STJ - Primeira Seção
Pet 12.482-DF
Petição
Relator: Og Fernandes
Julgamento: 11/05/2022
Publicação: 23/05/2022
STJ - Primeira Seção
Pet 12.482-DF
Tese Jurídica Simplificada
Se a decisão antecipar os efeitos da tutela mas for reformada, o autor da ação deve devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ocorrer decontando-se de eventual benefício que estiver sendo recebendo, no limite de 30% deste benefício.
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Tese Jurídica Oficial
A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago.
Resumo Oficial
A questão de ordem foi proposta com a finalidade de definir se o entendimento firmado no Tema Repetitivo 692/STJ (REsp n. 1.401.560/MT) deve ser reafirmado, alterado ou cancelado, diante da variedade de situações que ensejam dúvidas quanto à persistência da orientação firmada pela tese repetitiva referida, bem como à jurisprudência do STF, estabelecida em sentido contrário, mesmo que não tendo sido com repercussão geral ou em controle concentrado de constitucionalidade.
O CPC/1973 regulamentava a matéria de forma clara, prevendo, em resumo, que a efetivação da tutela provisória corre por conta do exequente, e a sua eventual reforma restituiria as partes ao estado anterior à concessão, o que obrigaria o exequente a ressarcir eventuais prejuízos sofridos pelo executado. A mesma lógica foi mantida pelo legislador do CPC/2015. Por essa razão, sempre se erigiu como pressuposto básico do instituto da tutela de urgência a reversibilidade dos efeitos da decisão judicial.
O debate surgiu especificamente no que tange à aplicação de tal regulamentação no âmbito previdenciário. Ou seja, discutia-se se as normas específicas de tal área do direito trariam solução diversa da previsão de caráter geral estipulada na legislação processual.
A razão histórica para o surgimento dessa controvérsia na área previdenciária consiste na redação original do art. 130 da Lei n. 8.213/1991, o qual dispunha que: "Ocorrendo a reforma da decisão, será suspenso o benefício e exonerado o beneficiário de restituir os valores recebidos". Nos idos de 1997, a Lei n. 9.528 alterou completamente a redação anterior, passando a valer a regra geral do CPC, na ausência de norma especial em sentido contrário no âmbito previdenciário.
A partir de então, amadureceu-se a posição no sentido da necessidade de devolução dos valores recebidos em caso de revogação da tutela antecipada, o que redundou, em 2014, no entendimento vinculante firmado pelo STJ no Tema Repetitivo 692 (REsp n. 1.401.560/MT): "A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos."
À época em que se propôs a questão de ordem, em 2018, o art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 - que regulamenta a matéria no direito previdenciário - trazia redação que não era clara e direta como a da legislação processual, uma vez que não referia expressamente a devolução de valores recebidos a título de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada. Tal fato, aliás, não passou despercebido pela Primeira Seção, que rejeitou os EDcl no REsp n. 1.401.560/MT, fazendo menção a tal aspecto.
A Medida Provisória n. 871/2019 e a Lei n. 13.846/2019, entretanto, reformularam a legislação previdenciária, e o art. 115, inc. II, passou a não deixar mais qualquer dúvida: na hipótese de cessação do benefício previdenciário ou assistencial pela revogação da decisão judicial que determinou a sua implantação, os valores recebidos devem ser devolvidos à parte adversa.
Se o STJ - quando a legislação era pouco clara e deixava margem a dúvidas - já tinha firmado o entendimento vinculante no Tema Repetitivo 692/STJ, não é agora que deve alterar sua jurisprudência, justamente quando a posição da Corte foi sufragada expressamente pelo legislador reformador ao regulamentar a matéria.
Na questão de ordem proposta, foram citadas as seguintes particularidades processuais que supostamente seriam aptas a ensejar uma consideração específica quanto à possibilidade de revisão do entendimento firmado no Tema 692/STJ: a) tutela de urgência concedida de ofício e não recorrida; b) tutela de urgência concedida a pedido e não recorrida; c) tutela de urgência concedida na sentença e não recorrida, seja por agravo de instrumento, na sistemática processual anterior do CPC/1973, seja por pedido de suspensão, conforme o CPC/2015; d) tutela de urgência concedida initio litis e não recorrida; e) tutela de urgência concedida initio litis, cujo recurso não foi provido pela segunda instância; f) tutela de urgência concedida em agravo de instrumento pela segunda instância; g) tutela de urgência concedida em primeiro e segundo graus, cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então existente.
Quanto a tais hipóteses, note-se que se trata basicamente do momento em que foi concedida e/ou revogada a tutela de urgência, se logo no início do feito, se na sentença, se na segunda instância, ou se apenas no STF ou no STJ. A ideia subjacente é que, em algumas hipóteses, a tutela de urgência já estaria, de certa forma, incorporada ao patrimônio jurídico da parte autora, e sua revogação poderia resultar em injustiça no caso concreto.
Tais situações, entretanto, são tratadas pela lei da mesma forma, não merecendo distinção do ponto de vista normativo. Ou seja, em qualquer desses casos, a tutela de urgência não deixa de ser precária e passível de modificação ou revogação a qualquer tempo, o que implicará o retorno ao estado anterior à sua concessão.
