A confissão extrajudicial somente será admissível no processo judicial se feita formalmente e de maneira documentada, dentro de um estabelecimento estatal público e oficial. Tais garantias não podem ser renunciadas pelo interrogado e, se alguma delas não for cumprida, a prova será inadmissível. A inadmissibilidade permanece mesmo que a acusação tente introduzir a confissão extrajudicial no processo por outros meios de prova (como, por exemplo, o testemunho do policial que a colheu).
Não são incomuns casos em que, ausentes provas sólidas, a confissão extrajudicial do acusado, ainda que retratada em juízo, é o principal fundamento da condenação (mesmo que o juiz tente acrescer-lhe outras provas menos importantes ou que valore a "coerência" da própria retratação, como forma de escapar à vedação do art. 155 do CPP). Neles, assim como na hipótese deste autos, tem me chamado a atenção o fato de que a confissão comumente é feita de maneira informal, fora de uma delegacia ou estabelecimento governamental, sem a assistência de defensor, sem um registro documental preciso dos atos investigatórios e na completa ausência de provas.
No caso analisado, a confissão na qual se embasou o juízo sentenciante para condenar o acusado foi colhida no momento de sua prisão, fora de uma delegacia, muito antes do primeiro contato do réu com seu defensor (que somente ocorreu na audiência de instrução e julgamento) ou de uma audiência de custódia (que nem chegou a ser realizada), sem nenhum registro formal desse primeiro interrogatório nas mãos da polícia militar.
Por vezes, a coação (ou mesmo a tortura) por policiais é apontada pela defesa como um dos fatores determinantes da confissão viciada, em regra sem nenhuma consideração por parte do Judiciário; em outras, não há explicação formal para essa mudança de postura do acusado.
O risco de tortura-prova é, assim, inversamente proporcional ao grau de formalidade da fase em que se encontra o conjunto de ritos da investigação e persecução criminal: é nos momentos iniciais da apuração de um crime que o preso está mais vulnerável à tortura-prova, diminuindo esse risco à medida em que o processo avança e ganha mais camadas de formalidade e segurança.
Quando o preso já foi adequadamente registrado no sistema de custódia e recebeu a orientação jurídica adequada para, aí sim, ser ouvido pela autoridade policial civil, torna-se mais difícil que a polícia o torture para obter alguma informação, porque nesse momento já há um status de maior formalidade procedimental cujo contorno, embora não seja impossível, é mais oneroso para um policial mal-intencionado. Mais segura ainda é a confissão judicial, feita pelo réu perante o julgador na própria audiência de instrução: nessa situação, o acusado já está obrigatoriamente assistido por seu defensor e colocado diante de um magistrado e um membro do Ministério Público, incidindo, nesse momento, controles por instituições diversas da própria polícia.
A tortura, é claro, será possível mesmo nessa etapa processual, mormente se o réu estiver preso preventivamente e souber que, se não confessar, poderá estar sujeito a represálias no interior presídio. Veja-se, porém, que esse cenário já é um pouco menos provável, por exigir um concerto mais complexo entre diversos órgãos de persecução penal (ao menos a polícia judiciária e a polícia penal), o que dificulta a ocorrência da específica modalidade de tortura prova.
O momento de maior fragilidade pessoal e jurídica do investigado é quando acontece sua prisão, longe dos olhares de qualquer instituição estatal - a não ser aquela própria que efetuou sua prisão - e à míngua de mecanismos reais de controle. Nessa hora, o preso está inteiramente nas mãos dos policiais (geralmente militares) que o prenderam, e apenas a sorte o ajudará. Se os agentes forem, como a maioria de nossos policiais, probos e cumpridores da lei, provavelmente nada de ilícito haverá em seu procedimento; se, todavia, tiverem alguma disposição à brutalidade e à tortura - o que corresponde a uma parcela que não pode ser ignorada, segundo os estudos já mencionados -, o preso estará sujeito a um grande risco de tortura e, caso esta aconteça, jamais logrará comprová-la. Ao contrário, será condenado pelo suposto crime que gerou sua prisão e tido por mentiroso pela polícia, pelo Ministério Público, pelo Judiciário e pela sociedade ao narrar o tormento sofrido.
