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STJ - Segunda Seção

REsp 1.846.123-SP

Recurso Especial

Repetitivo

Relator: Luis Felipe Salomão

Julgamento: 22/06/2022

Publicação: 27/06/2022

STJ - Segunda Seção

REsp 1.846.123-SP

Tese Jurídica Simplificada

A operadora de plano de saúde, ao rescindir unilateralmente o plano de saúde coletivo, não pode interromper o tratamento de beneficiário internado ou em tratamento médico, cabendo ao beneficiário o pagamento do valor do plano individual. 

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Nossos Comentários

Caso

Uma mulher ajuizou ação contra seu plano de saúde alegando que o cancelamento unilateral do seguro saúde coletivo empresarial foi abusivo, porque estava em tratamento médico de câncer de mama. Em razão do cancelamento, postulou a transferência para o plano individual, com a mesma cobertura do plano coletivo. 

O juiz em primeira instância julgou procedente a pretensão da autora. A operadora do plano de saúde apelou. O TJ/SP negou provimento à apelação, considerando que a autora estava em tratamento de doença grave e manteve a condenação da ré. 

Ainda assim, a operadora ingressou com REsp. com fundamento nas alíneas a e c do art. 105, III, da CF/88, além de divergência jurisprudencial e violação do art.13 da Lei nº 9.656/98:

Art. 13.  Os contratos de produtos de que tratam o inciso I e o §1º do art. 1 º desta Lei têm renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação.  

Argumentou que após a notificação prévia, a apólice coletiva de seguro poderia ser cancelada unilateralmente, ainda que o segurado estivesse em tratamento médico. A operadora não teria o dever de migrá-lo para o plano individual. 

O tema foi afetado como REsp repetitivo para debater a questão: é possível rescisão unilateral de contrato de plano de saúde coletivo pela operadora enquanto o beneficiário estiver em tratamento médico? 

Lei nº 9.656/98 (Regulamenta Planos de Saúde) 

Rescisão do plano de saúde individual x coletivo

De acordo com o art.13, parágrafo único, II e III da referida lei:

Art. 13

Parágrafo único.  Os produtos de que trata o caput, contratados individualmente, terão vigência mínima de um ano, sendo vedadas:

II - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o qüinquagésimo dia de inadimplência; e

III - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, em qualquer hipótese, durante a ocorrência de internação do titular.

Conforme a disposição legal, é proibida a suspensão de cobertura ou rescisão unilateral imotivada pela operadora de plano de saúde privado individual ou familiar.  A única exceção para a suspensão ou rescisão é a inadimplência ou fraude, entretanto, se o titular ou dependente estiver internado ou realizando tratamento médico que garanta sua sobrevivência, também não será possível a rescisão.

No caso do plano coletivo (com mais de 30 beneficiários), a suspensão ou rescisão unilateral do contrato poderá acontecer desde que obedecidos os requisitos do art.17 da Resolução Normativa DC/ANS nº 195/2009:

Art. 17. As condições de rescisão do contrato ou de suspensão de cobertura, nos planos privados de assistência à saúde coletivos por adesão ou empresarial, devem também constar do contrato celebrado entre as partes.

Parágrafo único. Os contratos de planos privados de assistência à saúde coletivos por adesão ou empresarial somente poderão ser rescindidos imotivadamente após a vigência do período de doze meses e mediante prévia notificação da outra parte com antecedência mínima de sessenta dias.

Assim, será possível a rescisão nas seguintes hipóteses:

  1. Existência de cláusula contratual prevendo a possibilidade de rescisão unilateral para ambas as partes;
  2. Decurso de 12 meses de vigência do pacto;
  3. Notificação da outra parte com antecedência mínima de 60 dias.

Julgamento

Segundo entendimento da Segunda Seção do STJ, ainda que a impossibilidade de rescindir unilateralmente o contrato de plano de saúde de beneficiário internado ou em tratamento médico seja previsão exclusiva da lei para planos individuais, deverá ser aplicada também aos planos coletivos. 

Isso em decorrência da aplicação teleológica (finalidade) dos art. 8º, §3º, b e art. 35-C, I e II da Lei nº 9.656/98 e art.16 da Resolução Normativa DC/ANS nº 465/2021.

Art.8º

§3º As operadoras privadas de assistência à saúde poderão voluntariamente requerer autorização para encerramento de suas atividades, observando os seguintes requisitos, independentemente de outros que venham a ser determinados pela ANS:

b) garantia da continuidade da prestação de serviços dos beneficiários internados ou em tratamento;

Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:

 I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;

II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional;

Art. 16. No caso de procedimentos sequenciais e/ou contínuos, tais como quimioterapia, radioterapia, hemodiálise e diálise peritoneal, a operadora deve assegurar a continuidade do tratamento conforme prescrição do profissional assistente e justificativa clínica, não cabendo nova contagem ou recontagem dos prazos de atendimento estabelecidos pela Resolução Normativa nº 259, de 17 de
junho de 2011.