Situação diversa é a da tutela de urgência cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então dominante. Nesses casos, a superação do precedente deverá ser acompanhada da indispensável modulação dos efeitos, a juízo do Tribunal que está promovendo a alteração jurisprudencial, como determina o art. 927, § 3º, do CPC/2015.
Avançando no exame da matéria, o fato de o STF ter alguns precedentes contrários ao entendimento do Tema Repetitivo 692/STJ não invalida o repetitivo.
O STF adota o posicionamento referido em algumas ações originárias propostas (na maioria, mandados de segurança) em seu âmbito. Porém, não o faz com caráter de guardião da Constituição Federal, mas sim na análise concreta das ações originárias. A maioria dos precedentes do STF não diz respeito a lides previdenciárias e, além disso, são todos anteriores às alterações inseridas no art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991. Na verdade, atualmente o STF vem entendendo pela inexistência de repercussão geral nessa questão, por se tratar de matéria infraconstitucional, como se verá adiante.
O que se discute no caso em tela é a interpretação de artigo de lei federal, mais especificamente, o art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 e vários dispositivos do CPC/2015. Assim, vale o entendimento do STJ sobre a matéria, pois, segundo o art. 105 da Carta Magna, é esta Corte a responsável pela uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional no país.
A propósito, o STF, ao julgar o Tema 799 da Repercussão Geral (ARE 722.421/MG, j. em 19/03/2015), já firmou expressamente que a questão não é constitucional e deve, portanto, ser deslindada nos limites da legislação infraconstitucional, o que foi feito com bastante clareza pelo legislador ao trazer a nova redação do art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991.
Em conclusão, a questão de ordem foi julgada no sentido da reafirmação da tese jurídica, com acréscimo redacional para ajuste à nova legislação de regência, nos termos a seguir: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago".
Tema Repetitivo nº 692/STJ
De acordo com o tema:
Este enunciado coaduna com o disposto no julgamento do caso em tela.
Na realidade, a finalidade da Petição proposta foi definir se o entendimeno deveria ser reafirmado, alerado ou cancelado, diante da situação de dúvida engendrada por situações diversas, inclusive por uma jurisprudência diversa do STF. A hipótese seria de que, a tutela de urgência poderia estar incorporada ao patrimônio da parte autora e se revogada poderia resultar em injustiça no caso concreto.
Tutela provisória
É uma antecipação de uma decisão que vigora antes do fim do processo, com a finalidade de resguardar um direito ou bem.
Ela pode ser de urgência, pois o direito pode ser perder, por questão de tempo ou de evidência, quando fatos e provas são tão contundentes que o direito é plausível. Terá caráter incidente quando é concedida no transcurso do processo e terá caráter antecedente se concedida antes do início do processo, logo na petição inicial.
Uma tutela durará até o julgamento do mérito processual. Se no julgamento o magistrado entender que não existe mais fundamento para a tutela, ela poderá ser revogada.
Segundo o CPC, a reforma da tutela provisória obriga o exequente a ressarcir eventuais prejuízos sofridos pelo executado. Ou seja, há em demandas cíveis a possibilidade de reverter os efeitos da decisão antecipada. Entretanto, há debate no que se refere à aplicação deste entendimento no âmbito previdenciário.
Tutela Provisória e ações previdenciárias
O art. 130 da Lei nº 8.213/1991, originariamente previa:
Esta disposição foi retirada da lei e passou a viger a regra geral prevista no CPC: necessária a devolução dos valores recebidos, havendo revogação da tutela antecipada.
Este entendimento originou o Tema Repetitivo nº 692 do STJ. Na época da edição do tema, o art.115, II da Lei nº 8.213/91 tinha uma redação pouco clara a respeito da devolução:
A legislação foi alterada pela Lei nº 13.846/2019 deixando o inciso II mais evidente:
Julgado
A Primeira Seção do STJ considerou que, se à época do Tema Repetitivo nº 692, já se entendia que os valores deveriam ser devolvidos, agora, com a clarividência da norma, não há razão para que o entendimento seja diverso.
Não é possível que a situação seja vista de outra forma, pois a lei não distingue a tutela no campo cível e previdenciário.
Outra situação é aquela na qual a tutela de urgência é revogada por mudança superveniente da jurisprudência dominante. Caso no qual deverá haver modulação dos efeitos, conforme art.927, §3º do CPC:
Ou seja, são situações nas quais não houve sentença revertendo a tutela, mas um elemento fora do processo que provocou a alteração de entendimento e, portanto, traria injustiças aos casos concretos se o entendimento fosse aplicado de modo irrestrito.
No que tange ao posicionamento divergente do STF, a Corte do STJ esclareceu que as decisões do Supremo não tem o condão de guardar a Constituição, mas de analisar situações concretas em processos de competência originária, como mandados de segurança. Ou seja, não se referem a debates previdenciários. Além disso, são todos anteriores às alterações do art.115, II da Lei nº 8213/1991.
Assim, conforme o art.105 da CF, por ser o STJ responsável pela uniformização jurisprudencial no país, decide-se pela manutenção da interpretação dada sobre o tema, reafirmando a tese jurídica.
Em resumo: se a decisão antecipar os efeitos da tutela mas for reformada, o autor da ação deve devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ocorrer decontando-se de eventual benefício que estiver sendo recebendo, no limite de 30% deste benefício.