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STF - Segunda Turma

HC 143.641-SP

Habeas Corpus

Paradigma

Relator: Ricardo Lewandowski

Julgamento: 20/02/2018

Publicação: 23/02/2018

STF - Segunda Turma

HC 143.641-SP

Tese Jurídica

Determinou-se a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas, ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício.
 

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Resumo Oficial

A Segunda Turma, por maioria, concedeu a ordem em “habeas corpus” coletivo, impetrado em favor de todas as mulheres presas preventivamente que ostentem a condição de gestantes, de puérperas ou de mães de crianças sob sua responsabilidade.

Determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar — sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP — de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas, ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas nesse processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício.

Estendeu a ordem, de ofício, às demais mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as restrições previstas acima.

Quando a detida for tecnicamente reincidente, o juiz deverá proceder em atenção às circunstâncias do caso concreto, mas sempre tendo por norte os princípios e as regras acima enunciadas, observando, ademais, a diretriz de excepcionalidade da prisão. Se o juiz entender que a prisão domiciliar se mostra inviável ou inadequada em determinadas situações, poderá substituí-la por medidas alternativas arroladas no já mencionado art. 319 do CPP. Para apurar a situação de guardiã dos filhos da mulher presa, dever-se-á dar credibilidade à palavra da mãe.

Faculta-se ao juiz, sem prejuízo de cumprir, desde logo, a presente determinação, requisitar a elaboração de laudo social para eventual reanálise do benefício. Caso se constate a suspensão ou destituição do poder familiar por outros motivos que não a prisão, a presente ordem não se aplicará.

A fim de se dar cumprimento imediato a esta decisão, deverão ser comunicados os Presidentes dos Tribunais Estaduais e Federais, inclusive da Justiça Militar Estadual e Federal, para que prestem informações e, no prazo máximo de 60 dias a contar de sua publicação, implementem de modo integral as determinações estabelecidas no presente julgamento, à luz dos parâmetros ora enunciados. Com vistas a conferir maior agilidade, e sem prejuízo da medida determinada acima, também deverá ser oficiado ao DEPEN para que comunique aos estabelecimentos prisionais a decisão, cabendo a estes, independentemente de outra provocação, informar aos respectivos juízos a condição de gestante ou mãe das presas preventivas sob sua custódia.

Deverá ser oficiado, igualmente, ao Conselho Nacional de Justiça — CNJ, para que, no âmbito de atuação do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, avalie o cabimento de intervenção nos termos preconizados no art. 1º, § 1º, II, da Lei 12.106/2009, sem prejuízo de outras medidas de reinserção social para as beneficiárias desta decisão. O CNJ poderá ainda, no contexto do Projeto Saúde Prisional, atuar junto às esferas competentes para que o protocolo de entrada no ambiente prisional seja precedido de exame apto a verificar a situação de gestante da mulher. Tal diretriz está de acordo com o Eixo 2 do referido programa, que prioriza a saúde das mulheres privadas de liberdade.

Os juízes responsáveis pela realização das audiências de custódia, bem como aqueles perante os quais se processam ações penais em que há mulheres presas preventivamente, deverão proceder à análise do cabimento da prisão, à luz das diretrizes ora firmadas, de ofício.

Embora a provocação por meio de advogado não seja vedada para o cumprimento desta decisão, ela é dispensável, pois o que se almeja é, justamente, suprir falhas estruturais de acesso à Justiça da população presa. Cabe ao Judiciário adotar postura ativa ao dar pleno cumprimento a esta ordem judicial. Nas hipóteses de descumprimento da presente decisão, a ferramenta a ser utilizada é o recurso, e não a reclamação, como já explicitado na ADPF 347 MC/DF (DJE de 19.2.2016).

Preliminarmente, a Turma entendeu cabível a impetração coletiva e, por maioria, conheceu do “habeas corpus”. Destacou a ação coletiva como um dos únicos instrumentos capazes de garantir o acesso à justiça dos grupos mais vulneráveis socioeconomicamente. Nesse sentido, o STF tem admitido com maior amplitude a utilização da ADPF e do mandado de injunção coletivo.

O “habeas corpus”, por sua vez, se presta a salvaguardar a liberdade. Assim, se o bem jurídico ofendido é o direito de ir e vir, quer pessoal, quer de um grupo determinado de pessoas, o instrumento processual para resgatá-lo é o “habeas corpus”, individual ou coletivo.

