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STJ - Terceira Seção

REsp 1.953.607-SC

Recurso Especial

Paradigma

Relator: Ribeiro Dantas

Julgamento: 14/09/2022

Publicação: 19/09/2022

STJ - Terceira Seção

REsp 1.953.607-SC

Tese Jurídica Simplificada

Apesar de não ser admitida, em regra, a Remição Ficta, é possível considerar o período de restrições sanitárias em função da Pandemia de Covid-19 como período efetivo de estudo ou trabalho para fins de Remição da pena. 

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Nossos Comentários

Remição

Remição de pena é um benefício previsto na Lei de Execuções Penais como uma forma de premiar o preso que trabalha ou estuda e que, por isso, demonstra que tem maiores de inserir-se no convívio social. Existem duas formas de remição:

  • Remição por trabalho
  • Remição por estudo

Na remição por trabalho, aquela pessoa que trabalha por 3 dias tem "abonado" 1 dia de pena.

Na remição por estudo, a pessoa, se comprovar, poderá remir um dia de pena a cada 12 horas de frequência escolar. 

Art. 126.  O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.      

§ 1º  A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:     

I - 1 dia de pena a cada 12 horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 dias;           

II - 1 dia de pena a cada 3 dias de trabalho.  

Remição Ficta

Surgiu uma tese, no âmbito da defesa criminal, advogando pela necessidade de se considerarem remidos os dias do apenado não efetivamente trabalhados, desde que:

- Haja comprovação de que o apenado quer trabalhar/estudar e tentou pleitear na unidade

- Haja negativa por parte da unidade, seja por falta de vagas suficientes para suprir a demanda por trabalho/estudo, seja por simplesmente inexistir demanda na unidade, ou até pela mera recusa injustificada.

E a tese defensiva faz muito sentido! Vamos analisar com calma. 

Podemos dizer que, pela LEP, o trabalho do preso é um direito e um dever ao mesmo tempo. 

Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.

Trabalho como Direito: O trabalho possibilita que o apenado se reintegre na sociedade, ao inserí-lo na cadeia produtiva e revalorizar sua boa conduta social. Cumpre também o papel de garantidor da intranscendência da pena, pois trabalhando evita que sua família sofra consequências financeiras graves em decorrência de seu encarceramento. Além disso, o trabalho do preso facilita a futura inserção do egresso no mercado de trabalho, atuando como fator de prevenção à reincidência.

Art. 41 - Constituem direitos do preso:

(...)

II - atribuição de trabalho e sua remuneração;

Trabalho como Dever: Por outro lado, o trabalho do preso é um dever social, sendo que a recusa em exercê-lo configura falta grave, nos termos do artigo 50, VI da LEP. 

Art. 39. Constituem deveres do condenado:

(...)

V - execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas;

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:

(...)

VI - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei.

O estudo, por outro lado, é visto como um direito do preso, não um dever. 

Art. 41 - Constituem direitos do preso:

(...)

VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;

A defesa criminal, em consonância com boa parte da doutrina, entende ser desproporcional que um preso que quer e pode trabalhar ou estudar seja impedido por falta de vaga do sistema carcerário, e esse fato não tenha quaisquer consequências, nem para a unidade carcerária, nem para o apenado. Por isso, para eles, seria justo que nessas situações haja a Remição Ficta. 

Os tribunais concordam com a remição ficta? Em regra, NÃO. A tese da remição ficta sempre foi rejeitada pelos tribunais, sob o argumento de que não há previsão legal para a concessão desse benefício a quem não efetivamente trabalhou ou estudou. 

No entanto, nesse julgado, foi aberta uma única exceção. Foi considerado remido o período em que o preso, que se habilitou a trabalhar ou estudar, não conseguiu efetivamente realizar essas atividades em razão das medidas sanitárias para contenção do espalhamento do Coronavírus. 

Tese Jurídica Oficial

Nada obstante a interpretação restritiva que deve ser conferida ao art. 126, §4º, da LEP, os princípios da individualização da pena, da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da fraternidade, ao lado da teoria da derrotabilidade da norma e da situação excepcionalíssima da pandemia de Covid-19, impõem o cômputo do período de restrições sanitárias como de efetivo estudo ou trabalho em favor dos presos que já estavam trabalhando ou estudando e se viram impossibilitados de continuar seus afazeres unicamente em razão do estado pandêmico.

Resumo Oficial

A controvérsia consiste em definir a possibilidade ou não de concessão de remição ficta, com extensão do alcance da norma prevista no art. 126, §4º, da Lei de Execução Penal, aos apenados impossibilitados de trabalhar ou estudar em razão da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus.

O STJ entende que a ausência de previsão legal específica impossibilita a concessão de remição da pena pelo simples fato de o Estado não propiciar meios necessários para o labor ou a educação de todos os custodiados. Entende-se, portanto, que a omissão estatal não pode implicar remição ficta da pena, haja vista a ratio do referido benefício, que é encurtar o tempo de pena mediante a efetiva dedicação do preso a atividades lícitas e favoráveis à sua reinserção social e ao seu progresso educativo.

Contudo, em que pese tal entendimento, ele não se aplica à hipótese excepcionalíssima da pandemia de Covid-19 por várias razões (distinguishing). A jurisprudência mencionada foi construída para um estado normal das coisas, não para uma pandemia.

O art. 3º da Lei 7.210/1984 estabelece que, "ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei". Em outros termos, ressalvadas as restrições decorrentes da sentença penal e os efeitos da condenação, o condenado mantém todos os direitos que lhe assistiam antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.

Por sua vez, a doutrina estabelece que a "Derrotabilidade é o ato pelo qual uma norma jurídica deixa de ser aplicada, mesmo presentes todas as condições de sua aplicabilidade, de modo a prevalecer a justiça material no caso concreto".

Nessa linha, negar aos presos que já trabalhavam ou estudavam antes da pandemia de Covid-19 o direito de continuar a remitir sua pena se revela medida injusta, pois: (a) desconsidera o seu pertencimento à sociedade em geral, que padeceu, mas também se viu compensada com algumas medidas jurídicas favoráveis, o que afrontaria o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF/1988), da isonomia (art. 5º, caput, da CF/1988) e da fraternidade (art. 1º, II e III, 3º, I e III, da CF/1988); (b) exige que o legislador tivesse previsto a pandemia como forma de continuar a remição, o que é desnecessário ante o instituto da derrotabilidade da lei.

Note-se, assim, que não se está a conferir uma espécie de remição ficta pura e simplesmente ante a impossibilidade material de trabalhar ou estudar. O benefício não deve ser direcionado a todo e qualquer preso que não pôde trabalhar ou estudar durante a pandemia, mas tão somente àqueles que, já estavam trabalhando ou estudando e, em razão da Covid, viram-se impossibilitados de continuar com suas atividades.

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