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STF - Plenário

RE 635.659-SP

Recurso Extraordinário

Relator: Gilmar Mendes

Julgamento: 26/06/2024

STF - Plenário

RE 635.659-SP

Tese Jurídica Simplificada

1ª Tese. Não configura infração penal a prática das condutas de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo — para consumo pessoal — a substância cannabis sativa (maconha).

2ª Tese. A ausência de natureza penal não impede que se reconheça a conduta como um ilícito extrapenal, aplicadas as sanções administrativas cabíveis em procedimento não penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, até regulamentação do CNJ sobre a matéria.

3ª Tese. Até que a matéria seja regulamentada, presume-se usuário, como regra geral, quem adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas fêmeas.

4ª Tese. O padrão estipulado na 3ª Tese é apenas uma presunção relativa, ou seja, pode ser afastada no caso concreto.

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Nossos Comentários

Caso concreto 

O caso que originou a afetação do Tema de Repercussão Geral nº 506 é o seguinte: um preso foi flagrado com 3 gramas de maconha dentro de um presídio em São Paulo. 

A defesa pretendia a absolvição do preso por atipicidade da conduta alegando que o porte da droga era única e exclusivamente para uso pessoal. 

Ocorre que, no Brasil, a Lei 11.343/06 criminaliza o uso pessoal de drogas, embora não preveja pena privativa de liberdade:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Para que houvesse a absolvição, a defesa pediu também a declaração de inconstitucionalidade desse dispositivo legal. 

O STF concordou com a defesa?

Em parte, sim, embora o artigo 28 da Lei de Drogas não tenha sido declarado inconstitucional, tendo havido apenas uma determinação específica de interpretação do dispositivo. O julgamento foi focado apenas no porte e uso pessoal da maconha e não em outras drogas. 

Vejamos.

O Plenário, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário da defesa para: 

  1. declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 28 da Lei nº 11.343/2006, de modo a afastar todo e qualquer efeito de natureza penal, ficando mantidas as medidas ali previstas, no que couber, até o advento de legislação específica;
  2. absolver o acusado, no caso concreto, por atipicidade da conduta;

Do inteiro teor do julgamento, vemos que o Supremo fixou diversas teses. Vamos a cada uma delas. 

1ª Tese. Não configura infração penal a prática das condutas de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo — para consumo pessoal — a substância cannabis sativa (maconha).

Para o Plenário do Supremo, em relação à maconha, a criminalização para uso próprio acaba violando a proporcionalidade, pois lesa a esfera pessoal dos usuários e produz crescente estimagtização, tirando o foco dos principais objetivos relacionados à prevenção e redução de danos relacionados ao uso da droga.

Segundo o Plenário, a ilicitude penal do porte de maconha para consumo próprio não é compatível com a CF/88.  

2ª Tese. A ausência de natureza penal não impede que se reconheça a conduta como um ilícito extrapenal, aplicadas as sanções administrativas cabíveis em procedimento não penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, até regulamentação do CNJ sobre a matéria.

A ausência de natureza penal não impede que se reconheça a conduta como um ilícito extrapenal (administrativo, por exemplo), sendo cabível a apreensão da maconha e a aplicação das sanções administrativas de advertência sobre os efeitos da droga e de medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (Lei nº 11.343/2006, art. 28, I e III).  

As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta. 

Além disso, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. 

Até que o CNJ delibere sobre a matéria, a competência para o procedimento será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença. 

3ª Tese. Até que a matéria seja regulamentada, presume-se usuário, como regra geral, quem adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas fêmeas. 

Nesse ponto, o Plenário considerou necessária a definição de uma quantidade como parâmetro orientador para diferenciar o usuário do traficante de maconha para afastar interpretações desiguais, discriminação e outras injustiças.

Assim, presume-se usuário quem é flagrado com até 40 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas. 

Destaca-se que, conforme matéria do G1, é a planta fêmea que é responsável por produzir flores ricas em canabidioides.  

4ª Tese. O padrão estipulado na 3ª Tese é apenas uma presunção relativa, ou seja, pode ser afastada no caso concreto. 

O parâmetro estipulado é provisório, até que seja editada regulamentação própria, e não é absoluto, trata-se de presunção relativa. 

Isso significa que é possível afastar essa presunção no caso concreto quando se verificar a traficância. 

Portanto, a autoridade policial e seus agentes não estão impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficante. 

Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia expor, no auto de prisão em flagrante, justificativa detalhada para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários.

Ademais, na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada pelo Supremo, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio. 

A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados também não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário.

Em resumo, esses parâmetros delimitados pelo Supremo não são uma regra absoluta.

Tese Jurídica Oficial

1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III); 2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; 3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença; 4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006 , será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito; 5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes; 6. Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários; 7. Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio; 8. A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário.”

Resumo Oficial

Não configura infração penal a prática das condutas de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo — para consumo pessoal — a substância cannabis sativa (maconha).

