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STJ - Corte Especial

HDE 7.986-EX

Homologação de Decisão Estrangeira

Relator: Francisco Falcão

Julgamento: 20/03/2024

STJ - Corte Especial

HDE 7.986-EX

Tese Jurídica Simplificada

Com fundamento no princípio da cooperação internacional, e em interpretação às garantias constitucionais e da lei de migração, o STJ entendeu cabível a transferência da execução penal para que brasileiro nato cumpra pena no Brasil. 

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Como amplamente divulgado pela mídia, em novembro de 2017, o ex-jogador Robinho foi condenado em primeira instância por estupro pela Justiça Italiana em razão de crime praticado em território estrangeiro. 

O crime de estupro coletivo foi praticado em janeiro de 2013, em Milão, na boate Sio Cafe, quando a vítima comemorava seu aniversário de 23 anos.

Em dezembro de 2020, houve nova condenação em segunda instância. A Justiça Italiana condenou Robinho à pena de 9 anos de prisão. Após os recursos, a pena foi confirmada em janeiro de 2022. Em seguida, o ex-jogador foi incluído no radar da Interpol e foi expedido o mandado de prisão. 

Embora tenha havido o trânsito em julgado da ação condenatória na Itália, o ex-jogador não foi efetivamente preso naquele país porque já estava em território brasileiro. 

Daí surge a primeira dúvida: Robinho poderia ser extraditado para a Itália para cumprir a pena?

Tendo em vista o art. 5º, LI, da CF/88, a extradição de brasileiro nato é vedada: 

Art. 5º.

LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;

Nesse sentido, diante da impossibilidade de extradição de Robinho,  a diplomacia italiana realizou o pedido de homologação da sentença condenatória no Brasil para que o condenado cumprisse a pena no Brasil. 

Daí surge a segunda dúvida: qual o Tribunal competente para analisar esse pedido e quais os requisitos necessários para homologação de sentença estrangeira?

Por determinação da CF/88, a competência é do STJ:

 Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;        

Por sua vez, os requisitos indispensáveis para a homologação da decisão estrangeira estão previstos no artigo 963 do CPC:

Art. 963. Constituem requisitos indispensáveis à homologação da decisão:

I - ser proferida por autoridade competente;

II - ser precedida de citação regular, ainda que verificada a revelia;

III - ser eficaz no país em que foi proferida;

IV - não ofender a coisa julgada brasileira;

V - estar acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado;

VI - não conter manifesta ofensa à ordem pública.

Parágrafo único. Para a concessão do exequatur às cartas rogatórias, observar-se-ão os pressupostos previstos no caput deste artigo e no art. 962, § 2º. 

É importante observar que a homologação de sentença estrangeira e a execução de pena fixada por Tribunal estrangeiro são situações distintas. 

Daí a terceira dúvida: é possível a execução da pena estrangeira no Brasil?

Em resumo, a lei de migração (13.445/2017) permite a transferência da execução da pena mediante o cumprimento de alguns requisitos. 

O instituto está previsto no artigo 100 e seguintes da lei:

Art. 100. Nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, a autoridade competente poderá solicitar ou autorizar a transferência de execução da pena, desde que observado o princípio do non bis in idem.

Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 Código Penal, a transferência de execução da pena será possível quando preenchidos os seguintes requisitos:

I - o condenado em território estrangeiro for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo pessoal no Brasil;

II - a sentença tiver transitado em julgado;

III - a duração da condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano, na data de apresentação do pedido ao Estado da condenação;

IV - o fato que originou a condenação constituir infração penal perante a lei de ambas as partes; e

V - houver tratado ou promessa de reciprocidade.

Sobre o tema, é importante observar o que prevê o caput do artigo 100: o primeiro requisito para transferência da execução da pena é haver a possibilidade de extradição executória. 

Em direito internacional, há duas hipóteses de extradição:

  • Instrutória: ocorre quando há suspeita de crime, mas o suspeito já se encontra em outro país. Pede-se a extradição do suspeito para que haja investigação e processamento dos fatos.
  • Executória: ocorre quando já existe condenação criminal transitada em julgado em determinado país, mas o condenado já está em outro local. Nesse caso, está pendente apenas o cumprimento da pena. Pede-se a extradição do condenado para que haja cumprimento da pena. 

Diante desse panorama jurídico, surge a quarta dúvida a ser respondida: o caso concreto do Robinho permite a homologação de sentença estrangeira e a transferência da execução penal para o Brasil?

Os requisitos para homologação da decisão italiana estavam presentes.

Ademais, segundo a maioria dos ministros integrantes da Corte Especial, os requisitos para a transferência da execução penal para o Brasil estão presentes no caso.

