Historicamente, o Brasil sempre foi filiado à chamada família da Civil Law (tradição romano-germânica), onde a lei escrita e codificada ocupa a fonte principal das normas e o juiz exerce a função clássica de "boca da lei" (la bouche de la loi, na expressão de Montesquieu). É nesse contexto que possuímos diversos Códigos (Código Civil, Penal, Tributário, de Processo). Inclusive, até mesmo nossa Constituição é escrita de forma detalhada (a clássica Constituição Analítica, segundo a doutrina). Entretanto, o Brasil vivencia, nas últimas décadas, uma transformação, com uma progressiva e acelerada aproximação ao sistema jurídico da Common Law, fenômeno marcado pela institucionalização de precedentes judiciais com força normativa vinculante, transcendendo a eficácia interpartes para atingir a sociedade como um todo.
Dessa forma, o estudo da jurisprudência, antes secundário, assumiu importância na prática e na teoria geral do direito. Com a Emenda Constitucional nº 45/2004 e, de forma definitiva, com o Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), o Brasil inaugurou uma nova abordagem. Neste cenário, as decisões das Cortes Superiores, Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ), deixaram de ser apenas orientações persuasivas para se tornarem, em hipóteses específicas, normas gerais e abstratas de observância obrigatória.
Mas o que é exatamente jurisprudência?
O termo jurisprudência, no sentido técnico clássico brasileiro, refere-se ao conjunto de decisões reiteradas dos tribunais num mesmo sentido sobre determinada matéria. Ela reflete a interpretação dominante, mas historicamente não obrigatória, que os tribunais conferem às normas jurídicas. Na tradição da Civil Law, a jurisprudência servia como uma fonte secundária, um indicativo de como o direito estava sendo aplicado, gerando uma expectativa legítima de comportamento futuro dos tribunais, mas permitindo que juízes singulares decidissem de forma diversa, desde que fundamentassem suas razões no livre convencimento motivado.
Entretanto, com o CPC/2015, a forma como lidamos com a jurisprudência mudou. O Artigo 926 do CPC impõe um dever:
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.
Esta norma transforma a jurisprudência de um mero repositório histórico de julgados em um sistema articulado de padrões decisórios que deve ser coerente. A "estabilidade" visa impedir oscilações bruscas de entendimento sem alteração legislativa ou fática; a "integridade" exige que as decisões sejam tomadas levando em conta o histórico institucional do tribunal, evitando o tratamento desigual de casos iguais; e a "coerência" demanda que não haja contradições lógicas entre as diversas decisões da corte.
A motivação para esse movimento se dá pela crise numérica de litigiosidade de massa, pela necessidade econômica de segurança jurídica e pela ineficiência dos demais poderes em regular questões complexas, como a gestão de orçamentos públicos bilionários através de teses tributárias, passando pela intervenção estrutural em políticas carcerárias, até a redefinição de direitos previdenciários de milhões de cidadãos. Para completar, no Brasil são 61 tribunais que atuam na esfera federal e 30 tribunais no âmbito estadual. Por conta dessa grande quantidade, existem decisões em vários sentidos diferentes. Assim, a jurisprudência dos tribunais superiores também tem o papel de uniformizar o entendimento de todos esses tribunais do país, trazendo maior segurança jurídica e previsibilidade às partes de um processo judicial.
Jurisprudência em concursos
Para as pessoas que atuam no Direito (sejam estudantes, concurseiros ou juristas formados), conhecer a jurisprudência dos Tribunais brasileiros significa também entender o Direito na prática. Por conta do uso recorrente no âmbito forense, a jurisprudência é sempre objeto de provas de concursos públicos inclusive no Exame da OAB. Alguns exemplos dessa cobrança:
[OAB - XXXII Exame de Ordem Unificado - 2021 ]
Caio praticou um crime de furto (Art. 155 – pena: reclusão, de 1 a 4 anos, e multa) no interior da sede da Caixa Econômica Federal, empresa pública, em Vitória (ES), ocasião em que subtraiu dinheiro e diversos bens públicos. Ao sair do estabelecimento, para assegurar a fuga, subtraiu, mediante grave ameaça, o carro da vítima, Cláudia (Art. 157 – pena: reclusão, de 4 a 10 anos, e multa). Houve perseguição policial, somente vindo Caio a ser preso na cidade de Cariacica, onde foi encontrado em seu poder um celular produto de crime anterior (Art. 180 – pena: reclusão, de 1 a 4 anos, e multa).
Considerando a conexão existente entre os crimes de furto simples, roubo simples e receptação, bem como a jurisprudência dos Tribunais Superiores, assinale a opção que indica a Vara Criminal competente para o julgamento de Caio.
a) A Justiça Estadual, em relação aos três crimes, sendo competente, territorialmente, a comarca de Vitória.
b) A Justiça Estadual, em relação aos três crimes, sendo competente, territorialmente, a comarca de Cariacica.
c) A Justiça Federal, em relação ao crime de furto, e a Vara Criminal de Vitória, da Justiça Estadual, no que tange aos crimes de roubo e receptação.
d) A Justiça Federal, em relação a todos os delitos.
[FGV - TRF 3 - Juiz Federal Substituto - 2025]
Assinale a alternativa correta:
a) Conforme o Tema 1120/STF, em respeito à separação dos poderes, prevista no art. 2º da Constituição Federal, o Poder Judiciário não pode exercer o controle de constitucionalidade em relação à interpretação do sentido e do alcance de preceitos meramente regimentais das Casas Legislativas, por se tratar de matéria interna corporis.
b) Tendo em vista o art. 114, I da Constituição Federal, a Justiça Trabalhista é competente para julgar ação ajuizada por servidor celetista contra o Poder Público Federal, mesmo em se tratando de parcela de natureza administrativa, porque se trata de pleito pertinente ao contrato regido pela CLT.
c) Por força do art. 114, I e II, da Constituição Federal, a Justiça Comum, Federal ou Estadual, é competente para julgar a abusividade de greve de servidores públicos celetistas da administração pública direta, autarquias e fundações públicas.
d) Segundo o Tema 944/STF, com fundamento no art. 1º, III, art. 3º, IV, art. 4º, II, IV e V, art. 5º, II, XXXV e LIV, e art. 133, todos da Constituição Federal, atos ilícitos praticados por Estados estrangeiros em violação a direitos humanos, dentro do território brasileiro, gozam de imunidade de jurisdição.
e) Diante da conclusão do Tema 947/STF, organismos internacionais não têm imunidade de jurisdição por não serem equiparados a Estados estrangeiros e, por isso, podem ser demandados perante a Justiça Federal.
Sendo assim, saber sobre a jurisprudência dos Tribunais é importante não só para quem estuda Direito ou atua na área, mas também para a sociedade em geral, que é diretamente afetada pelas decisões proferidas pelo Judiciário.