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STJ - Sexta Turma

HC 861.817-SC

Habeas Corpus

Relator: Jesuíno Rissato

Julgamento: 06/02/2024

Publicação: 15/02/2024

STJ - Sexta Turma

HC 861.817-SC

Tese Jurídica Simplificada

É dever do Judiciário perguntar à pessoa transexual sobre o local onde quer cumprir a pena (unidade feminina, masculina ou específica, se houver), bem como se prefere o convívio geral ou em alas ou celas específicas.

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Contexto

No caso concreto, uma mulher trans foi condenada ao cumprimento de pena privativa de liberdade, mas foi beneficiada com o "regime semiaberto harmonizado", que assegura ao apenado a prisão domiciliar caso não haja vagas disponíveis no regime semiaberto.

O juízo da execução penal, porém, revogou o benefício, determinado à ré que se apresentasse a um presídio de Criciúma, sob a justificativa de que o estabelecimento penal - destinado a pessoas do gênero masculino - poderia receber condenados ao regime semiaberto. 

A defesa apresentou ao STJ o HC em questão sob o argumento de que o presídio masculino não seria adequado ao cumprimento de pena, considerando a falta de estrutura para oferecer uma cela separada ou espaços de convivência específicos para transexuais, sem arriscar a integridade pessoal da apenada.

Julgamento

No julgamento do HC, o STJ definiu que é dever do Judiciário perguntar à pessoa transexual sobre o local onde quer cumprir a pena (unidade feminina, masculina ou específica, se houver), bem como se prefere o convívio geral ou em alas ou celas específicas.

Tal conduta serve para resguardar a liberdade sexual e de gênero, a integridade física e a vida das pessoas transgênero presas, considerando que o art. 7° da Resolução CNJ 348/2020 determina que a decisão sobre o local de cumprimento da pena "será proferida após questionamento da preferência da pessoa presa".

Em 2019, o STF havia concedido medida cautelar na ADPF 527 para que pessoas presas transexuais e travestis com identidade de gênero feminino possam escolher cumprir a pena em presídios femininos ou masculinos. Tal é a determinação do art. 8° da referida Resolução do CNJ.

Resolução 348/2020

Art. 7º Em caso de prisão da pessoa autodeclarada parte da população LGBTI, o local de privação de liberdade será definido pelo magistrado em decisão fundamentada. (Redação dada pela Resolução n. 366, de 20/01/2021)

§ 1º A decisão que determinar o local de privação de liberdade será proferida após questionamento da preferência da pessoa presa, nos termos do art. 8º, o qual poderá se dar em qualquer momento do processo penal ou execução da pena, assegurada, ainda, a possibilidade de alteração do local, em atenção aos objetivos previstos no art. 2º desta Resolução. (Redação dada pela Resolução n. 366, de 20/01/2021)

§ 1º - A. A possibilidade de manifestação da preferência quanto ao local de privação de liberdade e de sua alteração deverá ser informada expressamente à pessoa pertencente à população LGBTI no momento da autodeclaração. (Incluído pela Resolução n. 366, de 20/01/2021)

§ 2º Para os fins do caput, a autodeclaração da pessoa como parte da população LGBTI poderá ensejar a retificação e emissão dos seus documentos quando solicitado ao magistrado, nos termos do art. 6º da Resolução CNJ nº 306/2019.

§ 3º A alocação da pessoa autodeclarada parte da população LGBTI em estabelecimento prisional, determinada pela autoridade judicial após escuta à pessoa interessada, não poderá resultar na perda de quaisquer direitos relacionados à execução penal em relação às demais pessoas custodiadas no mesmo estabelecimento, especialmente quanto ao acesso a trabalho, estudo, atenção à saúde, alimentação, assistência material, assistência social, assistência religiosa, condições da cela, banho de sol, visitação e outras rotinas existentes na unidade.

Art. 8º De modo a possibilitar a aplicação do artigo 7º, o magistrado deverá:

I – esclarecer em linguagem acessível acerca da estrutura dos estabelecimentos prisionais disponíveis na respectiva localidade, da localização de unidades masculina e feminina, da existência de alas ou celas específicas para a população LGBTI, bem como dos reflexos dessa escolha na convivência e no exercício de direitos;

II – indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual acercada preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas, onde houver; e (Redação dada pela Resolução n. 366, de 20/01/2021)

III – indagar à pessoa autodeclarada parte da população gay, lésbica, bissexual, intersexo e travesti acerca da preferência pela custódia no convívio geral ou em alas ou celas específicas. (Redação dada pela Resolução n. 366, de 20/01/2021)

§ 1º Os procedimentos previstos neste artigo devem ser observados na realização da audiência de custódia após prisão em flagrante ou cumprimento do mandado de prisão, na prolação de sentença condenatória, assim como em audiência na qual seja decretada a privação de liberdade de pessoa autodeclarada parte da população LGBTI.

§ 2º A preferência de local de detenção declarada pela pessoa constará expressamente da decisão ou sentença judicial, que determinará seu cumprimento.

Tese Jurídica Oficial

É dever do Judiciário indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual acerca da preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas.

Resumo Oficial

A determinação do local do cumprimento da pena da pessoa transgênero não é um exercício de livre discricionariedade do julgador, mas sim uma análise substancial das circunstâncias que tem por objeto resguardar a liberdade sexual e de gênero, a integridade física e a vida das pessoas transgênero presas, haja vista que o art. 7° da Resolução CNJ n. 348/2020 determina que a referida decisão "será proferida após questionamento da preferência da pessoa presa".

Dessa forma, o órgão estatal judicial responsável pelo acompanhamento da execução da pena não deve ter por objeto resguardar supostos constrangimentos das agentes carcerárias, pois, para isso, o Estado tem outros órgãos e outros instrumentos, que, inclusive, utilizam a força e a violência; e, por isso, é objetivo do Judiciário resguardar a vida e a integridade físicas das pessoas presas, respeitando a diversidade de gênero e a liberdade sexual.

O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2019, em razão da diversidade de gênero e da igualdade material, havia concedido medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 527, para que pessoas presas transexuais e travestis com identidade de gênero feminino possam escolher cumprir a pena em estabelecimentos prisionais femininos ou masculinos. Assim também determina o art. 8° da Resolução CNJ n. 348/2020.

Portanto, é dever do Judiciário indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual acerca da preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas.

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