REsp 2.120.610-SP

STJ Primeira Turma

Recurso Especial

Relator: Regina Helena Costa

Julgamento: 04/02/2025

Publicação: 11/02/2025

Tese Jurídica

Não se extrai diretamente da Lei Kandir autorização expressa e suficiente a possibilitar a utilização de créditos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), acumulados na escrita fiscal, para compensação com valores devidos a título de ICMS por substituição tributária (ICMS-ST), razão pela qual, havendo expressa vedação a tal procedimento em lei estadual, inviável a adoção de exegese diversa.

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O cerne da controvérsia reside em definir se as disposições da Lei Complementar n. 87/1996 conferem ao sujeito passivo o direito de compensar valores devidos a título de ICMS por substituição tributária (ICMS-ST) com créditos acumulados em sua escrita fiscal, ainda que presente vedação expressa na legislação estadual.

Nos moldes do art. 155, caput, II, e § 2º, I, da Constituição Federal, compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o qual, necessariamente, deve ser não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores. Além disso, o art. 155, § 2º, XII, b e c, da Constituição Federal prescreve caber à lei complementar dispor sobre substituição tributária e, para efeito de concretizar a regra da não cumulatividade, disciplinar o regime de compensação entre créditos e débitos.

Trata-se, portanto, de um sistema de créditos que poderá ser usado como forma de liquidação do tributo mediante compensação, de modo a possibilitar que, da quantia devida a título de ICMS, sejam abatidos os créditos acumulados nas operações precedentes.

Em âmbito infraconstitucional, o regime de compensação entre créditos e débitos foi disciplinado pela Lei Complementar n. 87/1996 (Lei Kandir), notadamente pelos seus artigos 19, 20, 24 e 25. De outra parte, a sistemática de substituição tributária progressiva do ICMS submete-se a regramento distinto, valendo citar, entre outros, os artigos 6º e 8º, caput, II, e § 5º, da LC n. 87/1996.

Conquanto a dicção do art. 155, caput, II, e § 2º, I, da Constituição Federal disponha sobre a concretização da não cumulatividade do ICMS mediante compensação entre créditos e débitos, não se pode confundir tal sistemática, inerente ao cálculo do imposto, com a modalidade de extinção do crédito tributário igualmente denominada de compensação pelos artigos 156, II, e 170 do Código Tributário Nacional.

Isso porque, no primeiro caso, o vocábulo compensação diz com a forma de apuração do valor devido a título de tributo, de modo a densificar a regra da não cumulatividade e reduzir o gravame fiscal nas sucessivas operações em cascata, estando regulada, em âmbito infraconstitucional, de acordo com os regramentos previstos na LC n. 87/1996. Na segunda acepção, por sua vez, a compensação mencionada no CTN confere ao sujeito passivo, diante de reconhecido pagamento indevido, o direito de ver extinta outra obrigação principal validamente constituída se constatada a qualidade recíproca de credor e devedor entre ambos os sujeitos da relação tributária, operando-se, assim, verdadeiro "encontro de contas".

Vale ressaltar a ausência de comando constitucional restringindo a aplicação da não cumulatividade à sistemática do ICMS sobre operações próprias, exsurgindo, em consequência, a possibilidade de sua ampla e irrestrita incidência igualmente nos casos de substituição tributária progressiva - cuja instituição mediante lei encontra amparo no art. 150, § 7º, da Constituição Federal.

Não obstante, o Supremo Tribunal Federal, historicamente, vem adotando orientação diversa, legitimando restrições à concretização do princípio da não cumulatividade quando veiculadas mediante lei complementar.

Segundo o entendimento do STF, o princípio da não cumulatividade do ICMS é delineado como preceito passível de conformação pelo legislador infraconstitucional, legitimando, por um lado, restrições ao integral creditamento, e, de outra parte, limitando o emprego de créditos acumulados como forma de liquidação do tributo mediante compensação, procedimento somente permitido quando calcado em expressa autorização legal.

Embora, o amplo alcance da norma constitucional da não cumulatividade interdite restrições indevidas ao aproveitamento de créditos no regime de substituição tributária progressiva do ICMS, ainda que veiculadas por lei complementar - afinando-se, assim, à perspectiva segundo a qual a adoção legislativa de mecanismos de praticabilidade tributária não pode destoar dos demais princípios constitucionais, notadamente o da capacidade contributiva -, a jurisprudência do STF adota diretriz exegética distinta, no sentido de somente viabilizar a respectiva sistemática de compensação se presente autorização legal expressa.

Destaque-se, ainda, que, embora, ao menos em tese, seja viável aos Estados e ao Distrito Federal ampliar as formas mediante as quais autorizada a liquidação do ICMS-ST - densificando, em maior extensão, postulado de envergadura constitucional -, o tribunal de origem, de maneira expressa, ressaltou que "[...] a legislação estadual que trata da sistemática de substituição tributária veda expressamente a compensação na forma por ela pretendida".

Dessa forma, diante a intepretação efetuada pelo STF acerca do alcance da norma estampada no art. 155, § 2º, I, da Constituição Federal, e, ainda, sob o prisma eminentemente infraconstitucional, não se extrai diretamente da LC n. 87/1996 autorização expressa e suficiente a possibilitar a utilização de créditos de ICMS, acumulados em escrita fiscal, para compensação com valores devidos a título de ICMS-ST, razão pela qual, havendo expressa vedação a tal procedimento em lei estadual, inviável a adoção de exegese diversa.

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