Consulta n° 0600062-16.2022.6.00.0000-DF

TSE

Relator: Mauro Campbell Marques

Julgamento: 01/07/2022

Tese Jurídica

A exigência de distribuição proporcional dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) restringe-se, por força da Emenda Constitucional nº 111/2021, às candidaturas femininas e de pessoas negras, tendo por objetivo assegurar o direito de participação dos grupos vulneráveis.


Trata-se de consulta formulada nos seguintes termos:

1 - Tendo em vista a desigualdade de financiamento de campanhas entre os candidatos do mesmo partido, o empenho da justiça eleitoral em tornar as candidaturas de grupos minoritários mais competitivas, além do compromisso de cumprir os dispositivos mencionados, em conjunto com o princípio constitucional da igualdade, os partidos políticos devem seguir critérios de distribuição equitativa do montante recebido pelo FEFC para candidaturas a cargos legislativos?

i. Qual porcentagem mínima do montante vindo do FEFC deve ser distribuída equitativamente entre todos os candidatos do partido?

2 - Deve existir uma coordenação entre a contagem em dobro prevista na Reforma Eleitoral e os critérios de distribuição do FEFC. A aplicação da EC 111 refere-se ao percentual de votos recebidos pelos representantes na Câmara dos Deputados (critério II, da Lei nº 13.488/2017)?

i. A contagem de representantes mulheres e negros eleitos na Câmara dos Deputados e Senado Federal também deve ser dobrada para fins de distribuição do FEFC? (critérios III e IV, da Lei nº 13.488/2017)?

Os consulentes, parlamentares federais, sustentaram, de início, que "os fundos partidários, e em particular o Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, foram criados sob a justificativa política de financiar candidaturas de pessoas hipossuficientes, com o objetivo de equilibrar a disputa, independentemente da renda dos candidatos. As políticas públicas perseguiram a criação de um cenário político mais plural e economicamente diversificado, vedando interferências externas".

Aduziram os requerentes que, "atualmente, os recursos do FEFC ficam à disposição do partido após a definição de critérios de distribuição aos seus candidatos, a serem deliberados pela Comissão Executiva Nacional da agremiação partidária, conforme a Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § 7º".

Acrescentaram que “essa entrega descompensada de recursos acaba por ferir o animus das políticas públicas alçadas na última década”, de modo que “a inexistência de regras a serem seguidas pelos partidos em sua distribuição interna de recursos aos candidatos [...] corrobora com a desigualdade representativa da política e inviabiliza novas candidaturas”.

Os postulantes afirmaram que “os partidos políticos [...] não obedecem a qualquer critério de distribuição interna entre candidatos” e que “não há critérios objetivos na lei para uma distribuição equitativa entre candidatos, ficando ao total arbítrio dos dirigentes”. No ponto, indagaram “se há, ou deve haver, critérios mínimos de distribuição equitativa nos partidos, ou se essa matéria deve permanecer incólume, resguardada pela autonomia partidária”.

Em um segundo ponto de questionamento, os consulentes apontam a regra inserida pela EC nº 111/2021, ao estabelecer, em seu art. 2º, que, para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados nas eleições realizadas de 2022 a 2030 serão contados em dobro.

O relator da consulta, Ministro Mauro Campbell Marques, salientou, de início, que não há na legislação previsão acerca da obrigatoriedade de as agremiações partidárias adotarem critérios equitativos de distribuição de recursos públicos a suas candidatas e a seus candidatos.

Assentou que a disposição legal – que deixa a critério da direção nacional de cada partido político estabelecer como se dará a distribuição de recursos do FEFC a candidatas e candidatos – é, claramente, uma opção legislativa, uma vez que o projeto de lei que se converteu na Lei nº 13.487/2017 – a qual instituiu o FEFC e acrescentou o art. 16-D à Lei nº 9.504/1997 – foi enviado para sanção presidencial com dispositivo que contemplaria a distribuição equânime de parte dos recursos, como pretendem os consulentes, disposição que, no ponto, foi vetada pelo presidente da República, não tendo o Congresso Nacional derrubado o referido veto.

Ressaltou, também, que o TSE já assentou, na Cta nº 401-34/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgada em 17/11/2016, DJe de 12/12/2016, que não compete ao Tribunal Superior Eleitoral responder consulta sobre ”a democracia interna dos partidos políticos”, precisamente acerca da necessidade de distribuição isonômica e proporcional dos recursos do fundo partidário dentro da agremiação, enquanto matéria interna corporis ao partido político (art. 23, XII, do Código Eleitoral).

Em síntese, os preceitos legais que regem a espécie conferem à direção nacional de cada partido político autonomia para estabelecer como se dará a distribuição dos recursos do FEFC.

Por tal razão, respondeu o relator negativamente ao primeiro questionamento apresentado pelos consulentes, ficando prejudicada a segunda parte da questão, em que indagado “qual porcentagem mínima do montante vindo do FEFC deve ser distribuída equitativamente entre todos os candidatos do partido?”.

Com relação ao segundo questionamento apresentado, salientou o relator que a última parte do inciso II do art. 16-D da Lei das Eleições – que leva em conta os votos obtidos para a Câmara dos Deputados para aferir o quantum do quinhão que caberá a cada partido – beneficia as agremiações cujas candidatas e candidatos à Câmara obtiverem votação significativa.

A contagem em dobro dos votos dados às candidaturas femininas e de pessoas negras, disposta na EC nº 111/2021, tem a finalidade de estimular os partidos a investir nessas candidaturas e, assim, inibir as chamadas candidaturas laranjas, lançadas pelas agremiações apenas para atender aos preceitos legais – sem, de fato, serem priorizadas – e, consequentemente, cumprir o propósito da lei, que é aumentar a representatividade de mulheres e pessoas negras na política.

Em consequência, entendeu o relator que o disposto no art. 2º da Emenda Constitucional nº 111/2021 direciona-se ao critério de distribuição do FEFC, descrito no art. 16-D, II, da Lei das Eleições, razão pela qual o relator respondeu positivamente à segunda indagação apresentada pelos consulentes: a aplicação da EC nº 111/2021 refere-se ao percentual de votos recebidos pelos representantes na Câmara dos Deputados (critério II, da Lei nº 13.488/2017).

No pertinente à segunda parte do segundo questionamento, manifestou-se o relator no sentido de que os critérios de distribuição do FEFC aos partidos previstos nos incisos III e IV do art. 16-D da Lei nº 9.504/1997 – que levam em conta o número de representantes da agremiação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, respectivamente – não se coadunam com as disposições da EC nº 111/2021, que considera o voto dado a candidatas mulheres ou aos candidatos negros para a Câmara dos Deputados.

Assim, o relator conferiu resposta negativa à segunda parte da segunda questão – “a contagem de representantes mulheres e negros eleitos na Câmara dos Deputados e Senado Federal também deve ser dobrada para fins de distribuição do FEFC? (critérios III e IV, da Lei nº 13.488/2017)”.

Não houve divergências ao voto do relator.

Desse modo, o Tribunal, por unanimidade, conheceu da consulta e respondeu negativamente à primeira pergunta, julgando prejudicada a segunda parte da primeira questão, e respondeu positivamente à primeira parte da segunda indagação e negativamente à sua segunda parte, nos termos do voto do relator.

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