STJ - Quinta Turma
RHC 173.448-DF
Recurso Ordinário em Habeas Corpus
Relator: Reynaldo Soares da Fonseca
Julgamento: 07/03/2023
Publicação: 14/03/2023
STJ - Quinta Turma
RHC 173.448-DF
Tese Jurídica
A absolvição na ação de improbidade administrativa em virtude da ausência de dolo e da ausência de obtenção de vantagem indevida esvazia a justa causa para manutenção da ação penal.
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Resumo Oficial
A jurisprudência desta Corte entende que a sentença absolutória por ato de improbidade não vincula o resultado da ação penal, porquanto proferida na esfera do direito administrativo sancionador, que é independente da instância penal, embora seja possível, em tese, considerar como elementos de persuasão os argumentos nela lançados (REsp 1.847.488/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 26/4/2021).
A independência das esferas tem por objetivo o exame particularizado do fato narrado, com base em cada ramo do direito, devendo as consequências cíveis e administrativas ser aferidas pelo juízo cível e as consequências penais pelo Juízo criminal, dada a especialização de cada esfera. No entanto, as consequências jurídicas recaem sobre o mesmo fato.
No caso, verifica-se que a absolvição ocorreu em virtude da ausência de comprovação do elemento subjetivo dos particulares. Ficou consignado pela instância cível que a prova dos autos demonstra apenas o dolo do gestor público, não justificando a condenação dos particulares. Destacou-se, ademais, que a pessoa jurídica nem ao menos logrou êxito em ser a primeira colocada entre os concorrentes na dispensa de licitação, precisando baixar seu preço para ser escolhida. Por fim, registrou-se que não se auferiu benefício, uma vez que o contrato foi anulado pela Corte de Contas.
Nessa linha de intelecção, não é possível que o dolo da conduta em si não esteja demonstrado no juízo cível e se revele no juízo penal, pois se trata do mesmo fato, na medida em que a ausência do requisito subjetivo provado interfere na caracterização da própria tipicidade do delito, mormente se considere a doutrina finalista (que insere o elemento subjetivo no tipo), bem como que os fatos aduzidos na denúncia não admitem uma figura culposa, culminando-se, dessa forma, em atipicidade.
Anote-se, por oportuno, que se trata de crime contra a Administração Pública, cuja especificidade recomenda atentar para o que decidido, a respeito dos fatos, na esfera cível. Deve-se levar em consideração que o art. 21, § 4º, da Lei n. 8.429/1992, incluído pela Lei n. 14.230/2021, disciplina que "a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Código de Processo Penal".
Embora referido dispositivo esteja com a eficácia suspensa por liminar deferida pelo Supremo Tribunal Federal, em 27/12/2022, na ADI 7.236/DF, tem-se que o legislador pretendeu definir ampla exceção legal à independência das esferas que, apesar de não autorizar o encerramento da ação penal em virtude da absolvição na ação de improbidade administrativa por qualquer fundamento, revela que existem fundamentos tão relevantes que não podem ser ignorados pelas demais esferas. Pela letra da lei, uma absolvição na seara penal, por qualquer fundamento, não pode permitir a manutenção da ação de improbidade.
A suspensão do art. 21, § 4º, da Lei n. 8.429/1992, na redação dada pela Lei n. 14.230/2021 (ADI 7.236/DF) não atinge a vedação constitucional do ne bis in idem (Rcl 57.215/DF MC, Rel. Ministro Gilmar Mendes, julgado em 6/1/2023), e, sem justa causa não há persecução penal.
Portanto, apesar de, pela letra da lei, o contrário não justificar o encerramento da ação penal, inevitável concluir que a absolvição na ação de improbidade administrativa em virtude da ausência de dolo e da ausência de obtenção de vantagem indevida, esvazia a justa causa para manutenção da ação penal. De fato, não se verifica mais a plausibilidade do direito de punir, uma vez que a conduta típica, primeiro elemento do conceito analítico de crime, depende do dolo para se configurar, e este foi categoricamente afastado pela instância cível.
Tendo a instância cível afirmado que não ficou demonstrado que os particulares induziram ou concorreram dolosamente para a prática de ato que atente contra os princípios da administração, registrando que "a amplitude da previsão legislativa não pode induzir o intérprete a acolher ilações do autor da ação civil pública, pois ausente a subsunção dos fatos à norma que prevê a responsabilização dos particulares na Lei n. 8.429/92 (art. 3º)", não pode a mesma conduta ser violadora de bem jurídico tutelado pelo direito penal. Constata-se, assim, de forma excepcional, a efetiva repercussão da decisão de improbidade sobre a justa causa da ação penal em trâmite, motivo pelo qual não se justifica a manutenção desta última. Nas palavras do Ministro Humberto Martins, "a unidade do Direito" deve se pautar pela coerência.
Recentemente, houve uma grande mudança na Lei de Improbidade Administrativa, no sentido de punir o agente somente se ele cometer os atos vedados pela lei a título de dolo. Em outras palavras, não existe mais ato de improbidade culposo.
Sabemos que as instâncias administrativas, cível e penal em regra são independentes, de forma que a inexistência de ato ilícito administrativo não significa que não haverá de ser ilícito penal ou cível. No entanto, em alguns casos o ato ilícito de uma esfera importa na impossibilidade de questionar o fato em outras esferas.
No caso, o agente foi absolvido na ação de improbidade em razão da ausência de comprovação de dolo. Na esfera cível, ficou comprovado que esse mesmo agente não tinha dolo, e sequer houve auferimento de benefício por parte dele.
O STJ entendeu que, em razão da comprovação de ausência de dolo na esfera cível, também não há justa causa para mover ação penal. Isso porque, segundo a Corte, a esfera cível teria capacidade de aferir o dolo e não conseguiu identificá-lo. Por essa razão, é descabida a promoção de ação penal.