O caso
O Governador de Roraima propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade tendo por objeto:
- Art.113, §§3º, 3º-A, 4º, 6º, 7º, 8º e 9º da Constituição Estadual. Eles foram acrescidos pelas Emendas Constitucionais nº 41/2014 e 61/2019;
- Arts.22, parágrafo único e 24, §§1º a 6º da Lei Estadual nº 1.327/2019 (Lei de Diretrizes Orçamentárias de Roraima);
- Art.8º e Anexo da Lei Estadual nº 1.371/2020 (Lei Orçamentária Anual de Roraima para 2020).
Em resumo, essas normas estabelecem obrigação do Executivo em cumprir o orçamento impositivo advindo de emendas parlamentares individuais e coletivas, em valores superiores ao previsto nacionalmente.
Segundo o Governador, elas violariam:
- Separação de poderes;
- Modelo constitucional orçamentário;
- Competência da União para legislar sobre direito financeiro;
- Art. 2º, art.165, III e §9º, III, art.166, §§3º,9º e 12 da CF;
- Emendas à Constituição Federal nº 86/2015 e nº 100/2019.
Emendas parlamentares
As emendas são a maneira pela qual o poder legislativo pode alterar o orçamento anual para atender demandas das comunidades, influenciando na forma de gasto do dinheiro público.
A elaboração do orçamento é feita pelo Poder Executivo (Presidente, Governadores e Prefeitos) e a participação dos parlamentares nas decisões é feita por meio de emendas.
Elas podem ser de várias espécies:
- Emenda Parlamentar do relator ou de relatoria: quando o relator do projeto de lei orçamentária introduz alterações.
- Emenda Parlamentar Individual: propostas feitas por parlamentares para alteração do orçamento do governo federal. Normalmente beneficiam as bases eleitorais dos parlamentares.
- Emenda Parlamentar de Bancada: feitas pelas bancadas estaduais, por senadores e deputados do mesmo estado, independentemente do partido.
- Emenda Parlamentar de Comissão: apresentadas exclusivamente pelas comissões permanentes do Congresso sobre um eixo temático.
Emendas Constitucionais nº 86/2015 e nº 100/2019
Até 2015 não havia obrigatoriedade de o executivo concordar com as emendas parlamentares. No entanto, a partir da EC nº 86/2015 (PEC do Orçamento Impositivo), estabeleceu-se uma quota de emendas que devem ser obrigatoriamente acolhidas pelo executivo.
A EC alterou os arts. 165, 166 e 168 da CF. Dentre eles, destacam-se as modificações do art. 166, §§9º, 10º e 11:
Art. 166.
§9º As emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas no limite de 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida prevista no projeto encaminhado pelo Poder Executivo, sendo que a metade deste percentual será destinada a ações e serviços públicos de saúde.
§10. A execução do montante destinado a ações e serviços públicos de saúde previsto no § 9º, inclusive custeio, será computada para fins do cumprimento do inciso I do § 2º do art. 198, vedada a destinação para pagamento de pessoal ou encargos sociais.
§11. É obrigatória a execução orçamentária e financeira das programações a que se refere o § 9º deste artigo, em montante correspondente a 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida realizada no exercício anterior, conforme os critérios para a execução equitativa da programação definidos na lei complementar prevista no § 9º do art. 165.
(...)
Ou seja, a imposição de aprovação é no limite de 1,2% da receita prevista e metade disso destina-se a ações e serviços de saúde. A obrigação de execução, conforme o §11 do art.166 é de 1,2% da receita líquida do exercício anterior, conforme requisitos de lei complementar.
Já a EC nº 100/2019, trouxe inovações similares à EC nº 86/2015, porém no sentido de autorizar a aprovação e execução impositiva para Estados. Assim, alterou os arts. 165 e 166 da CF, sendo importante observar o §12 deste último:
Art. 166.
§12. A garantia de execução de que trata o §11 deste artigo aplica-se também às programações incluídas por todas as emendas de iniciativa de bancada de parlamentares de Estado ou do Distrito Federal, no montante de até 1% (um por cento) da receita corrente líquida realizada no exercício anterior.
Assim, no caso de emendas de iniciativa de bancada parlamentar de Estado ou DF o montante será de até 1% da receita do exercício anterior.
As Emendas do Estado de Roraima
Segundo as alterações legais das Emendas à Constituição Estadual de Roraima nº 41/2014 e nº 61/2019, a aprovação das emendas parlamentares individuais ao Projeto de Lei Orçamentária Anual deveriam ser até o limite de 2% e as emendas coletivas, até o limite de 1,5% (art. 113, §3º e §3º-A da Constituição do Estado de Roraima). Estes valores são notoriamente superiores aos valores previstos na norma nacional (CF).
Julgamento
A Corte considerou que:
- A primeira Emenda à Constituição Estadual estabelecendo o orçamento impositivo data de 2014. No plano federal tal figura foi criada apenas em 2015.
- O quadro normativo de Roraima só se completou em 2019, com a EC nº61, com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (2019) e com a Lei Orçamentária Anual para o exercício de 2020.
- A EC nº61 de abril de 2019 também foi anterior à previsão federal, pois, a previsão de emendas positivas coletivas, só foi admitida na CF com a EC nº 100 de julho de 2019.
Assim, desenhou-se um cenário no qual o legislador estadual criou um instituto de direito financeiro, inovando com relação à Constituição Federal. Seria tal situação legal?
Competência para legislar
De acordo com os arts.24, 163 e 165 da CF:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
(...)
§1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
Art. 163. Lei complementar disporá sobre:
I - finanças públicas;
Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
I - o plano plurianual;
II - as diretrizes orçamentárias;
III - os orçamentos anuais.
(...)
§9º Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual;
II - estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.
