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STJ - Terceira Seção

REsp 1.977.027-PR

Recurso Especial

Paradigma

Relator: Laurita Vaz

Julgamento: 10/08/2022

Publicação: 22/08/2022

STJ - Terceira Seção

REsp 1.977.027-PR

Tese Jurídica

É vedada a utilização de inquéritos e/ou ações penais em curso para impedir a aplicação do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.

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Nossos Comentários

Tráfico Privilegiado

O tráfico de drogas é regulado pela Lei 11.343/11, conhecida como "Lei de Drogas". O artigo 33 tipifica o crime de tráfico de drogas. O parágrafo 4º do artigo 33 traz a modalidade de tráfico privilegiado.

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

(...)

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos , desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

O tráfico privilegiado, apesar desse nome, nada mais é do que uma causa de diminuição de pena (minorante), que reduz a pena imposta ao crime do caput (tráfico) e do §1º (tráfico equiparado), caso ao agente primário que tenha bons antecedentes e não se dedique às atividades criminosas e não integre organização criminosa. 

Apesar de não ser o escopo do caso que analisamos aqui, é importantíssimo lembrar que o tráfico privilegiado não é considerado crime hediondo

Portanto, os requisitos exigidos para a incidência do privilégio no tráfico são:

  • Primariedade do agente
  • Bons antecedentes
  • Não se dedicar a atividades criminosas
  • Não integrar organização criminosa

PRIMARIEDADE DO AGENTE

O que significa o réu ser "primário" para os tribunais? Para os tribunais, primariedade é a condição alcançada por aquele réu que nunca teve contra si prolatada sentença criminal transitada em julgado. Ou seja, o réu que responde a processo criminal é primário até a condenação definitiva. 

  CUIDADO! O STJ já decidiu que atos infracionais anteriores podem afastar a minorante do tráfico privilegiado, se ficar comprovada a gravidade do ato, e se houver proximidade temporal com relação ao tráfico a que se pleiteia a minorante. (STJ. 3ª Turma. EREsp 1.916.596-SP, Rel. Min. Joel IlanPaciornik, Rel. Acd. Min. Laurita Vaz, julgado em 08/09/2021 - Info 712). O STF ainda não tem posição consolidada, sendo que a 1ª Turma já se manifestou pelo afastamento da minorante, e a 2ª Turma pela impossibilidade de afastamento. 

Voltando à primariedade do réu, como podemos perceber, esse status não pode ser afastado pelo fato de o acusado estar respondendo por outro processo, nem por ter sido condenado e o processo estar em fase de recurso. É preciso que a condenação seja definitiva, isto é, irrecorrível. 

Essa impossibilidade decorre diretamente do princípio da inocência (ou não cumpabilidade), inscrita no art. 5º, inciso LVII da CF. 

Art. 5º

(...)

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Cumpre salientar que os Tribunais já decidiram que uma vez comprovados todos esses critérios do §4º do art. 33, o privilégio se torna direito subjetivo do réu, não podendo o magistrado negá-lo de forma arbitrária. 

Resumo Oficial

A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas) constitui direito subjetivo do acusado, caso presentes os requisitos legais, não sendo possível obstar sua aplicação com base em considerações subjetivas do juiz. É vedado ao magistrado instituir outros requisitos além daqueles expressamente previstos em lei para a sua incidência, bem como deixar de aplicá-la se presentes os requisitos legais.

É uníssono nesta Corte Superior que inquéritos e ações penais em curso podem ser utilizados para avaliar, em caráter preliminar e precário, a periculosidade do agente para fins de fundamentar eventual prisão cautelar. Isso se justifica porque esta medida acauteladora não exige que se afirme inequivocamente que o Réu provisoriamente segregado é o autor do delito ou que sua liberdade indubitavelmente oferece riscos, bastando que haja, nos termos do art. 312, caput, do Código de Processo Penal, "indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado".

Diversamente das decisões cautelares, que se satisfazem com a afirmação de simples indícios, os comandos legais referentes à aplicação da pena exigem a afirmação peremptória de fatos, e não a mera expectativa ou suspeita de sua existência. Por isso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem rechaçado o emprego de inquéritos e ações penais em curso na formulação da dosimetria da pena, tendo em vista a indefinição que os caracteriza.

Isso porque, por expressa previsão inserta no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, a afirmação peremptória de que um fato criminoso ocorreu e é imputável a determinado autor, para fins técnico-penais, somente é possível quando houver o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Este raciocínio conduziu o Superior Tribunal de Justiça à edição da Súmula n. 444, segundo a qual, in verbis: "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base." De fato, a mesma ratio decidendi que orientou a edição do entendimento sumular no sentido de que inquéritos e ações penais em curso não podem ser empregados, na primeira fase da dosimetria, para agravar a pena-base, justifica a impossibilidade de que esses mesmos parâmetros sejam empregados em outras etapas da dosimetria, como na avaliação de causas de diminuição de pena.

Todos os requisitos da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 demandam uma afirmação peremptória acerca de fatos, não se prestando a existência de inquéritos e ações penais em curso a subsidiar validamente a análise de nenhum deles.

Para análise do requisito da primariedade, é necessário examinar a existência de prévia condenação penal com trânsito em julgado anterior ao fato, conforme a dicção do art. 63 do Código Penal. Já a análise do requisito dos bons antecedentes, embora também exija condenação penal com trânsito em julgado, abrange a situação dos indivíduos tecnicamente primários. Quanto à dedicação a atividades criminosas ou o pertencimento a organização criminosa, a existência de inquéritos e ações penais em curso indica apenas que há investigação ou acusação pendente de análise definitiva e cujo resultado é incerto, não sendo possível presumir que essa suspeita ou acusação ainda em discussão irá se confirmar, motivo pelo qual não pode obstar a aplicação da minorante.

Não se pode ignorar que a utilização ilegítima de inquéritos e processos sem resultado definitivo resulta em provimento de difícil reversão. No caso de posterior arquivamento, absolvição, deferimento de institutos despenalizadores, anulação, no âmbito dos referidos feitos, a defesa teria que percorrer as instâncias do Judiciário ajuizando meios de impugnação autônomos para buscar a incidência do redutor, uma correção com sensível impacto na pena final e cujo tempo necessário à sua efetivação causaria prejuízos sobretudo àqueles mais vulneráveis.

A interpretação ora conferida ao art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não confunde os conceitos de antecedentes, reincidência e dedicação a atividades criminosas. Ao contrário das duas primeiras, que exigem a existência de condenação penal definitiva, a última pode ser comprovada pelo Estado-acusador por qualquer elemento de prova idôneo, tais como escutas telefônicas, relatórios de monitoramento de atividades criminosas, documentos que comprovem contatos delitivos duradouros ou qualquer outra prova demonstrativa da dedicação habitual ao crime. O que não se pode é inferir a dedicação ao crime a partir de simples registros de inquéritos e ações penais cujo deslinde é incerto.

Não há falar em ofensa aos princípios da individualização da pena ou da igualdade material, pois o texto constitucional, ao ordenar que ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, vedou que a existência de acusação pendente de análise definitiva fosse utilizada como critério de diferenciação para fins pedagógicos.

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