REsp 2.038.445-DF

STJ Terceira Turma

Recurso Especial

Relator: Nancy Andrighi

Julgamento: 25/04/2023

Publicação: 27/04/2023

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Tese Jurídica Simplificada

É nulo o contrato de prestação de serviços celebrado por sociedade empresária que caracterize atividades privativas de advocacia, ainda que um dos sócios seja advogado.

Nossos Comentários

Caso

Na origem, tratava-se de ação monitória na qual a parte autora (empresa) alegava ter firmado com a ré contrato de prestação de serviços para defender terceiro em processo de extradição que corria na Itália, decorrente de mandado de prisão expedido na Venezuela.

Foram fixados honorários de 20% do valor constante no mandado de prisão, metade paga na assinatura do contrato e a outra na soltura do(a) preso(a). 

Ademais, foi contratado um escritório de advocacia no Brasil e outro na Itália para ajudarem no acompanhamento processual. 

Após o início da prestação dos serviços, a ré rescindiu o contrato unilateralmente, pagando apenas parte do valor ajustado. 

O juízo de primeiro grau julgou improcedente a monitória, declarando nulo o contrato de prestação de serviços, porque a atividade realizada pela empresa seria privativa de advocacia e condenou a empresa a restituir o valor recebido pelo negócio jurídico.

A empresa então, apelou, e o TJ/DF deu parcial provimento à apelação, afastando a necessidade de devolução de parte dos valores recebidos. Para o TJ,  a sentença deveria ser alterada porque a empresa não desafiava o exercício da advocacia, mas  prestou o serviço de maneira insatisfatória. Assim, parte dos valores recebidos não deveria ser devolvida.

A ré também apelou, mas teve o recurso denegado. Ambas opuseram embargos de declaração, os quais também foram rejeitados.

Eis que a contratante dos serviços, outrora ré, apresentou recurso especial. Sustentou que o acórdão foi omisso quanto às provas sobre os serviços prestados pela empresa e sobre as teses de anulabilidade do contrato. Também ressaltou o fato de que a empresa prestava serviços privativos de advogado e não era um escritório de advocacia com registro na OAB. Pugnou, afinal, pela nulidade do contrato. 

A empresa também apresentou recurso especial, sustentando que houve negativa de prestação jurisdicional quando inadmitidos seus embargos de declaração e que, o TJ/DF, ao alterar o valor devido, realizou revisão do contrato de ofício e extrapolou os limites da lide. 

O TJ/DF, em juízo de admissibilidade, inadimitiu o recurso das duas partes, as quais, então agravaram do indeferimento. 

Julgamento

A relatora analisou o recurso das duas partes.

1. Do REsp da pessoa física (contratante):

Segundo a Ministra, o art.1º, I e II do Estatuto da Advocacia preveem que a postulação a qualquer órgão do judiciário, juizados especiais, atividade de consultoria, assessoria e direção jurídicas são privativas da advocacia. Ademais, o §3º do mesmo art. veda a divulgação da advocacia com outro tipo de atividade. 

Conforme o art.4º do mesmo diploma, são nulos atos privativo de advogado praticados por pessoas não inscritas na OAB, sem prejuízo de sanções civis, penais e administrativas. O art. também não permite que o advogado preste serviços de assessoria e consultoria jurídica em sociedade que não possam ser registradas na OAB.

Esse tipo de restrição visa assegurar que os interesses jurídicos sejam sempre protegidos por profissional técnico, conhecedor do direito e capaz de defender os interesses da melhor forma possível.

Cabe ressaltar que existe a atuação do advogado sob forma de sociedade, conforme dispõe o art.15 da Lei nº 8.906/94. Entretanto, só adquirirá personalidade jurídica com o registro aprovado de seus atos constitutivos perante o Conselho Seccional da OAB, sendo vedado o registro se apresentar característica de sociedade empresária, realizar atividades diversas da advocacia ou incluir, como sócio, pessoa não inscrita na OAB.

Ainda, conforme o art.166, II e VII do CC/02, o negócio jurídico será nulo quando o objeto for ilícito ou quando a lei assim declarar ou proibir a prática. O negócio nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo (art.169, CC).

Por isso, conclui-se que a empresa autora da ação monitória é sociedade empresária, cuja atividade econômica principal é a consultoria em gestão empresarial. Não se trata de sociedade de advogados. 

As partes firmaram contrato de prestação de serviços no qual o objeto foi o patrocínio de interesses jurídicos, conforme transcrito na própria cláusula primeira do contrato. O serviço, portanto, era privativo da advocacia. 

Ressalta-se que, ainda que a empresa não tenha postulado em juízo, a própria negociação e celebração do contrato já caracteriza a atividade de assessoria jurídica. Pelo teor do contrato também nota-se não se tratar de simples mandato, no qual a empresa se comprometeria a contratar advogados em nome da contratante ou do terceiro defendido. 

Ademais, o fato de um dos sócios ser advogado, além de não afastar a nulidade, caracteriza prática vedada pelo art.15 da Lei nº 8.906/94 e art.4º, parágrafo único do Regulamento Geral da OAB.

Em um segundo momento, a Relatora analisou a devolução dos valores pagos pela parte à empresa. Concluiu que não caberia a devolução sob o fundamento de que a parte apenas opôs embargos à ação monitória e essa defesa não seria apta para pedir a devolução da quantia. Na verdade, haveria essa possibilidade se fosse proposta reconvenção, o que não ocorreu.

Por isso, a decisão do STJ limitou-se a declarar a nulidade do contrato e não exigiu a devolução do pagamento. Para tanto, deve-se propor a ação conveniente. 

2. Do REsp da empresa (contratada):

Analisando o REsp da empresa, a Ministra apontou que, em razão do provimento ao recurso da parte ré (contratante), o recurso da empresa restou prejudicado, já que o contrato foi considerado nulo.

Assim, 

em resumo: é nulo o contrato de prestação de serviços celebrado por sociedade empresária que caracterize atividades privativas de advocacia, ainda que um dos sócios seja advogado.


Tese Jurídica Oficial

É nulo o contrato de prestação de serviços que caracterizam atividades privativas de advocacia, celebrado por sociedade empresária, ainda que um dos sócios dessa sociedade seja advogado.

O art. 1º, I e II, da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) prevê que são atividades privativas de advocacia a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; e as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

Os atos privativos de advocacia somente podem ser praticados, sob pena de nulidade absoluta, por advogados inscritos na OAB, os quais, podem se reunir em sociedade simples, mas apenas com o devido registro no respectivo Conselho Seccional e, mesmo assim, os referidos atos privativos não podem ser praticados pela sociedade, mas apenas por seus sócios, de forma individual. Inteligência dos arts. 1º, 4º, 15, § 1º, e 16 da Lei n. 8.906/1994.

É vedado ao advogado prestar serviços de assessoria e consultoria jurídicas para terceiros, em sociedades que não possam ser registradas na OAB. Inteligência do art. 16 da Lei n. 8.906/1994 c/c o art. 4º, parágrafo único, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB.

Assim, se uma sociedade empresária não registrada na OAB celebra contrato de prestação de serviços que caracterizam atividades privativas de advocacia, esse negócio jurídico é nulo, ainda que um dos sócios dessa sociedade seja advogado.

Em síntese, atos privativos de advocacia somente podem ser praticados, sob pena de nulidade absoluta, por advogados inscritos na OAB, os quais, podem se reunir em sociedade simples, mas apenas com o devido registro no respectivo Conselho Seccional e, mesmo assim, os referidos atos privativos não podem ser praticados pela sociedade, mas apenas por seus sócios, de forma individual.

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