A criminalização das aludidas condutas, relacionadas ao porte de maconha para o uso próprio (Lei nº 11.343/2006, art. 28), afronta o postulado da proporcionalidade, pois (i) versa sobre lesividade que se restringe à esfera pessoal dos usuários; e (ii) produz crescente estigmatização, ofuscando os principais objetivos do Sistema Nacional de Políticas de Drogas, quais sejam, a política de redução de danos e a prevenção do uso abusivo de drogas. Nesse contexto, o foco da política de drogas deve ser o campo da saúde pública, até porque considerar essas condutas infração penal resulta em clara incongruência no sistema.

A ausência da natureza penal não impede, entretanto, o reconhecimento da ilicitude extrapenal das condutas especificadas, razão pela qual é cabível a apreensão da maconha e a aplicação das sanções administrativas de advertência sobre os efeitos da droga e de medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (Lei nº 11.343/2006, art. 28, I e III). Ademais, a incidência de quaisquer das sanções anteriormente referidas deve ocorrer sem a atribuição de efeitos criminais como, por exemplo, a reincidência.

Até que sobrevenha legislação a respeito, presume-se usuário, como regra geral, quem adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas fêmeas.

O STF considerou necessária a definição de uma quantidade como parâmetro orientador para diferenciar o usuário do traficante de maconha, com o objetivo de afastar interpretações desiguais, discriminação irrazoável de grupos sociais vulneráveis, discricionariedades de policiais, membros do Ministério Público e do Poder Judiciário, caracterizadoras de injustiças, bem assim de proteger os direitos fundamentais de pessoas que são encarceradas, sobretudo, pela má distinção entre tráfico e uso. O parâmetro estipulado é provisório, até a superveniência da regulamentação própria, e não é absoluto. Para o afastamento da presunção relativa de que se cuida de conduta relacionada ao consumo da pessoa ou voltada à traficância, é preciso cumprir o estabelecido na tese fixada neste julgamento.

Enquanto não houver regulamentação quanto à competência para julgar as condutas em debate, o respectivo procedimento, segundo a sistemática atual, tramitará nos juizados especiais criminais, vedada a atribuição de efeitos criminais ou de qualquer natureza penal, e devidamente atendidos os demais critérios estipulados por esta Corte.

Ressalta-se que a decisão colegiada se restringe à cannabis sativa, substância objeto de análise no caso concreto, e não abarca as demais drogas, haja vista as particularidades de cada espécie de substância entorpecente.

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 506 da repercussão geral (vide Informativos 795 e 798), deu provimento ao recurso extraordinário para (i) declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 28 da Lei nº 11.343/2006, de modo a afastar todo e qualquer efeito de natureza penal, ficando mantidas as medidas ali previstas, no que couber, até o advento de legislação específica; e (ii) absolver o acusado por atipicidade da conduta. Igualmente em votação majoritária, foram fixadas as teses anteriormente citadas.

O Tribunal deliberou, ainda, as seguintes providências: (i) determinar ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em articulação direta com o Ministério da Saúde, Anvisa, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Tribunais e Conselho Nacional do Ministério Público, a adoção de medidas para permitir (a) o cumprimento da presente decisão pelos juízes, com aplicação das sanções previstas nos incisos I e III do art. 28 da Lei nº 11.343/2006, em procedimento de natureza não penal; (b) a criação de protocolo próprio para realização de audiências envolvendo usuários dependentes, com encaminhamento do indivíduo vulnerável aos órgãos da rede pública de saúde capacitados a avaliar a gravidade da situação e oferecer tratamento especializado, como os Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPS AD); (ii) fazer um apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para que adotem medidas administrativas e legislativas para aprimorar as políticas públicas de tratamento ao dependente, deslocando o enfoque da atuação estatal do regime puramente repressivo para um modelo multidisciplinar que reconheça a interdependência das atividades de (a) prevenção ao uso de drogas; (b) atenção especializada e reinserção social de dependentes; e (c) repressão da produção não autorizada e do tráfico de drogas; (iii) conclamar os Poderes a avançarem no tema, estabelecendo uma política focada não na estigmatização, mas (a) no engajamento dos usuários, especialmente os dependentes, em um processo de autocuidado contínuo que lhes possibilite compreender os graves danos causados pelo uso de drogas; (b) na agenda de prevenção educativa, implementando programas de dissuasão ao consumo de drogas; e (c) na criação de órgãos técnicos na estrutura do Executivo, compostos por especialistas em saúde pública, com atribuição de aplicar aos usuários e dependentes as medidas previstas em lei; e (iv) para viabilizar a concretização dessa política pública — especialmente a implementação de programas de dissuasão contra o consumo de drogas e a criação de órgãos especializados no atendimento de usuários — caberá aos Poderes Executivo e Legislativo assegurar dotações orçamentárias suficientes para essa finalidade. Para isso, a União deverá liberar o saldo acumulado do Fundo Nacional Antidrogas (Funad), instituído pela Lei nº 7.560/1986 e gerido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, e se abster de contingenciar os futuros aportes no fundo, recursos que deverão ser utilizados, inclusive, para programas de esclarecimento sobre os malefícios do uso de drogas.

Por fim, a Corte determinou que o CNJ, com a participação das defensorias públicas, realize mutirões carcerários para apurar e corrigir prisões decretadas em desacordo com os parâmetros fixados neste julgamento.

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1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III); 2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; 3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença; 4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006 , será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito; 5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes; 6. Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários; 7. Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio; 8. A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário.

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