Ou seja, se há obrigatoriedade de manutenção do tratamento de saúde ou internação no caso de o plano de saúde encerrar suas atividades, mais razão há para a manutenção no caso de mera rescisão contratual do plano coletivo. Ademais é obrigatória a cobertura em casos de urgência e emergência e a continuidade da prestação em caso de tratamentos de saúde contínuos. 

A Corte também entendeu que a interpretação favorável ao beneficiário é respaldada nos princípios da boa-fé objetiva, segurança jurídica, função social do contrato e dignidade da pessoa humana. 

Trata-se de situação na qual o direito à rescisão unilateral do contrato não pode ser valor superior à preservação da saúde e da vida do usuário que esteja em situação de vulnerabilidade. 

Assim, a operadora deve transferir o usuário para o plano de saúde na modalidade individual ou familiar, observada a compatibildiade da cobertura assistencial e a portabilidade de carências, desde que o consumidor pague o valor do plano e a operadora comercialize esta modalidade de plano.

Portabilidade de carências 

A portabilidade é a possibilidade de contratar um plano de saúde, da mesma operadora ou de uma operadora diferente. A carência é um prazo pré-estabelecido por contrato, em que alguns benefícios do plano de saúde não podem ser usados. Assim, a portabilidade de carências é a possibilidade de dispensa da carência já cumprida no plano de origem.

De acordo com o art.8º da Resolução Normativa DC/ANS n. 438/2018:

Art. 8º A portabilidade de carências poderá ser exercida em decorrência da extinção do vínculo de beneficiário e deverá ser requerida no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data da ciência pelo beneficiário da extinção do seu vínculo com a operadora, não se aplicando os requisitos de vínculo ativo, de prazo de permanência, e de compatibilidade por faixa de preço previstos, respectivamente, nos incisos I, III e V do caput do artigo 3º desta Resolução [...].

Ou seja, é possível a portabilidade de carências após a extinção do vínculo se requerida em 60 dias a contar da ciência da extinção do vínculo pelo beneficiário. Além disso não se aplicam os requisitos de:

  • Prazo de permanência: período ininterrupto em que o beneficiário deveria ficar vinculado ao plano de origem para poder realizar a portabilidade de carência; ou
  • Compatibilidade de faixa de preço. 

No caso de operadoras de plano coletivo que não comercializem planos individuais, a operadora é responsável por comunicar ao beneficiário:

  • A decisão de rescindir o plano coletivo;
  • Que não comercializa o plano inidividual, mas que o beneficiário tem direito à portabilidade;
  • O valor da mensalidade do plano de origem por beneficiário;
  • Início e fim da contagem do prazo de 60 dias para requerimento da portabilidade. 

Assim, no caso de a operadora não possuir a modalidade individual do plano de saúde, não fica obrigada a fornecer o tratamento ou internação ao beneficiário, mas deve comunicá-lo da situação e oferecer a portabilidade de carência, conforme acima descrito. 

Uma outra forma de a operadora se exonerar do custeio do usuário em tratamento ou internação iniciados antes do cancelamento do plano coletivo, seria no caso de o empregador ter contratado novo plano com outra operadora. É uma forma de o empregador proteger seus empregados, de modo que eles não precisem realizar os trâmites da portabilidade ou da migração para os planos individuais de custos maiores. 

Em resumo: a operadora de plano de saúde, ao rescindir unilateralmente o plano de saúde coletivo, não pode interromper o tratamento de beneficiário internado ou em tratamento médico, cabendo ao beneficiário o pagamento do valor do plano individual.

Tese Jurídica Oficial

A operadora, mesmo após o exercício regular do direito à rescisão unilateral de plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta, desde que o titular arque integralmente com a contraprestação devida.

Resumo Oficial

A questão jurídica a ser dirimida cinge-se a definir a possibilidade ou não de cancelamento unilateral - por iniciativa da operadora - de contrato de plano de saúde (ou seguro saúde) coletivo enquanto pendente tratamento médico de usuário acometido de doença grave.

Os incisos II e III do parágrafo único do artigo 13 da Lei n. 9.656/1998 são taxativos em proibir a suspensão de cobertura ou a rescisão unilateral imotivada - por iniciativa da operadora - do plano privado de assistência à saúde individual ou familiar.

De acordo com a dicção legal, apenas quando constatada fraude ou inadimplência, tal avença poderá ser rescindida ou suspensa, mas, para tanto, revelar-se-á necessário que o usuário - titular ou dependente - não se encontre internado (ou submetido a tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou da manutenção de sua incolumidade física, na linha de precedentes desta Corte).

