STJ - Terceira Turma

REsp 1.878.043-SP

Recurso Especial

Relator: Nancy Andrighi

Julgamento: 08/09/2020

Publicação: 16/09/2020

STJ - Terceira Turma

REsp 1.878.043-SP

Tese Jurídica

O trânsito em julgado de sentença de procedência do pedido de afastamento do convívio familiar não é oponível a quem exercia a guarda irregularmente e, após considerável lapso temporal, pretende ajuizar ação de guarda cuja causa de pedir seja a modificação das circunstâncias fáticas.

Resumo Oficial

As ações de guarda e de afastamento do convívio familiar veiculam pretensões ambivalentes, pois, na primeira, pretende-se exercer o direito de proteção da pessoa dos filhos (guarda sob a ótica do poder familiar) ou a proteção de quem, em situação de risco, demande cuidados especiais (guarda sob a ótica assistencial), ao passo que, na segunda, pretende o legitimado a cessação ou a modificação da guarda em razão de estar a pessoa que deve ser preservada em uma situação de risco.

Da irrelevância do nomen iuris dado às ações que envolvam a guarda do menor para fins da tutela jurisdicional pretendida se conclui que, por suas características peculiares, a guarda é indiscutivelmente modificável a qualquer tempo, bastando que exista a alteração das circunstâncias fáticas que justificaram a sua concessão, ou não, no passado.

Transitada em julgado a sentença de procedência do pedido de afastamento do convívio familiar de que resultou o acolhimento institucional da menor, quem exercia irregularmente a guarda e pretende adotá-la possui interesse jurídico para, após considerável lapso temporal, ajuizar ação de guarda cuja causa de pedir seja a modificação das circunstâncias fáticas que ensejaram o acolhimento, não lhe sendo oponível a coisa julgada que se formou na ação de afastamento.

A alternância e a volatividade, embora indesejáveis no âmbito da guarda que se pauta na constância e na segurança, são ínsitas à natureza humana e social, podendo ser causadas, inclusive, por circunstâncias fáticas alheias à vontade de quem a exercia. É por esse motivo que, em comezinha lição, a coisa julgada material, em determinadas hipóteses (como na ação de guarda, nos termos do art. 35 do ECA) sequer se forma ou, ao menos, fica sujeita à moldura fática que lhe serviu de base e à estritas limitações de natureza temporal.

Assim, a fundamentação adotada pela sentença que julgou procedente o pedido de afastamento do convívio familiar, no sentido de que seria juridicamente impossível o reconhecimento da filiação socioafetiva que tenha em sua origem uma adoção à brasileira, não impede o exame da questão na superveniente ação de guarda, pois os motivos que conduziram à procedência do pedido anterior, por mais relevantes que sejam, não fazem coisa julgada, a teor do art. 504, I, do CPC/2015.

A concepção prévia das instâncias ordinárias, no sentido de que a burla ao cadastro de adoção ou à ordem cronológica tornaria, por si só, absolutamente inviável a adoção pelos recorrentes, deve ser objeto de profunda revisitação.

A jurisprudência desta Corte, diante de uma ineludível realidade social, mas sem compactuar com a vulneração da lei, do cadastro de adotantes e da ordem cronológica, consolidou-se no sentido de que, nas ações que envolvem a filiação e a situação de menores, é imprescindível que haja o profundo, pormenorizado e casuístico exame de cada situação concretamente considerada, a fim de que, com foco naquele que deve ser o centro de todas as atenções - a criança - decida-se de acordo com os princípios do melhor interesse do menor e da proteção integral e prioritária da criança (art. 100, parágrafo único, II, do ECA), sendo imprescindível, nesse contexto, que haja a oitiva e a efetiva participação de todos os envolvidos (art. 100, parágrafo único, XII, do ECA) e a realização dos estudos psicossociais e interdisciplinares pertinentes, inclusive nas hipóteses de adoção à brasileira.

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