AgRg no HC 482.056-SP

STJ Sexta Turma

Agravo Regimental no Habeas Corpus

Relator: Antonio Saldanha Palheiro

Julgamento: 02/08/2022

Publicação: 08/08/2022

Tese Jurídica

O art. 563, inciso III, alínea d, do Código de Processo Penal deve ser interpretado de forma estrita, permitindo a rescisão do veredicto popular somente quando a conclusão alcançada pelos jurados seja teratológica, completamente divorciada do conjunto probatório constante do processo.

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Nossos Comentários

Tribunal do Júri

O Tribunal do Júri é o rito processual utilizado para julgamento de crimes dolosos contra a vida. Esse rito pode ser dividido em duas etapas: 

  • Judicium accusatione: É uma etapa em que será analisado se aquele fato delituoso é passível de julgamento pelo Tribunal do Júri. 
  • Judicium causae: É a etapa do julgamento pelo Conselho de Sentença.

No Tribunal do Júri vige o princípio da soberania dos veredictos, no qual o Conselho de Sentença tem poder jurisdicional. Dessa forma, o juiz togado não pode subverter o veredicto dos jurados. 

Isso significa que mesmo em caso de ilegalidade será possível manter a decisão do júri? Não. O CPP restringe a reforma do júri popular por decisão judicial, seja de juiz singular, seja de juízos colegiados. No entanto, é possível que, em sede de recurso, os Tribunais invalidem aquele julgamento a fim de que se constitua outro Conselho de Sentença.

É o exemplo da apelação fundada em decisão manifestamente contrária às provas dos autos, prevista bo art, 593, CPP. 

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 dias: 

(...)

III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:  

(...)

d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. 

(...)

§ 3o  Se a apelação se fundar no no III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação. 

Perceba que o Tribunal não reforma a decisão do júri. Ele submete o réu a novo julgamento sujeitando a um novo júri popular. 

Segundo o STJ, a interpretação desse dispositivo (art. 593, II, d) deve ser restritiva. Isso significa que só será permitindo a rescisão do veredicto popular quando ele condenar o réu indo na contramão de todas as provas produzidas na instrução. Dessa forma, se existir outra tese plausível - ainda que haja prova frágil e questionável, e a condenação prevalecer, essa decisão dos jurados deverá ser mantida. 


A instituição do júri, com a organização que lhe dá o Código de Processo Penal, assegura a soberania dos veredictos. Desse modo, para que seja cabível a apelação com esteio no art. 593, inciso III, alínea d, do mencionado diploma legal, imperioso que a conclusão alcançada pelos jurados seja teratológica, completamente divorciada do conjunto probatório constante do processo.

A questão é saber sobre o alcance do procedimento do Tribunal de Justiça ao apreciar a apelação com base na manifesta contrariedade à prova dos autos.

Dúvidas não há de que o recurso não devolve ao colegiado local o julgamento da causa, para substituir a decisão do Conselho de Sentença pela sua própria. Ao órgão recursal permite-se, somente, a efetivação de um juízo de constatação relativo à existência de arcabouço probatório bastante a amparar a escolha dos jurados, apenas se afigurando possível a rescisão do veredicto quando absolutamente desprovido de provas mínimas.

Desse modo, o art. 563, inciso III, alínea d, do Código de Processo Penal deve ser interpretado de forma estrita, permitindo a rescisão do veredicto popular somente quando proferido ao arrepio de todo material probatório produzido durante a instrução processual penal. Não obstante, se existir outra tese plausível - ainda que frágil e questionável, e os jurados optarem por ela - a decisão deve ser mantida, sobretudo considerando que os jurados julgam segundo sua íntima convicção, sem a necessidade de fundamentar seus votos, são livres na valoração das provas.

Com efeito, não é possível questionar a interpretação dada aos acontecimentos pelo Conselho de Sentença, salvo quando ausente elemento probatório que a corrobore. Em resumo, a doutrina e a jurisprudência recomendam o respeito à competência do Tribunal do Júri para decidir entre as versões plausíveis que o conjunto contraditório da prova admita.

Portanto, conforme a doutrina, o "ideal é anular o julgamento, em juízo rescisório, determinando a realização de outro, quando efetivamente o Conselho de Sentença equivocou-se, adotando tese integralmente incompatível com as provas dos autos. Não cabe anulação quando os jurados optam por umas das correntes de interpretação da prova possíveis de surgir".

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