STJ - Primeira Seção
REsp 1.835.864-SP
Recurso Especial
Outros Processos nesta Decisão
REsp 1.666.542-SP • REsp 1.835.865-SP
Relator: Herman Benjamin
Julgamento: 18/04/2024
STJ - Primeira Seção
REsp 1.835.864-SP
Tese Jurídica Simplificada
1ª Tese: A necessidade de esgotamento das diligências como requisito para penhora do faturamento de empresas foi afastada após a reforma realizada pela Lei nº 11.382/2006.
2ª Tese: A penhora sobre faturamento ocorre quando não localizados bens classificados em posição superior, ou, alternativamente, se houver constatação, pelo juiz, de que tais bens são de difícil alienação. Além disso, o rol do artigo 835 do CPC também pode ser excepcionado, a depender das circunstâncias do caso concreto, se o magistrado entender ser a melhor medida, nos termos do artigo 835, § 1º, do CPC/2015, justificando-a por decisão devidamente fundamentada.
3ª Tese: A penhora de faturamento é excepcional e não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro.
4ª Tese: À luz do princípio da menor onerosidade ao devedor, o juiz deve privilegiar o prosseguimento das atividades empresariais e deve estar atento aos elementos probatórios concretos trazidos pelo devedor.
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Tese Jurídica Oficial
1ª Tese: A necessidade de esgotamento das diligências como requisito para a penhora do faturamento foi afastada após a reforma do CPC/1973 pela Lei n. 11.382/2006.
2ª Tese: No regime do CPC/2015, a penhora do faturamento, listada em décimo lugar na ordem preferencial de bens passíveis de constrição judicial, poderá ser deferida após a demonstração da inexistência dos bens classificados em posição superior, ou, alternativamente, se houver constatação, pelo juiz, de que tais bens são de difícil alienação; finalmente, a constrição judicial sobre o faturamento empresarial poderá ocorrer sem a observância da ordem de classificação estabelecida em lei, se a autoridade judicial, conforme as circunstâncias do caso concreto, assim o entender (art. 835, § 1º, do CPC/2015), justificando-a por decisão devidamente fundamentada.
3ª Tese: A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro.
4ª Tese: Na aplicação do princípio da menor onerosidade (art. 805 e parágrafo único do CPC/2015; art. 620 do CPC/1973): a) a autoridade judicial deverá estabelecer percentual que não inviabilize o prosseguimento das atividades empresariais; e b) a decisão deve se reportar aos elementos probatórios concretos trazidos pelo devedor, não sendo lícito à autoridade judicial empregar o referido princípio em abstrato ou com base em simples alegações genéricas do executado.
Resumo Oficial
A jurisprudência do STJ, com base no art. 677 do CPC/1973 e no art. 11, § 1º, da Lei n. 6.830/1980 - que mencionam a possibilidade de a penhora atingir o próprio estabelecimento empresarial -, interpretou ser possível a penhora do faturamento empresarial, como medida excepcional, dependente da comprovação do exaurimento infrutífero das diligências para localização de bens do devedor.
Posteriormente, em evolução jurisprudencial, passou-se a entender que o caráter excepcional, embora mantido, deveria ser flexibilizado, dispensando-se a comprovação do exaurimento das diligências para localização de bens do devedor quando o juiz verificar que os bens existentes, já penhorados ou sujeitos à medida constritiva, por qualquer motivo, sejam de difícil alienação. De todo modo, a penhora de faturamento também depende da verificação de outras circunstâncias, tais como a nomeação de administrador (encarregado da apresentação do plano de concretização da medida, bem como da prestação de contas) e a identificação de que a medida restritiva não acarretará a quebra da empresa devedora.
Com as alterações promovidas pela Lei n. 11.382/2006 - que modificou o CPC/1973, dando nova redação a alguns dispositivos, além de criar outros -, a penhora de faturamento passou a ser expressamente prevista não mais como medida excepcional, pois passou a figurar com relativa prioridade na ordem dos bens sujeitos à constrição judicial (art. 655, VII, do CPC/1973). Note-se que, na vigência do referido dispositivo legal, a penhora de faturamento passou a constar como preferencial sobre a penhora de (a) pedras e metais preciosos; (b) títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado; (c) títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; e (d) outros direitos.
