Impugna-se a validade de prova pericial produzida na fase inquisitorial denominada "autópsia psicológica", em razão da ausência de "previsão legal, tampouco metodologia científica adequada".
Em um exame superficial, poder-se-ia concluir que o simples fato de estar assinado por dois especialistas seria suficiente para conferir automática legitimidade a qualquer laudo pericial. Entretanto, esse raciocínio não traduz a complexidade da discussão jurídica que subjaz ao caso concreto, sobretudo em razão da simbiose entre o direito probatório, as garantias processuais e os métodos científicos.
Dito isso, rememora-se "que é unívoca a opinião de que a busca pela verdade no processo penal encontra limitação nas regras de admissão, de produção e de valoração do material probatório, o qual servirá de suporte ao convencimento do julgador. Afinal, os fins colimados pelo processo penal são tão importantes quanto os meios de que se utiliza" (Reclamação 36.734/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti, Terceira Seção, DJe 22/2/2021).
A primeira questão a ser enfrentada diz respeito à taxatividade, ou não, das provas nominadas no Código de Processo Penal. Inicia-se esse debate partindo da constatação de que existe um inegável contraste entre a velocidade com que o conhecimento científico é construído e o tempo de atualização normativa.
Não obstante a ausência de dispositivo específico sobre as provas atípicas no CPP, é possível utilizar, por analogia - como autoriza o art. 3º do CPP -, o art. 369 do Código de Processo Civil, que dispõe que "as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz".
No mesmo sentido, estabelece o art. 295 do Código de Processo Penal Militar ser "admissível, nos termos deste Código, qualquer espécie de prova, desde que não atente contra a moral, a saúde ou a segurança individual ou coletiva, ou contra a hierarquia ou a disciplina militares".
Nesse contexto, embora não haja dispositivos semelhantes no Código de Processo Penal, a doutrina defende que "há consenso de que também não vigora no campo penal um sistema rígido de taxatividade dos meios de prova, sendo admitida a produção de provas não disciplinadas em lei, desde que obedecidas determinadas restrições ".
Significa dizer, em última análise, que o rol de provas previsto no Título VII do CPP é exemplificativo. Assim, o simples fato de não constar do catálogo legal relacionado às "provas em espécie" não configura razão suficiente para que a perícia ora impugnada seja considerada inadmissível. Entendimento em contrário exigiria do legislador uma irrealizável atualização constante do rol normativo com vistas a acompanhar todas as inovações tecnológicas.
As provas científicas atípicas devem submeter-se a critérios específicos para sua aceitação - e consequente admissão - no processo penal. A controlabilidade do correto uso do conhecimento técnico é corolário de um sistema que refuta, de antemão, os mitos da verdade e da confiabilidade absoluta da prova científica. É necessário, portanto, que se estabeleçam critérios de verificabilidade das provas científicas, com o intuito de se evitar o cometimento de injustiças epistêmicas.
A questão relacionada à admissibilidade da prova técnica ganha bastante relevo no caso em tela por se tratar de processo submetido ao Tribunal do Júri - cuja decisão meritória, consequentemente, não está sujeita à fundamentação.
Por esse motivo, incumbe ao julgador, devidamente provocado pela parte ré, realizar o controle da admissão da prova para evitar que os jurados, alerta a doutrina, "possam ser induzidos a erro ou confusões, com base em uma prova derivada de uma pseudociência, mas que goze da mítica infalibilidade das ciências. [...] Com isso, os juízes de fato não terão contato com a 'má ciência', caso essa não seja admitida".
A "autópsia psicológica", raras vezes utilizada na praxis forense brasileira, consiste em exame retrospectivo que busca compreender os aspectos psicológicos envolvidos em mortes não esclarecidas. Trata-se de um método, nos termos da doutrina, "concebido como meio para auxiliar médicos legistas a esclarecer a natureza de uma morte tida como indeterminada e que poderia estar associada a uma causa natural, acidental, suicídio ou homicídio. O método também foi utilizado para conhecer as razões que motivaram mortes autoinfligidas".
Por se tratar de uma estratégia complexa, faz-se imperiosa a observância de critérios epistêmicos para a redução do viés produzido pela subjetividade inerente a esse instrumento de avaliação. Daí a importância de fixação de critérios de admissibilidade das provas científicas no processo penal.
Nesse sentido, conforme doutrina, "a autópsia psicológica pode ser tão ampla e ilimitada como são os conteúdos possíveis de se aplicar a ela. E é justamente essa variabilidade que faz com que a autópsia psicológica seja criticada, por se aplicar a muitos contextos e ainda não possuir um modelo padrão universal e validado pela comunidade científica".
No caso em análise, verifica-se que a "autópsia psicológica" acostada aos autos não constitui prova ilícita ou ilegítima, razão pela qual não poderá ser desentranhada. Além disso, é admissível, por ser possível ser refutada - seja porque há indicação das fontes originárias dos depoimentos, preservando a cadeia de custódia, seja porque os assistentes técnicos puderam contestar sua cientificidade no curso do processo.
No entanto, cumpre repisar que se trata de prova ainda não padronizada pela comunidade científica e erigida, inegavelmente, em aspectos subjetivos - limitando-se a concluir, no caso sub judice, ser "pouco provável" a ocorrência de suicídio. Assim, incumbirá aos jurados, juízes naturais da causa, realizar o cauteloso cotejo do referido laudo com o restante do acervo probatório acostado aos autos.
