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STJ - Terceira Seção

REsp 2.090.454-SP

Recurso Especial

Paradigma

Outros Processos nesta Decisão

REsp 2.024.901-SP

Relator: Rogerio Schietti Cruz

Julgamento: 20/02/2024

Publicação: 01/03/2024

STJ - Terceira Seção

REsp 2.090.454-SP

Tese Jurídica Simplificada

Em mais uma revisão da Tese fixada no Repetitivo nº 931, o STJ concluiu que:

(i) a falta do pagamento da pena de multa pelo condenado, mesmo após o cumprimento da pena de prisão ou da pena restritiva de direitos, não impede a extinção da punibilidade. 

(ii) cabe ao condenado alegar a hipossuficiência econômica e cabe ao juiz analisar a situação fática. 

(iii) se o juiz entender pela concreta possibilidade de pagamento da pena de multa, deverá indicar essa situação em decisão fundamentada.

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Contexto 

Conforme artigo 32 do Código Penal, o direito brasileiro admite três espécies de pena: 

Art. 32. As penas são: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I -privativas de liberdade;

II - restritivas de direitos;

III - de multa.

A principal ideia do sistema penal é a de extinção da punibilidade por cumprimento da pena. 

Em outras palavras, fixada a pena justa em sentença condenatória da qual não cabe mais recurso, o réu deve cumprir a pena integralmente para que seja decretada a extinção da punibilidade pelo juiz da execução penal, nos termos do artigo 66, II, da Lei de Execução Penal:   

Art. 66. Compete ao Juiz da execução: 

II - declarar extinta a punibilidade;

Ocorre que, para muitos tipos penais, a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos deve ser acompanhada da pena de multa. 

Um exemplo é o crime de calúnia: 

Art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: 

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Nesses casos, para que haja extinção da punibilidade, deve haver o cumprimento das duas penas (privativa de liberdade ou restritiva de direitos E multa). 

Embora em alguns crimes a pena de multa deva ser obrigatoriamente fixada, muitos condenados não têm condições econômicas de arcar com o valor da multa. 

Principalmente dentre os assistidos da Defensoria Pública, as condições econômicas não permitem o pagamento. Assim, as Defensorias Estaduais sempre defenderam que a não extinção da punibilidade por causa da pena de multa gera ainda maiores prejuízos para o condenado, pois impede a reinclusão social e o exercício da cidadania. 

A questão chegou ao STJ em algumas oportunidades. Vejamos a evolução do entendimento da Corte e as modificações do Tema Repetitivo nº 931. 

Modificações da Tese do Tema Repetitivo 931 

1ª Tese - REsp 1.519.777/SP, DJE de 10/09/2015

O STJ considerava, no momento da fixação dessa 1ª Tese, que a ausência do pagamento da pena de multa não impediria o reconhecimento da extinção da punibilidade. Portanto, ainda que o condenado fosse devedor da pena de multa, poderia ter a punibilidade extinta. 

2ª Tese - REsp 1.785.383/SP e 1.785.861/SP, DJe de 2/12/2020

Em sentido contrário à 1ª Tese, o STJ entendeu que o não pagamento da pena de multa impediria extinção da punibilidade. Assim, enquanto o condenado não pagasse a multa, continuaria em débito com a Justiça Penal. 

3ª  Tese - REsp 1.785.383/SP e 1.785.861/SP, DJe de 30/11/2021

Nesse momento, houve revisão da Tese. A Terceira Seção revisou o seu entendimento anterior entendendo que a falta de pagamento da pena multa não impediria a extinção da punibilidade, DESDE QUE o próprio condenado comprovasse a impossibilidade de realizar esse pagamento. O ônus de demonstrar a hipossuficiência econômica era do condenado. 

*Ponto importante para compreensão da necessidade de revisão da Tese!

Para a Defensoria Pública o fato de o condenado ser obrigado a comprovar a hipossuficiência econômica e a impossibilidade do pagamento da multa, causava uma revitimização pela falta de condições financeiras. Os assistidos da Defensoria, especialmente, já são pessoas de alta vulnerabilidade social e financeira e sofrem todos os estigmas e dificuldades da condenação. Por isso, a necessidade de comprovar a falta de condições financeiras causaria ainda maior sofrimento a essas pessoas. Em razão dessa defesa, o STJ foi provocado a revisar a Tese.