Esse remédio constitucional é notadamente maleável diante de lesões a direitos fundamentais, e existem dispositivos legais que encorajam o cabimento do “writ” na forma coletiva, como o art. 654, § 2º, do CPP, que preconiza a competência de juízes e tribunais para expedir ordem de “habeas corpus” de ofício. O art. 580 do mesmo diploma, por sua vez, permite que a ordem concedida em determinado “writ” seja estendida para todos que se encontram na mesma situação.

Além disso, a existência de outras ferramentas disponíveis para suscitar a defesa coletiva de direitos não deve obstar o conhecimento desta ação, pois o rol de legitimados não é o mesmo, mas consideravelmente mais restrito na ADPF, por exemplo. Além disso, o acesso à justiça, sobretudo de mulheres presas e pobres, diante de sua notória deficiência, não pode prescindir da atuação dos diversos segmentos da sociedade civil em sua defesa.

Ademais, as autoridades estaduais apresentaram listas contendo nomes e demais dados das mulheres presas preventivamente, de modo que fica superada qualquer alegação no sentido de as pacientes serem indeterminadas ou indetermináveis. O fato de a ordem, se concedida, poder se estender a outras mulheres em idêntica situação não representa novidade, ao contrário, constitui uma das consequências normais do instrumento.

Fundamental, ainda, que a decisão do STF, no caso, contribua para imprimir maior isonomia às partes envolvidas, para permitir que lesões a direitos potenciais ou atuais sejam sanadas com mais celeridade e para descongestionar o acervo de processos em trâmite no país.

Essas razões, somadas ao reconhecimento do estado de coisas inconstitucional do sistema prisional, bem assim à existência de decisões dissonantes sobre o alcance da redação do art. 318, IV e V, do CPP, impõem o reconhecimento da competência do STF para o julgamento do “writ”, sobretudo tendo em conta a relevância constitucional da matéria.

O ministro Dias Toffoli acresceu que, nos termos da Constituição, o mandado de segurança é cabível quando não cabe o “habeas corpus”; e é admissível o mandado de segurança coletivo. Por dedução, está prevista a possibilidade do “habeas corpus” coletivo. Entretanto, conheceu em parte da impetração, apenas no tocante a atos coatores advindos do STJ, sem prejuízo de eventual concessão da ordem de ofício, se o ato coator houver se originado nos demais juízos.

O ministro Edson Fachin também conheceu em parte da ação, para obstar a impetração “per saltum”.

No mérito, o Colegiado entendeu haver grave deficiência estrutural no sistema carcerário, que faz com que mulheres grávidas e mães de crianças, bem como as próprias crianças, sejam submetidas a situações degradantes, resultantes da privação de cuidados pré-natal e pós-parto e da carência de berçários e creches.

A respeito, apenas o STF se revela capaz, ante a situação descrita, de superar os bloqueios políticos e institucionais que vêm impedindo o avanço de soluções, o que significa cumprir à Corte o papel de retirar os demais Poderes da inércia, catalisar os debates e novas políticas públicas, coordenar ações e monitorar os resultados.

Além disso, existe a cultura do encarceramento, que se revela pela imposição exagerada de prisões provisórias a mulheres pobres e vulneráveis, e que resulta em situações que ferem a dignidade de gestantes e mães, com prejuízos para as respectivas crianças.

Ressalte-se que o país não tem conseguido garantir sequer o bem-estar de gestantes e mães que não estão inseridas no sistema prisional, ainda que o cuidado com a saúde maternal, de acordo com a ONU, seja prioritário no que concerne à promoção de desenvolvimento.

Assim, a atuação do Tribunal no sentido de coibir o descumprimento sistemático de regras constitucionais e infraconstitucionais referentes aos direitos das presas e de seus filhos é condizente com os textos normativos que integram o patrimônio mundial de salvaguarda dos indivíduos colocados sob a custódia do Estado.

As crianças, notadamente, sofrem as consequências desse quadro em flagrante violação aos arts. 227 e 5º, XLV, da CF, o que resulta em impactos ao seu bem-estar físico e psíquico e em danos ao seu desenvolvimento.

Portanto, diante desse panorama, é de se evitar a arbitrariedade judicial e a supressão de direitos, típicas de sistemas jurídicos que não dispõem de soluções coletivas para problemas estruturais. Nesse sentido, cabe ao STF estabelecer os parâmetros a serem observados pelos juízes quando se depararem com a possibilidade de substituir a prisão preventiva pela domiciliar.

Vencido, em parte, o ministro Edson Fachin, que concedeu a ordem para conferir interpretação conforme à Constituição aos incisos IV, V e VI do art. 318 do CPP, de modo que a substituição da prisão preventiva pela domiciliar esteja submetida à análise do caso concreto, para que se observe o melhor interesse da criança, sem revisão automática das medidas já decretadas.

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