Impugna-se a validade de prova pericial produzida na fase inquisitorial denominada "autópsia psicológica", em razão da ausência de "previsão legal, tampouco metodologia científica adequada".
Em um exame superficial, poder-se-ia concluir que o simples fato de estar assinado por dois especialistas seria suficiente para conferir automática legitimidade a qualquer laudo pericial. Entretanto, esse raciocínio não traduz a complexidade da discussão jurídica que subjaz ao caso concreto, sobretudo em razão da simbiose entre o direito probatório, as garantias processuais e os métodos científicos.
Dito isso, rememora-se "que é unívoca a opinião de que a busca pela verdade no processo penal encontra limitação nas regras de admissão, de produção e de valoração do material probatório, o qual servirá de suporte ao convencimento do julgador. Afinal, os fins colimados pelo processo penal são tão importantes quanto os meios de que se utiliza" (Reclamação 36.734/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti, Terceira Seção, DJe 22/2/2021).
A primeira questão a ser enfrentada diz respeito à taxatividade, ou não, das provas nominadas no Código de Processo Penal. Inicia-se esse debate partindo da constatação de que existe um inegável contraste entre a velocidade com que o conhecimento científico é construído e o tempo de atualização normativa.
Não obstante a ausência de dispositivo específico sobre as provas atípicas no CPP, é possível utilizar, por analogia - como autoriza o art. 3º do CPP -, o art. 369 do Código de Processo Civil, que dispõe que "as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz".
No mesmo sentido, estabelece o art. 295 do Código de Processo Penal Militar ser "admissível, nos termos deste Código, qualquer espécie de prova, desde que não atente contra a moral, a saúde ou a segurança individual ou coletiva, ou contra a hierarquia ou a disciplina militares".
Nesse contexto, embora não haja dispositivos semelhantes no Código de Processo Penal, a doutrina defende que "há consenso de que também não vigora no campo penal um sistema rígido de taxatividade dos meios de prova, sendo admitida a produção de provas não disciplinadas em lei, desde que obedecidas determinadas restrições ".
Significa dizer, em última análise, que o rol de provas previsto no Título VII do CPP é exemplificativo. Assim, o simples fato de não constar do catálogo legal relacionado às "provas em espécie" não configura razão suficiente para que a perícia ora impugnada seja considerada inadmissível. Entendimento em contrário exigiria do legislador uma irrealizável atualização constante do rol normativo com vistas a acompanhar todas as inovações tecnológicas.
As provas científicas atípicas devem submeter-se a critérios específicos para sua aceitação - e consequente admissão - no processo penal. A controlabilidade do correto uso do conhecimento técnico é corolário de um sistema que refuta, de antemão, os mitos da verdade e da confiabilidade absoluta da prova científica. É necessário, portanto, que se estabeleçam critérios de verificabilidade das provas científicas, com o intuito de se evitar o cometimento de injustiças epistêmicas.
A questão relacionada à admissibilidade da prova técnica ganha bastante relevo no caso em tela por se tratar de processo submetido ao Tribunal do Júri - cuja decisão meritória, consequentemente, não está sujeita à fundamentação.
Por esse motivo, incumbe ao julgador, devidamente provocado pela parte ré, realizar o controle da admissão da prova para evitar que os jurados, alerta a doutrina, "possam ser induzidos a erro ou confusões, com base em uma prova derivada de uma pseudociência, mas que goze da mítica infalibilidade das ciências. [...] Com isso, os juízes de fato não terão contato com a 'má ciência', caso essa não seja admitida".
A "autópsia psicológica", raras vezes utilizada na praxis forense brasileira, consiste em exame retrospectivo que busca compreender os aspectos psicológicos envolvidos em mortes não esclarecidas. Trata-se de um método, nos termos da doutrina, "concebido como meio para auxiliar médicos legistas a esclarecer a natureza de uma morte tida como indeterminada e que poderia estar associada a uma causa natural, acidental, suicídio ou homicídio. O método também foi utilizado para conhecer as razões que motivaram mortes autoinfligidas".
Por se tratar de uma estratégia complexa, faz-se imperiosa a observância de critérios epistêmicos para a redução do viés produzido pela subjetividade inerente a esse instrumento de avaliação. Daí a importância de fixação de critérios de admissibilidade das provas científicas no processo penal.
Nesse sentido, conforme doutrina, "a autópsia psicológica pode ser tão ampla e ilimitada como são os conteúdos possíveis de se aplicar a ela. E é justamente essa variabilidade que faz com que a autópsia psicológica seja criticada, por se aplicar a muitos contextos e ainda não possuir um modelo padrão universal e validado pela comunidade científica".
No caso em análise, verifica-se que a "autópsia psicológica" acostada aos autos não constitui prova ilícita ou ilegítima, razão pela qual não poderá ser desentranhada. Além disso, é admissível, por ser possível ser refutada - seja porque há indicação das fontes originárias dos depoimentos, preservando a cadeia de custódia, seja porque os assistentes técnicos puderam contestar sua cientificidade no curso do processo.
No entanto, cumpre repisar que se trata de prova ainda não padronizada pela comunidade científica e erigida, inegavelmente, em aspectos subjetivos - limitando-se a concluir, no caso sub judice, ser "pouco provável" a ocorrência de suicídio. Assim, incumbirá aos jurados, juízes naturais da causa, realizar o cauteloso cotejo do referido laudo com o restante do acervo probatório acostado aos autos.