Os ministros entendem que a transferência de execução penal é instituto processual de cooperação internacional, previsto em tratados internacionais dos quais o Brasil é parte e está positivado na Lei nº 13.445/2017. 

Ainda do ponto de vista pragmático, os ministros destacaram que a negativa em homologar a sentença estrangeira impediria completamente a nova persecução penal, pois o ex-jogador não poderá ser novamente processado e julgado pelo mesmo fato que resultou em sua condenação na Itália. Esse raciocínio está fundamentado no princípio da vedação da dupla incriminação ou do princípio do non bis in idem.

Segundo a Corte, não há inconstitucionalidade na transferência de execução de pena, porque não há violação do núcleo do direito fundamental contido no art. 5º, LI, da CF. Pelo contrário, há um reforço do compromisso internacional do Brasil em adotar instrumentos de cooperação eficientes para assegurar a eficácia da jurisdição criminal.

Ademais, descabida a interpretação segundo a qual se aplicaria a transferência apenas nos casos em que cabível a extradição, pois praticamente seria letra morta na legislação. A Corte observou que, embora a Itália desse preferência à extradição, a transferência da execução é um modelo de solução alternativa posto em diversos Tratados Internacionais (como as Convenções de Viena, Palermo e Mérida), nos quais há previsão expressa de transferência da execução sempre que a extradição for recusada pelo critério da nacionalidade. 

Os ministros ainda apontaram a necessidade de resguardar os direitos humanos das vítimas.

A Corte também afastou a alegada nulidade da ação penal que tramitou na Itália por inobservância de normas da legislação penal e processual brasileira. Nesse ponto, deve ser observada a soberania da Itália. Justamente em razão da soberania do outro país, o STJ destacou que nos tratados internacionais celebrados entre o Brasil e a Itália, não há norma que imponha o dever de o Poder Judiciário italiano aplicar as normas procedimentais brasileiras em processo que apura responsabilidade criminal de brasileiro.

A decisão do STJ foi bastante criticada: quais os fundamentos dessas críticas?

As críticas surgiram em razão da transferência da execução penal para o Brasil. 

Especialistas em direito internacional criticam a decisão do ponto de vista técnico em razão do requisito previsto no caput do artigo 100 da Lei nº 13.445/2017 que é justamente a possibilidade de extradição executória. 

Para esses críticos, como o brasileiro nato não pode ser extraditado, a extradição executória também é vedada. Logo, não estaria presente o primeiro requisito para a transferência da execução da pena. 

Em interpretação da decisão do STJ, vê-se que a Corte entendeu não existir violação ao núcleo essencial do artigo 5º, LI, da CF, principalmente em razão da cooperação internacional, da impossibilidade de extradição de brasileiro nato e da existência de Tratados Internacionais permitindo a transferência da execução penal mesmo nesses casos.

Há ainda outras críticas. 

Para os especialistas em direito penal, a parte de direito material da Lei nº 13.445/2017 mais favorável a Robinho deveria retroagir. 

Isso porque, a lei de migração (Lei nº 13.445/2017) quando trata da execução penal, traz normas que têm natureza penal híbrida (tratam tanto de direito material quanto de direito processual). Como os fatos foram praticados por Robinho em 2013, a parte de direito material mais favorável deveria retroagir para beneficiá-lo, conforme art. 5º, XL, da CF/88:

Art. 5º.

XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

Portanto, se o instituto da transferência da execução penal é prejudicial ao réu, não deveria ser aplicado.

Pragmatismo, consequencialismo e conclusão do STJ

Em conclusão, com fundamento no princípio da cooperação internacional, e em interpretação às garantias constitucionais e da lei de migração, o STJ entendeu cabível a transferência da execução penal para que brasileiro nato cumpra pena no Brasil. 

Embora as críticas sejam bastante técnicas, a decisão do STJ pode ser analisada sob o ponto de vista do pragmatismo.

Grosso modo, o pragmatismo é a forma de decidir que foca no resultado e nas consequências da decisão judicial.  

Nesse sentido, tendo como uma das características principais o consequencialismo, verifica-se que o STJ compreendeu que a transferência da execução penal não violaria os direitos fundamentais do condenado. Ademais, esse seria o melhor resultado prático tanto para proteção dos direitos humanos da vítima, como para a cooperação internacional. 

Tese Jurídica Oficial

A transferência da execução de pena de brasileiro nato para ser cumprida no Brasil, imposta em outro país, não viola o núcleo do direito fundamental contido no art. 5º, inciso LI, da Constituição Federal.

Resumo Oficial

O Governo da Itália apresentou pedido de transferência de execução da pena imposta a brasileiro nato condenado a nove anos de prisão por estupro contra uma mulher albanesa, na Itália, em 2013.

