STJ - Corte Especial

APn 989-DF

Ação Penal

Relator: Nancy Andrighi

Julgamento: 16/02/2022

Publicação: 22/02/2022

STJ - Corte Especial

APn 989-DF

Tese Jurídica Simplificada

Na autolavagem, o crime de lavagem de dinheiro não é absorvido pelo crime de corrupção passiva.

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Contexto

A Corte Especial do STJ recebeu denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra 4 desembargadores do TRT-1, no Rio de Janeiro, pelos crimes de corrupção ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Inicialmente, o MPF ofereceu denúncia contra 18 indiciados pela prática de diversos crimes, principalmente contra a Administração Pública, envolvendo, entre outras pessoas, o governador do Rio de Janeiro, desembargadores do TRT-1, juízes do trabalho e advogados. Contudo, por determinação de desmembramento do processo, apenas as investigações contra os 4 desembargadores continuaram no STJ, por serem detentores de foro por prerrogativa de função.

O desembargador Marcos Pinto da Cruz teria sido o chefe da organização criminosa instalada no TRT-1. O magistrado ofereceu propina a Edmar Santos e a Wilson Witzel a fim de integrar um esquema que buscava incluir organizações sociais (OSs) que prestavam serviços de saúde no Plano Especial de Execução da Justiça do Trabalho. Havia pagamento de propina em troca de decisões que beneficiariam as organizações incluídas nesse plano.

Lavagem de capitais e corrupção passiva

O crime de lavagem de dinheiro consiste na conduta de ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores, provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Já a corrupção passiva é a conduta do funcionário público que solicita ou recebe, para si ou para outrem, vantagem indevida, em razão da sua função, ou aceita promessa – é semelhante à concussão, mas esta utiliza o verbo “exigir”.

A defesa de Marcos Pinto da Cruz sustenta a atipicidade da conduta de lavagem de capitais, pela ausência do requisito obrigatório da autonomia entre a corrupção passiva e a lavagem de dinheiro, havendo, quando muito, a consunção do segundo delito pelo primeiro.

A consunção ocorre quando há absorção de um crime por outro. É quando um crime é praticado como uma fase ou etapa de outro crime, ou seja, o primeiro crime serve como meio necessário ou como fase de preparação ou execução de outro crime. Assim, a defesa argumenta que o crime de lavagem de dinheiro seria só um meio para a prática de corrupção passiva, não havendo autonomia entre os dois crimes, pois um absorve o outro.

Houve consunção?

No entendimento do STJ, quando o agente pratica, em atos autônomos, corrupção passiva e condutas que confiram legalidade aos recursos desviados, deve também responder pelo delito de lavagem de capitais. Assim, nesse caso, não há consunção entre os dois crimes.

Embora o tipo penal previsto no art. 317 do CP (corrupção passiva) preveja a possibilidade do recebimento da vantagem indevida de forma indireta, quando o agente pratica conduta dissimulada que lhe permita não apenas a posse do recurso ilícito, mas também sirva para dar aparência de licitude à conduta, deve responder pelo crime de lavagem de dinheiro.

Isso porque o agente não pode praticar novas infrações penais, lesando outros bens jurídicos, a pretexto de não ser punido pelo crime anterior ou com o objetivo de tornar seguro o produto desse crime.

Embora a tipificação da lavagem de capitais dependa da existência de crime antecedente, é possível a autolavagem. A autolavagem é a imputação simultânea, ao mesmo réu, do delito antecedente e do crime de lavagem, desde que demonstrados atos diversos e autônomos daquele que compõe a realização do primeiro crime, circunstância em que não ocorrerá o fenômeno da consunção.

A autolavagem não está prevista na legislação penal brasileira, mas foi admitida pelo STF na Ação Penal 470 (caso Mensalão). Também no STJ, a Corte Especial aplicou esse entendimento na Apn 856.

Assim, se for confirmado que o denunciado praticou atos a fim de conferir legalidade aos recursos desviados, estará configurado o crime de lavagem de capitais.

Em resumo, na autolavagem, o crime de lavagem de dinheiro não é absorvido pelo crime de corrupção passiva.

Tese Jurídica Oficial

Na autolavagem não ocorre a consunção entre a corrupção passiva e a lavagem de dinheiro.

Resumo Oficial

O crime de lavagem de capitais tipifica exatamente a conduta de ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Nota-se que não há falar em ausência de autonomia entre a corrupção passiva e a lavagem de dinheiro, com a consunção do segundo delito pelo primeiro. Isso porque não é possível ao agente, a pretexto de não ser punido pelo crime anterior ou com o fim de tornar seguro o seu produto, praticar novas infrações penais, lesando outros bens jurídicos.

Em verdade, a excludente de culpabilidade demonstra-se totalmente incompatível com o delito de lavagem de dinheiro, uma vez que este não se destina à proteção de bens jurídicos, mas sim, entre outras finalidades, a assegurar o próprio proveito econômico obtido com a prática do crime antecedente.

Em outras palavras, embora o tipo penal constante no art. 317 do CP preveja a possibilidade do recebimento da vantagem indevida de forma indireta, quando o agente pratica conduta dissimulada que lhe permita não apenas a posse do recurso ilícito, mas também sirva para conferir-lhe aura de legalidade, imprimindo-lhe feição de licitude, deve responder pelo crime de lavagem de dinheiro.

Embora a tipificação da lavagem de capitais dependa da existência de um crime antecedente, é possível a autolavagem, isto é, a imputação simultânea, ao mesmo réu, do delito antecedente e do crime de lavagem, desde que sejam demonstrados atos diversos e autônomos daquele que compõe a realização do primeiro crime, circunstância em que não ocorrerá o fenômeno da consunção.

Com efeito, a autolavagem (self laundering/autolavado) merece reprimenda estatal, na medida em que o autor do crime antecedente, já com a posse do proveito do crime, poderia simplesmente utilizar-se dos bens e valores à sua disposição, mas reinicia a prática de uma série de condutas típicas, a imprimir a aparência de licitude do recurso obtido com a prática da infração penal anterior.

Dessa forma, se for confirmado, a partir do devido processo legal e da consequente disposição de todos os meios de prova ao alvitre das partes, notoriamente o contraditório e a ampla defesa, que o denunciado enfunou ares de legalidade ao dinheiro recebido e transferido, estará configurado o crime de lavagem de capitais.

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