livre" era obter vantagem ilícita consistente em valores auferidos por meio da Lei Rouanet, os quais não eram aplicados em atividade cultural, objeto do incentivo.
Portanto, mostra-se inadequado, em razão dos fatos narrados e do princípio da especialidade, atribuir à conduta dos acusados o tipo previsto no art. 171, § 3º, do CP (estelionato contra a União), senão o delito previsto no art. 40 da Lei n. 8.313/1991, dadas as especificidades que envolvem o caso, os quais têm regulamento e previsão típica própria, que tutela não só o aspecto tributário relacionando as renúncias fiscais, mas também importante aspecto ligado ao acesso e à democratização da cultura.