Finalmente, no regime do novo CPC, de 2015, o legislador estabeleceu uma ordem preferencial ao identificar treze espécies de bens sobre os quais recairá a penhora, listando a penhora sobre o faturamento na décima hipótese (art. 835, X, do CPC).
Ademais, ao prescrever o regime jurídico da penhora do faturamento, outras importantes novidades foram introduzidas no ordenamento jurídico, conforme se constata nos arts. 835, § 1º, e 866 do CPC. De acordo com tais dispositivos, é possível concluir que a penhora sobre o faturamento, atualmente, perdeu o atributo da excepcionalidade, pois concedeu-se à autoridade judicial o poder de - respeitada, em regra, a preferência do dinheiro - desconsiderar a ordem estabelecida no art. 835 do CPC e permitir a constrição do faturamento empresarial, consoante as circunstâncias do caso concreto (que deverão ser objeto de adequada fundamentação do juiz). Outra modificação prevista na lei é que, mesmo que o juiz verifique que os bens sujeitos à penhora não se caracterizem como de difícil alienação, isso não impedirá a efetivação de penhora do faturamento se o juiz constatar que são eles (tais bens) insuficientes para saldar o crédito executado.
A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro, até porque em tal hipótese a própria Lei de Execução Fiscal seria incoerente, uma vez que, ao mesmo tempo em que classifica a expressão monetária como o bem preferencial sobre o qual deve recair a penhora (art. 11, I), expressamente registra que a penhora sobre direitos encontra-se em último lugar (art. 11, VIII) e que a constrição sobre o estabelecimento é medida excepcional (art. 11, § 1º) - em relação aos dispositivos dos CPCs de 1973 e atual, vale a mesma observação, como acima descrito.
É importante que a autoridade judicial, ao decidir pela necessidade e/ou conveniência da efetivação de medida constritiva sobre o faturamento empresarial, estabeleça percentual que, à luz do princípio da menor onerosidade, não comprometa a atividade empresarial.
Por outro lado, há hipóteses em que a parte executada defende a aplicação desse princípio processual (art. 620 do CPC/1973, atual art. 805 do CPC/2015) para obstar, por completo, que seja deferida a penhora do faturamento. Nessa situação, o STJ já teve oportunidade de definir que o princípio da menor onerosidade não constitui "cheque em branco"; a decisão a respeito do tema deve ser fundamentada e se pautar em elementos probatórios concretos trazidos pela parte a quem aproveita (in casu, pelo devedor), não sendo lícito à autoridade judicial aplicar em abstrato o referido dispositivo legal, com base em simples alegações da parte devedora.
Contexto
O caso concreto trata da possibilidade de penhora de faturamento de empresa em execução fiscal sem necessidade de prévio esgotamento de diligências.
Na origem, a Fazenda do Estado de São Paulo ajuizou execução fiscal contra a Noordhen Brasil Indústria e Comércio Ltda e discutia a possibilidade de penhora do faturamento da empresa executada.
O juiz de primeira instância determinou a penhora de 10% sobre o faturamento bruto ou líquido da empresa, destacando que o montante deve ser recolhido diariamente pelo depositário.
A empresa recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo. O Tribunal manteve decisão do juiz de primeira instância para determinar a penhora de 10% sobre o faturamento da empresa, com base nos artigos 11, § 1º da Lei nº 6.830/80 e artigo 835, X do Código de Processo Civil. Vejamos:
Inconformada, a empresa interpôs recurso especial contra o referido acórdão, e esse recurso foi afetado como repetitivo para resolver as seguintes controvérsias:
Julgamento
Ao julgar o recurso, o STJ fixou quatro teses.
Vejamos cada uma das teses fixadas pela Corte e os fundamentos.
1ª Tese: Após a reforma do CPC/1973 pela Lei nº 11.382/2006, não há mais necessidade de esgotamento das diligências como requisito para a penhora do faturamento.
Durante a vigência do CPC/73, discutia-se a possibilidade de penhora sobre o faturamento de empresa. Originalmente, essa espécie de penhora não tinha previsão legal e era autorizada por construção jurisprudencial.
A questão foi discutida em diversas oportunidades, em especial no STJ, e a Corte delimitou uma série de requisitos para a concretização dessa espécie de penhora, já que era considerada extremamente gravosa para o devedor.
