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STJ - Quarta Turma

REsp 1.998.206-DF

Recurso Especial

Relator: Luis Felipe Salomão

Julgamento: 14/06/2022

Publicação: 20/06/2022

STJ - Quarta Turma

REsp 1.998.206-DF

Tese Jurídica Simplificada

A situação decorrente da pandemia de Covid-19 não pode ser usada como argumento para reduzir mensalidades escolares mediante a revisão judicial de contrato.

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Contexto

No recurso em questão, uma mãe pediu a redução proporcional das mensalidades escolares de seus filhos e a devolução parcial dos valores pagos durante o período de calamidade pública causado pela pandemia de Covid-19.

Segundo a autora, com o fechamento das escolas, que seria um fato superveniente, o contrato tornou-se excessivamente vantajoso para uma das partes na medida em que a escola reduziu o número de aulas contratadas e, por consequência, seus custos fixos, enquanto a mensalidade permaneceu a mesma, gerando desequilíbrio contratual.

Além disso, afirma que o formato remoto das aulas provocou o aumento dos gastos da família com tecnologia, além de ter gerado prejuízos ao processo de aprendizagem das crianças.

O juízo de origem julgou os pedidos improcedentes com base no argumento de que as escolas foram impedidas de cumprir com as obrigações contratuais em razão de decretos expedidos pelo Poder Público.

Nesse contexto, pergunta-se: a consumidora pode pedir a revisão contratual com base nos efeitos da pandemia de modo a reduzir o valor das mensalidades escolares?

Julgamento

No entendimento do STJ, a situação decorrente da pandemia de Covid-19 não constitui fato superveniente apto a viabilizar a revisão judicial de contrato de prestação de serviços educacionais com a redução proporcional do valor das mensalidades.

A doutrina concorda que as relações contratuais privadas podem sofrer revisão com base em três teorias:

Teoria da Base Objetiva do Contrato (CDC) Teoria da Imprevisão (CC) Teoria da Onerosidade Excessiva (CC)

Em regra aplicável às relações de consumo.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Embora os efeitos da pandemia revelem-se supervenientes e capazes de alterar as bases objetivas em que celebrado o contrato, não há evidências do desequilíbrio excessivo na relação jurídica que autorize a redução do valor das mensalidades.

A revisão dos contratos em razão da pandemia não consiste em decorrência lógica ou automática, pois é necessário levar em conta, principalmente, a natureza do contrato e a conduta, tanto no âmbito material como na esfera processual das partes envolvidas.

No caso, embora os serviços não tenham sido prestados da forma como inicialmente contratado, não houve falha no dever de informação ou desequilíbrio econômico financeiro imoderado para a consumidora.

O argumento de redução de condições financeiras da autora e de aumento dos gastos com serviços de tecnologia não inviabilizaram a continuidade da prestação dos serviços.

Por outro lado, a afirmação de que a escola teria diminuído seus custos, além de não ser um requisito para a revisão contratual, não se compatibiliza com os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, no contexto econômico e social que assolava o país à época.

Com base na diretriz da boa-fé, pode-se concluir que:

(i) a função do contrato não deixou de ser cumprida pelos ônus suportados pelo consumidor;

(ii) a situação da pandemia representa hipótese de fortuito externo, apto a afastar a responsabilidade da escola.

Em resumo, a situação decorrente da pandemia de Covid-19 não pode ser usada como argumento para reduzir mensalidades escolares mediante a revisão judicial de contrato.

Tese Jurídica Oficial

A situação decorrente da pandemia pela Covid-19 não constitui fato superveniente apto a viabilizar a revisão judicial de contrato de prestação de serviços educacionais com a redução proporcional do valor das mensalidades.

Resumo Oficial

A solução da controvérsia passa pela análise das regras e princípios em torno do inadimplemento contratual (ainda que parcial), sobretudo no âmbito das relações de consumo, indagando-se se, em tal cenário, se é possível ao consumidor invocar o direito subjetivo da revisão contratual diante dos efeitos advindos da pandemia da Covid-19, como fundamento para autorizar a redução proporcional do valor das mensalidades escolares.

Cabe anotar, inicialmente, que há consenso doutrinário no sentido de que as relações contratuais privadas são regidas, em linha de princípio, por três vertentes revisionistas, quais sejam a) teoria da base objetiva do contrato, aplicável, em regra às relações de consumo (art. 6º, inciso V, do CDC); b) a teoria da imprevisão (art. 317 do CC) e; c) a teoria da onerosidade excessiva (art. 478 do CC)

Para a revisão do contrato com base na teoria da imprevisão ou da onerosidade excessiva, previstas no CC, exige-se ainda que o fato (superveniente) seja imprevisível e extraordinário, e que deste fato, além do desequilíbrio econômico e financeiro, decorra situação de vantagem extrema para uma das partes, relacionando-se, portanto, à vedação do enriquecimento ilícito.

No caso da pandemia causada pelo coronavírus, dúvida não há quanto aos efeitos nefastos causados na economia mundial e nas relações privadas.

Considerando o arcabouço normativo sobre o tema, embora os efeitos decorrentes da pandemia revelem-se supervenientes e capazes de alterar as bases objetivas em que celebrado o contrato, não parece evidenciado o desequilíbrio excessivo na relação jurídica apta a autorizar a redução do valor das mensalidades.

Sobressai como ponto central a ideia de que a revisão dos contratos em razão da pandemia não consiste em decorrência lógica ou automática, devendo-se levar em conta, sobretudo, a natureza do contrato e a conduta, tanto no âmbito material como na esfera processual das partes envolvidas.

A análise do desequilíbrio econômico e financeiro deve ser realizada, portanto, com base no grau do desequilíbrio e nos ônus a serem suportados pelas partes, na específica situação de o evento superveniente não se encontrar na esfera de responsabilidade da atividade econômica do fornecedor, como ocorre no caso em análise.

Ademais, como visto, os princípios da função social dos contratos e da boa-fé, deverão ser sopesados com especial rigor, a fim de bem delimitar as hipóteses em que a onerosidade sobressai como fator de inviabilidade absoluta do negócio - situação que deve ser reequilibrada, tanto pelas como pelo Poder Judiciário - e aquelas que revelem ônus moderado ou mesmo situação de oportunismo para uma das partes.

Nesse contexto, embora os serviços não tenham sido prestados da forma como contratado, não há se falar em falha do dever de informação ou desequilíbrio econômico financeiro imoderado para a consumidora.

A mera alegação de redução de condições financeiras da recorrente, por sua vez, e o incremento dos gastos com serviços de tecnologia, não inviabilizaram a continuidade da prestação dos serviços.

A afirmação de que teria havido diminuição dos custos da escola, por outro lado, além de não se evidenciar como requisito à revisão com base na quebra da base objetiva do contrato, não é a tônica da revisão com fundamento na quebra da base objetiva do negócio, não se compatibiliza com os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, na especial conjuntura econômica e social que a todos assolava o país à época.

A diretriz da boa-fé deveria ser observada, portanto, especialmente quando os ônus suportados pelo consumidor não se revelaram desmesurados ou impeditivos do alcance da função do contrato.

É ainda a mesma diretriz responsável pela interpretação da situação da pandemia, no caso concreto, como hipótese de fortuito externo, apto a afastar a responsabilidade da escola.

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