III - dispor sobre critérios para a execução equitativa, além de procedimentos que serão adotados quando houver impedimentos legais e técnicos, cumprimento de restos a pagar e limitação das programações de caráter obrigatório, para a realização do disposto nos §§ 11 e 12 do art. 166.
Pela redação constitucional, a União Federal tem competência para editar normas de direito financeiro. As normas gerais sobre elaboração de lei orçamentária anual, gestão financeira e critérios para executar programações obrigatórias (como as emendas parlamentares impositivas) devem ser reservadas à lei complementar federal.
O legislador estadual, ao criar estes dispositivos foi contrário ao disposto na lei federal. Seria possível falar em competência concorrente na ausência de normativa federal, porém, no caso, as normas estaduais dispõem contra o legislado pela Constituição, o que não é admissível.
Não é possível, também, falar em convalidação das normas estaduais após o advento das Emendas à Constituição Federal, pois inexistente a figura da constitucionalidade superveniente. E, ainda que existisse, a Constituição Federal trouxe limites diversos daqueles previstos na Constituição Estadual.
O STF considerou que as emendas parlamentares impositivas, de execução obrigatória do Executivo, subtrai relevante parcela de atribuições da Chefia do poder para planejamento e gestão pública. Também é uma exceção à regra de separação dos poderes. Por isso, a interpretação deve ser estrita e cautelosa.
Assim, em resumo:
Primeira Tese
São inconstitucionais emendas parlamentares estaduais de caráter impositivo em lei orçamentária anteriores à vigência das ECs 86/2015 e 100/2019.
Segunda Tese
Não cabe à Constituição estadual instituir a figura das programações orçamentárias impositivas fora das hipóteses previstas no regramento nacional.
O caso
O Governador de Roraima propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade tendo por objeto:
Em resumo, essas normas estabelecem obrigação do Executivo em cumprir o orçamento impositivo advindo de emendas parlamentares individuais e coletivas, em valores superiores ao previsto nacionalmente.
Segundo o Governador, elas violariam:
Emendas parlamentares
As emendas são a maneira pela qual o poder legislativo pode alterar o orçamento anual para atender demandas das comunidades, influenciando na forma de gasto do dinheiro público.
A elaboração do orçamento é feita pelo Poder Executivo (Presidente, Governadores e Prefeitos) e a participação dos parlamentares nas decisões é feita por meio de emendas.
Elas podem ser de várias espécies:
Emendas Constitucionais nº 86/2015 e nº 100/2019
Até 2015 não havia obrigatoriedade de o executivo concordar com as emendas parlamentares. No entanto, a partir da EC nº 86/2015 (PEC do Orçamento Impositivo), estabeleceu-se uma quota de emendas que devem ser obrigatoriamente acolhidas pelo executivo.
A EC alterou os arts. 165, 166 e 168 da CF. Dentre eles, destacam-se as modificações do art. 166, §§9º, 10º e 11:
Ou seja, a imposição de aprovação é no limite de 1,2% da receita prevista e metade disso destina-se a ações e serviços de saúde. A obrigação de execução, conforme o §11 do art.166 é de 1,2% da receita líquida do exercício anterior, conforme requisitos de lei complementar.
Já a EC nº 100/2019, trouxe inovações similares à EC nº 86/2015, porém no sentido de autorizar a aprovação e execução impositiva para Estados. Assim, alterou os arts. 165 e 166 da CF, sendo importante observar o §12 deste último:
Assim, no caso de emendas de iniciativa de bancada parlamentar de Estado ou DF o montante será de até 1% da receita do exercício anterior.
As Emendas do Estado de Roraima
Segundo as alterações legais das Emendas à Constituição Estadual de Roraima nº 41/2014 e nº 61/2019, a aprovação das emendas parlamentares individuais ao Projeto de Lei Orçamentária Anual deveriam ser até o limite de 2% e as emendas coletivas, até o limite de 1,5% (art. 113, §3º e §3º-A da Constituição do Estado de Roraima). Estes valores são notoriamente superiores aos valores previstos na norma nacional (CF).
Julgamento
A Corte considerou que:
Assim, desenhou-se um cenário no qual o legislador estadual criou um instituto de direito financeiro, inovando com relação à Constituição Federal. Seria tal situação legal?
Competência para legislar
De acordo com os arts.24, 163 e 165 da CF:
Pela redação constitucional, a União Federal tem competência para editar normas de direito financeiro. As normas gerais sobre elaboração de lei orçamentária anual, gestão financeira e critérios para executar programações obrigatórias (como as emendas parlamentares impositivas) devem ser reservadas à lei complementar federal.
O legislador estadual, ao criar estes dispositivos foi contrário ao disposto na lei federal. Seria possível falar em competência concorrente na ausência de normativa federal, porém, no caso, as normas estaduais dispõem contra o legislado pela Constituição, o que não é admissível.
Não é possível, também, falar em convalidação das normas estaduais após o advento das Emendas à Constituição Federal, pois inexistente a figura da constitucionalidade superveniente. E, ainda que existisse, a Constituição Federal trouxe limites diversos daqueles previstos na Constituição Estadual.
O STF considerou que as emendas parlamentares impositivas, de execução obrigatória do Executivo, subtrai relevante parcela de atribuições da Chefia do poder para planejamento e gestão pública. Também é uma exceção à regra de separação dos poderes. Por isso, a interpretação deve ser estrita e cautelosa.
Assim, em resumo:
Primeira Tese
São inconstitucionais emendas parlamentares estaduais de caráter impositivo em lei orçamentária anteriores à vigência das ECs 86/2015 e 100/2019.
Segunda Tese
Não cabe à Constituição estadual instituir a figura das programações orçamentárias impositivas fora das hipóteses previstas no regramento nacional.