Nesse sentido, o seguinte trecho do REsp 866.382/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11.11.2008 pela 3ª Turma do STJ:
Havia clara preocupação da Corte com a penhora sobre o faturamento de empresas.
Ocorre que, com as alterações da Lei nº 11.382/06, o artigo 655, VII, do CPC/73 passou a expressamente prever a constrição de percentual do faturamento de empresa devedora:
Diante da expressa previsão legal, o STJ destacou que a necessidade de esgotamento das diligências como requisito para penhora do faturamento de empresas foi afastada após a reforma realizada pela Lei nº 11.382/2006, sendo possível independentemente das demais diligências.
2ª Tese: No regime do CPC/2015, a penhora do faturamento, listada em décimo lugar na ordem preferencial de bens passíveis de constrição judicial, poderá ser deferida após a demonstração da inexistência dos bens classificados em posição superior, ou, alternativamente, se houver constatação, pelo juiz, de que tais bens são de difícil alienação; finalmente, a constrição judicial sobre o faturamento empresarial poderá ocorrer sem a observância da ordem de classificação estabelecida em lei, se a autoridade judicial, conforme as circunstâncias do caso concreto, assim o entender (art. 835, § 1º, do CPC/2015), justificando-a por decisão devidamente fundamentada.
Já na vigência do CPC/15, a Corte destacou que a penhora de faturamento também está autorizada, embora esteja em décima posição na ordem de preferência:
Estando em décimo lugar na ordem preferencial, a penhora sobre o faturamento é cabível após a demonstração da inexistência dos bens classificados em posição superior. Também pode ocorrer a imediata penhora sobre o faturamento quando os bens localizados em posição superior forem de difícil alienação.
A Corte destaca que o rol do artigo 835 do CPC também pode ser excepcionado, a depender das circunstâncias do caso concreto, se o magistrado entender ser a melhor medida, nos termos do artigo 835, § 1º, do CPC/2015, justificando a medida por decisão devidamente fundamentada.
Nesse sentido, a penhora sobre faturamento ocorre quando não localizados bens classificados em posição superior, ou, alternativamente, se houver constatação, pelo juiz, de que tais bens são de difícil alienação.
Além disso, o rol do artigo 835 do CPC também pode ser excepcionado, a depender das circunstâncias do caso concreto, de forma fundamentada.
3ª Tese: A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro.
Segundo entendimento consolidado do STJ, a penhora de faturamento não pode ser equiparada à penhora de dinheiro, pois é muito mais gravosa.
Essa diferenciação ocorre principalmente porque a penhora em dinheiro se dá sobre sobre valores disponíveis em contas bancárias.
O faturamento, por outro lado, não está na esfera de disponibilidade da empresa.
A título de exemplo, vejamos o entendimento do STJ sobre o tema, já bastante antigo:
Portanto, as espécies de penhora não podem ser equiparadas e a penhora de faturamento é medida excepcional.
4ª Tese: Na aplicação do princípio da menor onerosidade (art. 805 e parágrafo único do CPC/2015; art. 620 do CPC/1973): a) a autoridade judicial deverá estabelecer percentual que não inviabilize o prosseguimento das atividades empresariais; e b) a decisão deve se reportar aos elementos probatórios concretos trazidos pelo devedor, não sendo lícito à autoridade judicial empregar o referido princípio em abstrato ou com base em simples alegações genéricas do executado.
Um dos princípios aplicáveis às execuções, inclusive às execuções fiscais, é o princípio da menor onerosidade ao devedor.
A definição desse princípio está no artigo 805 do CPC/15:
Segundo o STJ, ao determinar a penhora sobre faturamento de empresa, o juiz deve privilegiar o prosseguimento das atividades empresariais. Portanto, o percentual deve possibilitar o funcionamento da empresa.
Para definição desse percentual, o juiz deve estar atento aos elementos probatórios concretos trazidos pelo devedor, não podendo empregar o referido princípio em abstrato ou com base em simples alegações genéricas do executado.
Em outras palavras, a definição do percentual deve observar a situação econômica concreta da empresa.
Nesse sentido, à luz do princípio da menor onerosidade ao devedor, o juiz deve deve privilegiar o prosseguimento das atividades empresariais e deve estar atento aos elementos probatórios concretos trazidos pelo devedor.