STJ - Terceira Seção
REsp 1.977.135-SC
Recurso Especial
Relator: Joel Ilan Paciornik
Julgamento: 23/11/2022
Publicação: 28/11/2022
STJ - Terceira Seção
REsp 1.977.135-SC
Tese Jurídica Simplificada
1. O período de recolhimento noturno ou de recolhimento nos dias de folga, determinado como cautelar diversa da prisão, deve ser computado na detração,
2. A inclusão desse período para fins de detração independe de a medida ser cumulada com monitoramento eletrônico.
3. O cálculo do período a ser detraído deve ser feito a partir da soma de horas totais de recolhimento dividido por 24, desprezadas as frações (por serem menores que um dia).
Vídeos
Nossos Comentários
Tese Jurídica Oficial
1. O período de recolhimento obrigatório noturno e nos dias de folga, por comprometer o status libertatis do acusado deve ser reconhecido como período a ser detraído da pena privativa de liberdade e da medida de segurança, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e do non bis in idem.
2. O monitoramento eletrônico associado, atribuição do Estado, não é condição indeclinável para a detração dos períodos de submissão a essas medidas cautelares, não se justificando distinção de tratamento ao investigado ao qual não é determinado e disponibilizado o aparelhamento.
3. A soma das horas de recolhimento domiciliar a que o réu foi submetido devem ser convertidas em dias para contagem da detração da pena. Se no cômputo total remanescer período menor que vinte e quatro horas, essa fração de dia deverá ser desprezada.
Resumo Oficial
A reflexão sobre o abatimento na pena definitiva do tempo de cumprimento da medida cautelar prevista no art. 319, VII, do Código de Processo Penal (recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga), surge da ausência de previsão legal.
Nos termos do art. 42 do Código Penal: "Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior".
A cautelar de recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga estabelece que o investigado deverá permanecer recolhido em seu domicílio nesses períodos, desde que possua residência e trabalho fixos. Essa medida não se confunde com a prisão domiciliar, mas diferencia-se de outras cautelares na limitação de direitos, pois atinge diretamente a liberdade de locomoção do investigado, ainda que de forma parcial e/ou momentânea, impondo-lhe a permanência no local em que reside.
Nesta Corte, o amadurecimento da questão partiu da interpretação dada ao art. 42 do Código Penal. Concluiu-se que o dispositivo não era numerus clausus e, em uma compreensão extensiva in bonam partem, dever-se-ia permitir que o período de recolhimento noturno, por comprometer o status libertatis, fosse reconhecido como período detraído, em homenagem ao princípio da proporcionalidade e em apreço ao princípio do non bis in idem.
A detração penal dá efetividade ao princípio basilar da dignidade da pessoa humana e ao comando máximo do caráter ressocializador das penas, que é um dos principais objetivos da execução da pena no Brasil.
Assim, a melhor interpretação a ser dada ao art. 42 do Código Penal é a de que o período em que um investigado/acusado cumprir medida cautelar de recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga (art. 319, V, do CPP) deve ser detraído da pena definitiva a ele imposta pelo Estado.
Quanto à necessidade do monitoramento eletrônico estar associado à medida de recolhimento noturno e nos dias de folga para fins da detração da pena de que aqui se cuida, tem-se que o monitoramento eletrônico (ME) é medida de vigilância, que afeta os direitos fundamentais, destacadamente a intangibilidade corporal do acusado. É possível sua aplicação isolada ou cumulativamente com outra medida. Essa medida é pouco difundida no Brasil, em razão do alto custo ou, ainda, de dúvidas quanto a sua efetividade. Outro aspecto importante é o fato de que seu emprego prevalece em fases de execução da pena (80%), ou seja, não se destina primordialmente à substituição da prisão preventiva.
