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STJ - Quarta Turma

REsp 1.966.034-MG

Recurso Especial

Relator: Raul Araújo

Julgamento: 24/05/2022

Publicação: 30/05/2022

STJ - Quarta Turma

REsp 1.966.034-MG

Tese Jurídica Simplificada

A instituição que oferece plano de previdência privada está vinculada ao pagamento da quantia reiteradamente prometida ao consumidor, ainda que posteriormente se comprove a ocorrência de erro de cálculo.

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Tese Jurídica Oficial

A promessa, reiterada periodicamente, acerca do valor da prestação previdenciária deve ser honrada perante o consumidor que não foi comprovada e oportunamente avisado do alegado erro de cálculo.

Resumo Oficial

No caso, o contratante do plano de previdência e pecúlio sub judice, contratou o plano em 18/1/1995, tendo arcado com o pagamento mensal das contribuições até o seu falecimento em 28/10/2014. Durante esses quase 20 anos, a instituição informou-lhe periodicamente o valor do benefício devido, bem como reajustou anualmente o valor das contribuições.

É incontroverso, que o plano eleito pelas partes oferecia inicialmente um benefício de pecúlio de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e, para tanto, o contratante assumia o pagamento de R$ 140,00 (cento e quarenta reais) mensais. Transcorridos os quase vinte anos da adesão, o contratante já aportava, em razão das correções anuais, a contribuição mensal de R$ 815,23 (oitocentos e quinze reais e vinte e três centavos), esperando que o benefício correspondente fosse aquele informado periodicamente nos boletos enviados pela instituição, cujo o último valor informado fora de R$ 116.461,46 (cento e dezesseis mil, quatrocentos e sessenta e um reais e quarenta e seis centavos).

De início, destaca-se que os planos de previdência administrados por entidade aberta devem ser constituídos sob a forma de sociedade anônimas, dotadas, por natureza, de finalidade empresarial e, portanto, lucrativa, nos termos disciplinados no art. 36 da Lei Complementar n. 109/2001.

Ainda que autorizadas e fiscalizadas pela Superintendência de Seguros Privados - Susep, vinculada ao Ministério da Fazenda, e submetidas à regulação do Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP, as operações dessas entidades são realizadas em regime de mercado. Captam poupança popular, porém não se limitam exclusivamente ao intuito protetivo-previdenciário.

É justamente por operar em regime de mercado que o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento reiterado e consolidado no sentido de que se aplicam às entidades abertas de previdência privada o sistema consumerista, conforme restou materializado na Súmula 563/STJ: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas".

Tratando-se de sociedade anônima que fornece em regime de mercado seus planos de previdência, espera-se ser de seu inteiro conhecimento e domínio todas as regras legais e regulamentares aplicáveis a si e a seus produtos.

Por sua vez, cabe aos consumidores, a partir das informações que lhe são prestadas pelo fornecedor, tomar a decisão acerca da aderência ao contrato do plano ofertado, atentando para as características que melhor satisfaçam suas necessidades e interesses.

No âmbito do sistema consumerista, não há dúvida de que as informações prestadas sobre o produto consumido vinculam e obrigam o fornecedor, dando ensejo ao cumprimento forçado, conforme previsão expressa do art. 35, I, do CDC.

Seguindo uma tendência de objetivação da responsabilidade, a doutrina ensina que o legislador consumerista não deu espaço para se perquirir culpa ou o dolo do fornecedor. Ao assumir essa posição no mercado, o mínimo que se pode esperar é que o fornecedor tenha ampla familiaridade com o produto ou serviço que oferta, assim como com seu modo de operação e com as possíveis falhas normais. Destarte, eventual erro de informação não é, a priori, escusável.

É certo que há exceções à vinculação nas hipóteses de erro justamente como forma de preservação da boa-fé objetiva dos contratantes, princípio que certamente transita nos dois sentidos, protegendo consumidor e fornecedor da prática de condutas desleais ou desonestas. Para afastar a boa-fé objetiva, entretanto, deve o erro ser evidente, manifesto e facilmente perceptível ao homem médio.

No caso concreto, o que se verifica é que, a propósito de desincumbir-se de seu dever de informar, a recorrente fornecia periodicamente as informações relativas ao benefício contratado. Todavia, no momento do adimplemento de sua obrigação e da efetiva entrega do "produto" ofertado, constatou-se o equívoco da informação reiteradamente prestada ao longo de quase duas décadas. Sob a justificativa de que o valor informado não atenderia ao equilíbrio atuarial, frustrou-se objetivamente a legítima expectativa nutrida no consumidor e na beneficiária por ele indicada.

Nota-se que o valor indicado a título de benefício de pecúlio não se mostra desproporcional frente aos valores de contribuição recolhidos mensalmente pelo consumidor. Ao contrário, desarrazoado é se supor que o consumidor manteria contribuições mensais de mais de R$ 800,00 (oitocentos reais) para obter um benefício de apenas R$ 20.689,54 (vinte mil, seiscentos e oitenta e nove reais e cinquenta e quatro centavos). Ora, em apenas 2 anos de poupança, nos mesmos valores de contribuição, o consumidor praticamente alcançaria a cifra efetivamente paga a título de pecúlio, desconsideradas quaisquer taxas de juros ou correção monetária dos valores.

Não se está, com isso, a negar o caráter aleatório do presente contrato, formado para viger por prazo indeterminado, prolongando-se indefinidamente no tempo, e do qual pode resultar o pagamento do benefício superior ao montante aportado, do ponto de vista individual, ou, em contraposição, pode resultar em valor consideravelmente inferior ao total dos aportes realizados ao longo de anos. Entretanto, também é da natureza do contrato de trato sucessivo a possibilidade de sua rescisão unilateral a qualquer tempo pelo contratante, de forma que a relação custo-benefício passa pelo crivo do consumidor diversas vezes ao longo de sua vigência.

Se houve falha no cálculo atuarial, como apurado pelas provas produzidas nas instâncias ordinárias, não foi ela provocada pelo consumidor, mas exclusivamente pela atuação da própria recorrente.

Desse modo, conclui-se que o ônus do desatendimento das normas a que a recorrente se submete pelo desempenho da atividade previdenciária complementar não pode ser simplesmente transferido para a esfera patrimonial do consumidor ou da beneficiária, devendo a promessa, reiterada periodicamente, ser honrada perante o consumidor que não foi comprovada e oportunamente avisado do alegado erro de cálculo.

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