4ª Tese - REsp 2.090.454/SP e 2.024.901/SP, DJe de 30/10/2023

O STJ revisou a 3ª Tese quanto ao ônus do réu de demonstrar a hipossuficiência econômica. Em revisão da Tese, o STJ inverteu o questionamento. Grosso modo, se antes o questionamento da hipossuficiência era realizado para o condenado, que deveria comprovar a situação financeira, agora o questionamento passa a ser realizado ao juiz.

Assim, o condenado apenas alega a hipossuficiência econômica e essa alegação tem presunção de veracidade, conforme art. 99, § 3º, do CPC. Veja-se:

Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.

[...]

§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.

Cabe ao juiz analisar o contexto fático. Se o juiz entender que o condenado tem condições econômicas de pagar a multa, o juiz deverá indicar essa situação em decisão fundamentada.

Caso contrário, o juiz deverá extinguir a punibilidade mesmo sem o pagamento da multa.

Tese Jurídica Oficial

O inadimplemento da pena de multa, mesmo após o cumprimento da pena de prisão ou da pena restritiva de direitos, não impede a extinção da punibilidade, desde que o condenado alegue hipossuficiência, salvo se o juiz competente, em decisão devidamente fundamentada, entenda de forma diferente, indicando especificamente a capacidade de pagamento da penalidade pecuniária.

Resumo Oficial

A Terceira Seção do STJ, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia 1.519.777/SP, assentou a tese de que "nos casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade".

Ao apreciar a ADI 3.150, o STF firmou o entendimento de que a alteração do art. 51 do Código Penal, promovida Lei n. 9.268/1996, não retirou o caráter de sanção criminal da pena de multa, de modo que a primazia para sua execução incumbe ao Ministério Público e o seu inadimplemento obsta a extinção da punibilidade do apenado. Tal compreensão foi posteriormente sintetizada em nova alteração do referido dispositivo legal, pela Lei n. 13.964/2019.

Em decorrência do entendimento firmado pelo STF, bem como em face da mais recente alteração legislativa no artigo 51 do Código Penal, o STJ reviu a tese anteriormente aventada no Tema n. 931, para assentar que, "na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade" (Recursos Especiais Representativos da Controvérsia 1.785.383/SP e 1.785.861/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti, Terceira Seção, DJe 21/9/2021).

De toda sorte, é razoável inferir que referida decisão do STF se dirige àqueles condenados que possuam condições econômicas de adimplir a sanção pecuniária, geralmente relacionados a crimes de colarinho branco, de modo a impedir que o descumprimento da decisão judicial resulte em sensação de impunidade. Demonstra-o também a decisão do Pleno da Suprema Corte, ao julgar o Agravo Regimental na Progressão de Regime na Execução Penal 12/DF, a respeito da exigência de reparação do dano para obtenção do benefício da progressão de regime. Na ocasião, salientou-se que, "especialmente em matéria de crimes contra a Administração Pública - como também nos crimes de colarinho branco em geral -, a parte verdadeiramente severa da pena, a ser executada com rigor, há de ser a de natureza pecuniária. Esta, sim, tem o poder de funcionar como real fator de prevenção, capaz de inibir a prática de crimes que envolvam apropriação de recursos públicos" (Rel. Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe 18/3/2015).

Assim, mesmo aqueles que cumpriram integralmente suas penas, ainda precisam enfrentar a desproporcionalidade e a crueldade do sistema, já que são obrigados a pagar multas que foram fixadas quando condenados. A depender do perfil do réu, essas multas acabam aprofundando ainda mais a desigualdade econômica e social existente na população apenada, uma vez que após a saída da prisão retornam com frequência para a situação anterior a sua prisão, agora sobreposta com o estigma de ex-preso.

