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STF - Plenário

ARE 1.309.642-SP

Recurso Extraordinário com Agravo

Paradigma

Relator: Luís Roberto Barroso

Julgamento: 01/02/2024

STF - Plenário

ARE 1.309.642-SP

Tese Jurídica Simplificada

O regime obrigatório de separação de bens nos casamentos e nas uniões estáveis que envolvam pessoas maiores de 70 anos pode ser alterado pelos interessados, sendo possível afastar o artigo 1.641, II, do Código Civil, desde que por escritura pública firmada em cartório. 

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Contexto

O caso concreto envolve a divisão da herança de um homem que faleceu deixando filhos e uma companheira com quem ele estabeleceu união estável após os 70 anos. 

Conforme artigo 1.624, II do Código Civil, para pessoa maior de 70 anos que decide se casar, o regime de bens obrigatório é o da separação total. 

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: […]

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

O regime da separação total de bens determina que cada uma das partes tem direito a propriedade exclusiva de bens constituídos e adquiridos antes do casamento (ou da união estável) e também durante a sociedade conjugal. 

Em tese, nesse caso, a norma busca proteger o idoso da união motivada por mero interesse em seu patrimônio. 

Contudo, há diversos juristas (doutrinadores e juízes) que consideram a inconstitucionalidade do dispositivo, pois entendem que impedir que o idoso escolha o regime de bens do próprio casamento configura grave violência à dignidade da pessoa humana. 

No caso concreto, esse foi o entendimento do juiz. O homem casado maior de 70 anos faleceu e, a princípio, a herança não seria dividida com a companheira viúva. 

De início, o juiz considerou inconstitucional a disposição legal que exige a separação obrigatória de bens entre o falecido e sua companheira, entendendo que a herança deveria ser dividida entre ela e os filhos. 

Contudo, em um recurso contra essa decisão, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo excluiu a companheira do inventário do falecido, aplicando a regra do Código Civil que obriga a separação de bens em casos de casamento envolvendo pessoa maior de 70 anos.

A controvérsia chegou ao STF em recurso interposto pela viúva. 

Julgamento

Segundo o STF, o regime obrigatório de separação de bens nos casamentos e nas uniões estáveis que envolvam pessoas maiores de 70 anos pode ser alterado pelos interessados, sendo possível afastar o artigo 1.641, II, do Código Civil desde que por escritura pública firmada em cartório. 

Segundo o STF, a exigência de separação obrigatória de bens em casamentos ou uniões estáveis com pessoas maiores de 70 anos impede que indivíduos capazes determinem o regime de casamento mais adequado, o que configura discriminação por idade, proibida pelo artigo 3º, IV, da CF/88: 

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Nesse sentido, o regime de separação de bens não deve ser obrigatório em casamentos ou uniões estáveis com indivíduos maiores de 70 anos.

O STF ainda estabeleceu que, para pessoas acima de 70 anos que já estejam casadas ou em união estável o regime de bens pode ser alterado, desde que haja: 

  • Autorização judicial, no caso do casamento;
  • Manifestação em escritura pública (no caso da união estável);

Nessas hipóteses de pessoas já casadas ou em união estável, a modificação do regime produzirá efeitos patrimoniais apenas para o futuro.

Em conclusão, é importante observar que no caso concreto o STF negou provimento ao recurso da viúva e manteve a exclusão do inventário, pois não houve manifestação prévia dos interessados sobre o regime de bens, razão pela qual prevalece o artigo 1.641, II, do Código Civil.

Tese Jurídica Oficial

Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no artigo 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes mediante escritura pública.

Resumo Oficial

O regime obrigatório de separação de bens nos casamentos e nas uniões estáveis que envolvam pessoas maiores de 70 anos pode ser alterado pela vontade das partes, mediante escritura pública, firmada em cartório. Caso não se escolha outro regime, prevalecerá a regra disposta em lei (CC/2002, art. 1.641, II).

A limitação imposta pelo Código Civil, caso seja interpretada de forma absoluta, como norma cogente, importa em violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade (CF/1988, arts. 1º, III, e 5º, caput). Isso porque a pessoa maior de 70 anos é plenamente capaz para o exercício de todos os atos da vida civil e para a livre disposição de seus bens. Portanto, a utilização exclusiva da idade como fator de desequiparação, além de ferir a autonomia da vontade, por ser desarrazoada, é prática vedada pelo art. 3º, IV, da Constituição Federal de 1988.

Nesse contexto, deve-se conferir interpretação conforme a Constituição ao referido artigo do Código Civil, a fim de que o seu sentido seja de norma dispositiva, e, desse modo, prevaleça apenas à falta de convenção em sentido diverso pelas partes, em que ambas estejam de acordo. Assim, trata-se de regime legal facultativo, que pode ser afastado pela manifestação de vontade dos envolvidos e cuja alteração, quando houver, produzirá efeitos patrimoniais apenas para o futuro.

Por fim, a possibilidade de escolha do regime de bens se estende às uniões estáveis, conforme jurisprudência desta Corte.

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 1.236 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e fixou a tese anteriormente citada.

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