Assim, levando em conta a precária utilização do ME como medida cautelar e, considerando que o recolhimento noturno já priva a liberdade de quem a ele se submete, não se vislumbra a necessidade de dupla restrição para que se possa chegar ao grau de certeza do cumprimento efetivo do tempo de custódia cautelar, notadamente tendo em conta que o monitoramento eletrônico é atribuição do Estado. Nesse cenário, não se justifica o investigado que não dispõe do monitoramento receber tratamento não isonômico em relação àquele que cumpre a mesma medida restritiva de liberdade monitorado pelo equipamento.
Portanto, deve prevalecer a corrente jurisprudencial inaugurada pela Ministra Laurita Vaz, no RHC 140.214/SC, de que o direito à detração não pode estar atrelado à condição de monitoramento eletrônico, pois seria impor ao investigado excesso de execução, com injustificável aflição de tratamento não isonômico àqueles que cumprem a mesma medida de recolhimento noturno e nos dias de folga monitorados.
Ainda, a soma das horas de recolhimento domiciliar a que o réu for submetido devem ser convertidas em dias para contagem da detração da pena. E, se no cômputo total remanescer período menor que vinte e quatro horas, esse tempo deverá ser desconsiderado, em atenção à regra do art. 11 do Código Penal, segundo a qual devem ser desprezadas, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direito, as frações de dia (HC n. 455.097/PR).
Detração
Detração é um fenômeno previsto na Lei de Execuções Penais que consiste no abatimento, como pena efetivamente cumprida, de alguns períodos suportados pelo réu em situações diversas do cumprimento efetivo da pena no regime determinado pela sentença.
A título de exemplo, pensemos em alguém que foi condenado a 5 anos de prisão em regime fechado, mas cumpriu 2 anos de prisão preventiva pelo mesmo processo. A pena de 5 anos sofrerá detração, de modo que o condenado só precisará cumprir os 3 anos restantes.
A detração só vale para prisão provisória, administrativa e internação, conforme prescrito no art. 42? Não. Os Tribunais têm considerado outras hipóteses em que haverá detração. São hipóteses em que se justificam em razão de serem medidas que impõem um grau considerável de restrição de liberdade, que justifica o desconto do artigo 42.
A posição atual do STJ é de que as hipóteses do art. 42 não são taxativas, pois a racionalidade do artigo é justamente evitar a dupla punição pelo mesmo fato (ne bis in idem). Sendo assim, se houver outras medidas que restrinjam a liberdade de forma considerável, será necessário estender a detração ao réu que as suportou.
Nesse recurso repetitivo, o STJ objetivou uniformizar o entendimento da detração em medidas de recolhimento noturno. Vamos analisar melhor o entendimento.
MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO E DETRAÇÃO
Recolhimento noturno e o monitoramento eletrônico são medidas cautelares diversas da prisão classificadas como cautelare pessoais, por incidirem na pessoa do réu, e não em seus bens, como ocorre com as cautelares reais.
MUDANÇA DE ENTENDIMENTO
Até a decisão que estamos analisando, o STJ entendia, de forma majoritária, que o reconhecimento da detração na medida de recolhimento domiciliar só seria possível se essa medida tivesse cumulada com a monitoração eletrônica. Recomendamos que o aluno dê uma olhada nos nossos comentários ao HC 455.097-PR, julgado em 14/04/2021 e constante no Informativo 693 (clique aqui).
No entanto, o STJ firmou o entendimento de que o reconhecimento da detração no período de recolhimento obrigatório noturno, assim como o recolhimento nos dias de folga (Inc. V) independe da cumulação dessa medida com o monitoramento eletrônico (inc. IX). O Tribunal entende que essa medida, por mais que seja diversa da prisão, compromete severamente a liberdade da pessoa a ela submetida. Seria desproporcional desconsiderar essa privação de liberdade como pena cumprida. Na prática, seria uma dupla punição pelo mesmo fato.
E como será feito o cômputo da detração? Segundo o STJ, serão somadas todas as horas de recolhimento domiciliar as quais o réu foi submetido. O total dessas horas será dividido por 24, para converter a hora em dias. As frações remanescentes, menores que 24 horas, serão desprezadas.