É oportuno lembrar que, entre outros efeitos secundários, a condenação criminal transitada em julgado retira direitos políticos do condenado, nos termos do art. 15, III, da Constituição da República de 1988. Como consequência, uma série de benefícios sociais - inclusive empréstimos e adesão a programas de inclusão e de complementação de renda - lhe serão negados enquanto pendente dívida pecuniária decorrente da condenação.

Ainda na seara dos malefícios oriundos do não reconhecimento da extinção da punibilidade, o art. 64, I, do Código Penal determina que, "para efeito de reincidência: [...] não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação", o que implica dizer que continuará o condenado a ostentar a condição de potencial reincidente enquanto inadimplida a sanção pecuniária.

Não se mostra, portanto, compatível com os objetivos e fundamentos do Estado Democrático de Direito - destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça" (Preâmbulo da Constituição da República) - que se perpetue uma situação que tem representado uma sobrepunição dos condenados notoriamente incapacitados de, já expiada a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, solver uma dívida que, a despeito de legalmente imposta - com a incidência formal do Direito Penal - não se apresenta, no momento de sua execução, em punição estatal.

Além disso, não se trata de generalizado perdão da dívida de valor ou sua isenção, porquanto se o Ministério Público, a quem compete, especialmente, a fiscalização da execução penal, vislumbrar a possibilidade de que o condenado não se encontra nessa situação de miserabilidade que o isente do adimplemento da multa, poderá produzir prova em sentido contrário. É dizer, presume-se a pobreza do condenado que sai do sistema penitenciário - porque amparada na realidade visível, crua e escancarada - permitindo-se prova em sentido contrário. E, por se tratar de decisão judicial, poderá o juiz competente, ao analisar o pleito de extinção da punibilidade, indeferi-lo se, mediante concreta motivação, indicar evidências de que o condenado possui recursos que lhe permitam, ao contrário do que declarou, pagar a multa.

De mais a mais, resta ainda a possibilidade, nos termos do art. 51 do Código Penal, de a multa poder ser executada como dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. A execução da sanção pecuniária - sempre sujeita, evidentemente, à capacidade de pagar do devedor - poderá ser implementada pelo Ministério Público, prioritariamente, ou pela Fazenda Pública, subsidiariamente.

A propósito, o Decreto Presidencial de indulto natalino, n. 11.846/2023, abrangeu pessoas "condenadas a pena de multa, ainda que não quitada, independentemente da fase executória ou do juízo em que se encontre, aplicada isolada ou cumulativamente com pena privativa de liberdade, desde que não supere o valor mínimo para o ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, estabelecido em ato do Ministro de Estado da Fazenda, ou que não tenham capacidade econômica de quitá-la, ainda que supere o referido valor". Isso equivale a dizer que, para o Poder Executivo, é melhor perdoar a dívida pecuniária de quem já cumpriu a integralidade da pena privativa de liberdade e deseja - sem a obrigatoriedade de pagar uma pena de multa até um valor que o Estado costuma renunciar à cobrança de seus créditos fiscais - reconquistar um patamar civilizatório de que até então eram tolhidos em virtude do não pagamento da multa.

No caso, a Corte de origem procedeu ao exame das condições socioeconômicas a que submetido o apenado, a fim de averiguar a possibilidade de incidência da tese firmada no Tema 931, o que levou o Tribunal a concluir pela vulnerabilidade econômica do recorrido. O Tribunal a quo, não obstante haver reconhecido a legitimidade da cobrança da pena de multa pelo Ministério Público, alicerçou sua compreensão na patente hipossuficiência do executado, conjuntura que não foi desconstituída pelo órgão ministerial.

A presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência, a fim de permitir a concessão da gratuidade de justiça, possui amparo no art. 99, § 3º, do Código de Processo Civil, segundo o qual "presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural", podendo ser elidida caso esteja demonstrada a capacidade econômica do reeducando.

Desse modo, conclui-se que o inadimplemento da pena de multa, após cumprida a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, não obsta a extinção da punibilidade, ante a alegada hipossuficiência do condenado, salvo se diversamente entender o juiz competente, em decisão suficientemente motivada, que indique concretamente a possibilidade de pagamento da sanção pecuniária.

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