Inicialmente, pontua-se que o sistema de contenciosidade limitada adotado pelo Brasil em matéria de homologação de sentença penal estrangeira impede a rediscussão do mérito da ação penal que resultou na condenação do cidadão brasileiro.

A transferência de execução penal é instituto processual de cooperação internacional, previsto em tratados internacionais dos quais o Brasil é parte e está positivado na Lei n. 13.445/2017. Cuida de hipótese voltada à aplicação de pena privativa de liberdade, após seu regular reconhecimento pelo STJ, que for imposta no exterior a nacionais ou a estrangeiros que aqui tenham residência habitual.

A Constituição Federal veda a extradição de brasileiro nato, conforme o art. 5º, LI, o que não impede o deferimento do pedido de cooperação internacional, que trata de instituto diverso. A homologação de sentença estrangeira não consistirá na entrega de nacional brasileiro condenado criminalmente para cumprimento de pena em outro país.

Nesse sentido, o próprio governo brasileiro admitiu o processamento do pedido de transferência de pena, formulado pelo Governo da Itália, pois, por meio de tratados internacionais, a rede de proteção de cidadãos brasileiros foi fortalecida com a possibilidade de cumprimento de pena no seu próprio país, com isso, além da transferência de execução da pena, também se possibilita a própria transferência do preso que cumpre pena fora do território nacional.

Dessa forma, não há inconstitucionalidade na transferência de execução de pena, porque não há violação do núcleo do direito fundamental contido no art. 5º, LI, da CF. Pelo contrário, há um reforço do compromisso internacional do Brasil em adotar instrumentos de cooperação eficientes para assegurar a eficácia da jurisdição criminal.

Ademais, descabida a interpretação segundo a qual se aplicaria a transferência apenas nos casos em que cabível a extradição, pois praticamente seria letra morta na legislação. Naturalmente que o país requerente sempre daria preferência à extradição, relegando à inutilidade a previsão de transferência da execução. De outro lado, esse modelo de solução alternativa está posto em diversos Tratados Internacionais (como as Convenções de Viena, Palermo e Mérida), nos quais há previsão expressa de transferência da execução sempre que a extradição for recusada pelo critério da nacionalidade.

Destaca-se, ainda, que a negativa em homologar a sentença estrangeira geraria a impossibilidade completa de nova persecução penal, na medida em que não poderá ser novamente processado e julgado pelo mesmo fato que resultou em sua condenação na Itália.

Trata-se do instituto do non bis in idem, também contemplado no art. 100 da Lei n. 13.445/2017, que assim dispõe: "Nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, a autoridade competente poderá solicitar ou autorizar a transferência de execução da pena, desde que observado o princípio do non bis in idem.".

Sobre o tema, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no HC 171118 de relatoria do ministro Gilmar Mendes, ao interpretar os arts. 5º, 6º e 8º do Código Penal, assentou que a proibição da dupla incriminação também incide no âmbito internacional. Assim, no Brasil, não se admite que um cidadão seja novamente processado e julgado pelos mesmos fatos que resultaram em sua condenação definitiva no exterior.

Da mesma forma, o argumento de que a aplicação da Lei n. 13.445/2017 violaria o "princípio constitucional da irretroatividade da nova lei penal mais gravosa" não subsiste ante a natureza jurídica da cooperação internacional.

O STF já decidiu que as normas sobre cooperação internacional em matéria penal não têm natureza criminal, o que permite a aplicação imediata conforme art. 6º da LINDB. Com isso, a norma de cooperação internacional pode ser "imediatamente aplicável, seja em benefício, seja em prejuízo do extraditando".

Com a edição do art. 100 da Lei n. 13.445/2017, não há mais dúvida acerca da possibilidade da transferência da execução da pena, pois houve mitigação do princípio da territorialidade das penas previsto no art. 9º do Código Penal. Como o novo instituto veda a propositura de nova ação penal sobre o mesmo fato no território nacional, assegurou-se maior efetividade da jurisdição criminal. Reconhece-se, assim, o princípio do non bis in idem no plano internacional.

Por fim, não é possível declarar a nulidade da ação penal que tramitou na Itália por inobservância de normas da legislação penal e processual brasileira. Nos tratados internacionais celebrados entre o Brasil e a Itália, não há norma que imponha o dever de o Poder Judiciário italiano aplicar as normas procedimentais brasileiras em processo que apura responsabilidade criminal de brasileiro.

Sendo assim, a homologação da transferência de execução da pena ao efetivar a cooperação internacional, tem o condão de, secundariamente, resguardar os direitos humanos das vítimas. A homologação da sentença não é um fim em si mesmo, mas um instrumento efetivação dos direitos fundamentais tanto do condenado como da vítima.

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