Por sua vez, o seguro ou plano de saúde coletivo - com quantidade igual ou superior a 30 beneficiários - pode ser objeto de suspensão de cobertura ou de rescisão imotivadas (ou seja, independentemente da constatação de fraude ou do inadimplemento da contraprestação avençada), desde que observados os requisitos enumerados no artigo 17 da Resolução Normativa DC/ANS n. 195/2009: (i) existência de cláusula contratual prevendo tal faculdade para ambas as partes; (ii) decurso do prazo de doze meses da vigência do pacto; e (iii) notificação da outra parte com antecedência mínima de sessenta dias.

Conquanto seja incontroverso que a aplicação do parágrafo único do artigo 13 da Lei n. 9.656/1998 restringe-se aos seguros e planos de saúde individuais ou familiares, sobressai o entendimento de que a impossibilidade de rescisão contratual durante a internação do usuário - ou a sua submissão a tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou da manutenção de sua incolumidade física -, também alcança os pactos coletivos.

Com efeito, em havendo usuário internado ou em pleno tratamento de saúde, a operadora, mesmo após exercido o direito à rescisão unilateral do plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais até a efetiva alta médica, por força da interpretação sistemática e teleológica dos artigos 8º, § 3º, alínea "b", e 35-C, incisos I e II, da Lei n. 9.656/1998, bem como do artigo 16 da Resolução Normativa DC/ANS n. 465/2021.

A aludida interpretação também encontra amparo na boa-fé objetiva, na segurança jurídica, na função social do contrato e no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o que permite concluir que, ainda quando haja motivação idônea, a suspensão da cobertura ou a rescisão unilateral do plano de saúde não pode resultar em risco à preservação da saúde e da vida do usuário que se encontre em situação de extrema vulnerabilidade.

Nessa perspectiva, no caso de usuário internado ou submetido a tratamento garantidor de sua sobrevivência ou da manutenção de sua incolumidade física, o óbice à suspensão de cobertura ou à rescisão unilateral do plano de saúde prevalecerá independentemente do regime de sua contratação - coletivo ou individual -, devendo a operadora aguardar a efetiva alta médica para se desincumbir da obrigação de custear os cuidados assistenciais pertinentes.

Quando houver o cancelamento do plano privado coletivo de assistência à saúde, deverá ser permitido aos usuários a migração para planos individuais ou familiares, observada a compatibilidade da cobertura assistencial e a portabilidade de carências, desde que a operadora comercialize tal modalidade de contrato e o consumidor opte por se submeter às regras e aos encargos peculiares da avença (AgInt no REsp n. 1.941.254/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 11/11/2021, DJe de 18/10/2021; e REsp n. 1.471.569/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 1º/03/2016, DJe de 07/03/2016).

Por sua vez, o inciso IV do artigo 8º da Resolução Normativa DC/ANS n. 438/2018 preceitua que, em caso de rescisão do contrato coletivo por parte da operadora ou da pessoa jurídica estipulante, a portabilidade de carências "deverá ser requerida no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data da ciência pelo beneficiário da extinção do seu vínculo com a operadora", não se aplicando os requisitos de "existência de vínculo ativo com o plano de origem", de "observância do prazo de permanência" (período ininterrupto em que o beneficiário deve permanecer vinculado ao plano de origem para se tornar elegível ao exercício da portabilidade de carências) nem de "compatibilidade por faixa de preço", previstos no artigo 3º do ato normativo.

Em tal hipótese, caberá à operadora - que rescindiu unilateralmente o plano coletivo e que não comercializa plano individual - comunicar, diretamente, aos usuários sobre o direito ao exercício da portabilidade, "indicando o valor da mensalidade do plano de origem, discriminado por beneficiário", assim como o início e o fim da contagem do prazo de 60 dias (artigo 8º, § 1º, da Resolução Normativa DC/ANS n. 438/2018).

A outra situação apta a exonerar a operadora de continuar a custear os cuidados assistenciais prestados ao usuário submetido a internação ou a tratamento de saúde - iniciados antes do cancelamento do pacto coletivo -, consiste na existência de contratação de novo plano pelo empregador com outra operadora.

Deveras, consoante cediço nesta Corte, em havendo a denúncia unilateral do contrato de plano de saúde coletivo empresarial, "é recomendável ao empregador promover a pactuação de nova avença com outra operadora, evitando-se prejuízos aos seus empregados (ativos e inativos), que não precisarão se socorrer da portabilidade ou da migração a planos individuais, de custos mais elevados" (EDcl no AgInt no REsp n. 1.941.254/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 29/11/2021, DJe de 1º/12/2021; e REsp n. 1.846.502/DF, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 20/04/2021, DJe de 26/04/2021).

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