Para que a confissão extrajudicial seja admitida no processo penal, é necessária a adoção de cautelas institucionais que neutralizem os riscos ora tratados, de modo a tornar a prova mais confiável quanto ao seu conteúdo e modo de extração. Caso contrário - e pensando de forma puramente objetiva -, não será possível considerar, com a segurança exigida pelo processo penal, que a confissão foi voluntária e confiável o suficiente a fim de receber algum tipo de eficácia jurídica. Sem salvaguardas e enquanto o Brasil for tão profundamente marcado pela violência policial, sempre permanecerá uma indefinição sobre a voluntariedade da confissão extrajudicial - indefinição esta que se busca, aqui, diminuir.
São duas as exigências para a admissibilidade desse tipo de confissão: (I) o ato deverá ser formal e (II) realizado dentro de um estabelecimento estatal oficial. Atendidos esses requisitos, a confissão será admissível, podendo integrar os elementos de informação do inquérito; se descumprido algum deles, a consequência é a inadmissibilidade da confissão.
O que se propõe ao estabelecer estes condicionantes à validade epistêmica da confissão extrajudicial é que tais critérios sejam definidos de forma expressa e racional pelo STJ, a quem cabe unificar a interpretação da legislação federal pertinente.
Assim, quanto à formalidade e ao local do ato, a colheita de uma confissão extrajudicial deve ser tratada pela autoridade policial como um ato formal, segundo o mandamento do art. 199 do CPP, feito na própria delegacia de polícia ou outro estabelecimento integrante da estrutura estatal, com a informação ao investigado de seus direitos constitucionais e a lavratura do termo respectivo. Realizado o ato em tais circunstâncias, há mais olhares de agentes públicos sobre o procedimento, o que por si só já exerce um efeito dissuasório maior do que aquele (in)existente na extração de uma confissão no próprio ato de prisão, na rua e longe do controle estatal. Estabelecimentos oficiais são conhecidos por todo o povo, passíveis de controle externo pelo Ministério Público (art. 129, VII, da Constituição Federal) e pelos Tribunais de Contas (arts. 70 e 75 da Constituição Federal), e são de livre ingresso pelos advogados (art. 7º, VI, "b" e "c", da Lei n. 8.906/1994); tudo isso constitui um plexo de garantias que torna a tortura-prova um pouco menos provável em tais locais do que em um beco deserto, um matagal remoto, um centro secreto de detenção.
Não são incomuns casos em que, ausentes provas sólidas, a confissão extrajudicial do acusado, ainda que retratada em juízo, é o principal fundamento da condenação (mesmo que o juiz tente acrescer-lhe outras provas menos importantes ou que valore a "coerência" da própria retratação, como forma de escapar à vedação do art. 155 do CPP). Neles, assim como na hipótese deste autos, tem me chamado a atenção o fato de que a confissão comumente é feita de maneira informal, fora de uma delegacia ou estabelecimento governamental, sem a assistência de defensor, sem um registro documental preciso dos atos investigatórios e na completa ausência de provas.
No caso analisado, a confissão na qual se embasou o juízo sentenciante para condenar o acusado foi colhida no momento de sua prisão, fora de uma delegacia, muito antes do primeiro contato do réu com seu defensor (que somente ocorreu na audiência de instrução e julgamento) ou de uma audiência de custódia (que nem chegou a ser realizada), sem nenhum registro formal desse primeiro interrogatório nas mãos da polícia militar.
Por vezes, a coação (ou mesmo a tortura) por policiais é apontada pela defesa como um dos fatores determinantes da confissão viciada, em regra sem nenhuma consideração por parte do Judiciário; em outras, não há explicação formal para essa mudança de postura do acusado.
O risco de tortura-prova é, assim, inversamente proporcional ao grau de formalidade da fase em que se encontra o conjunto de ritos da investigação e persecução criminal: é nos momentos iniciais da apuração de um crime que o preso está mais vulnerável à tortura-prova, diminuindo esse risco à medida em que o processo avança e ganha mais camadas de formalidade e segurança.
Quando o preso já foi adequadamente registrado no sistema de custódia e recebeu a orientação jurídica adequada para, aí sim, ser ouvido pela autoridade policial civil, torna-se mais difícil que a polícia o torture para obter alguma informação, porque nesse momento já há um status de maior formalidade procedimental cujo contorno, embora não seja impossível, é mais oneroso para um policial mal-intencionado. Mais segura ainda é a confissão judicial, feita pelo réu perante o julgador na própria audiência de instrução: nessa situação, o acusado já está obrigatoriamente assistido por seu defensor e colocado diante de um magistrado e um membro do Ministério Público, incidindo, nesse momento, controles por instituições diversas da própria polícia.
A tortura, é claro, será possível mesmo nessa etapa processual, mormente se o réu estiver preso preventivamente e souber que, se não confessar, poderá estar sujeito a represálias no interior presídio. Veja-se, porém, que esse cenário já é um pouco menos provável, por exigir um concerto mais complexo entre diversos órgãos de persecução penal (ao menos a polícia judiciária e a polícia penal), o que dificulta a ocorrência da específica modalidade de tortura prova.
O momento de maior fragilidade pessoal e jurídica do investigado é quando acontece sua prisão, longe dos olhares de qualquer instituição estatal - a não ser aquela própria que efetuou sua prisão - e à míngua de mecanismos reais de controle. Nessa hora, o preso está inteiramente nas mãos dos policiais (geralmente militares) que o prenderam, e apenas a sorte o ajudará. Se os agentes forem, como a maioria de nossos policiais, probos e cumpridores da lei, provavelmente nada de ilícito haverá em seu procedimento; se, todavia, tiverem alguma disposição à brutalidade e à tortura - o que corresponde a uma parcela que não pode ser ignorada, segundo os estudos já mencionados -, o preso estará sujeito a um grande risco de tortura e, caso esta aconteça, jamais logrará comprová-la. Ao contrário, será condenado pelo suposto crime que gerou sua prisão e tido por mentiroso pela polícia, pelo Ministério Público, pelo Judiciário e pela sociedade ao narrar o tormento sofrido.
Para que a confissão extrajudicial seja admitida no processo penal, é necessária a adoção de cautelas institucionais que neutralizem os riscos ora tratados, de modo a tornar a prova mais confiável quanto ao seu conteúdo e modo de extração. Caso contrário - e pensando de forma puramente objetiva -, não será possível considerar, com a segurança exigida pelo processo penal, que a confissão foi voluntária e confiável o suficiente a fim de receber algum tipo de eficácia jurídica. Sem salvaguardas e enquanto o Brasil for tão profundamente marcado pela violência policial, sempre permanecerá uma indefinição sobre a voluntariedade da confissão extrajudicial - indefinição esta que se busca, aqui, diminuir.
São duas as exigências para a admissibilidade desse tipo de confissão: (I) o ato deverá ser formal e (II) realizado dentro de um estabelecimento estatal oficial. Atendidos esses requisitos, a confissão será admissível, podendo integrar os elementos de informação do inquérito; se descumprido algum deles, a consequência é a inadmissibilidade da confissão.
O que se propõe ao estabelecer estes condicionantes à validade epistêmica da confissão extrajudicial é que tais critérios sejam definidos de forma expressa e racional pelo STJ, a quem cabe unificar a interpretação da legislação federal pertinente.
Assim, quanto à formalidade e ao local do ato, a colheita de uma confissão extrajudicial deve ser tratada pela autoridade policial como um ato formal, segundo o mandamento do art. 199 do CPP, feito na própria delegacia de polícia ou outro estabelecimento integrante da estrutura estatal, com a informação ao investigado de seus direitos constitucionais e a lavratura do termo respectivo. Realizado o ato em tais circunstâncias, há mais olhares de agentes públicos sobre o procedimento, o que por si só já exerce um efeito dissuasório maior do que aquele (in)existente na extração de uma confissão no próprio ato de prisão, na rua e longe do controle estatal. Estabelecimentos oficiais são conhecidos por todo o povo, passíveis de controle externo pelo Ministério Público (art. 129, VII, da Constituição Federal) e pelos Tribunais de Contas (arts. 70 e 75 da Constituição Federal), e são de livre ingresso pelos advogados (art. 7º, VI, "b" e "c", da Lei n. 8.906/1994); tudo isso constitui um plexo de garantias que torna a tortura-prova um pouco menos provável em tais locais do que em um beco deserto, um matagal remoto, um centro secreto de detenção.