O Plenário, em conclusão de julgamento no qual se discutiu o direito a diferenças de correção monetária dedepósitos em cadernetas de poupança, por alegados expurgos inflacionários decorrentes dos efeitos dos planos econômicos denominados Bresser, Verão, Collor I e Collor II, homologou acordo firmado entre poupadores e instituições financeiras — exceto no que tange ao plano Collor I (Informativos 730 e 748).
Os termos do acordo preveem o pagamento de mais de 12 bilhões de reais aos poupadores, que serão inscritos em plataforma digital preparada pelo CNJ. Os bancos irão analisar os requerimentos dos interessados, que terão direito de recorrer a nova análise. Os pagamentos serão feitos nas contas correntes dos beneficiários, que receberão os respectivos valores à vista ou parceladamente, a depender do montante.
Terão direito à reparação todos que haviam ingressado com ações coletivas e individuais para cobrar das instituições financeiras os valores referentes às correções. No caso das ações individuais, poupadores ou herdeiros que ingressaram judicialmente dentro do prazo prescricional de 20 anos da edição de cada plano também poderão receber os valores. Igualmente poderão aderir os poupadores que, com base em ações civis públicas, requereram execução de sentença coletiva até 31.12.2016.
O Colegiado, inicialmente, considerou viável o acordo no âmbito de processo objetivo. Esclareceu haver, no bojo da ação, notável conflito intersubjetivo, que comporta solução por meio de acordo apresentado para homologação. Assim, ao homologá-lo, o STF não chancela nenhuma interpretação peculiar dada à lei. Pelo contrário, não obstante o ajuste veicule diversas teses jurídicas, a homologação não as alcança, nem as legitima, e abrange apenas as disposições patrimoniais firmadas no âmbito de disponibilidade das partes. Portanto, a homologação apenas soluciona um incidente processual, para dar maior efetividade à prestação jurisdicional.
O Tribunal assinalou, ainda, que a ausência de disposição normativa expressa no que concerne a associações privadas não afasta a viabilidade do acordo. Isso porque a existência de previsão explícita unicamente quanto aos entes públicos diz respeito ao fato de que somente podem fazer o que a lei determina, ao passo que aos entes privados é dado fazer tudo que a lei não proíbe.
Estabeleceu haver cinco pontos passíveis de exame pelo julgador quanto à viabilidade do acordo: a) se realmente houve declaração de vontade de reconhecer o pedido, de renunciar ao direito ou de ajustar mútuas concessões entre as partes; b) se a matéria comporta ato de disposição; c) se os contratantes são titulares do direito do qual dispõem total ou parcialmente; d) se são capazes de transigir; e e) se estão adequadamente representados.
Constatou que os requisitos previstos nos itens “a”, “b” e “d” estão preenchidos. Por sua vez, no que se refere ao item “c”, ante previsão no acordo que, supostamente, prolongaria, por mais dois anos, a suspensão processual à qual estão sujeitas as ações relativas aos planos econômicos, deduziu não ser correta a interpretação. A aludida cláusula prevê, apenas, que decorrido o prazo de dois anos, não será mais possível aderir ao acordo, hipótese em que ações judiciais prosseguirão em seu normal andamento. Como não foram as partes que convencionaram a suspensão dos processos, elas não teriam competência para fazer persistir ou cessar a suspensão.
A respeito do item “e”, o Colegiado afirmou que o acordo foi firmado por entidades com relevante histórico de defesa dos interesses de seus associados e com notório interesse e participação em ações coletivas relativas ao tema dos planos econômicos. Ressalvou que representatividade adequada não previne maus acordos, mas consiste em salvaguarda para proteger os interesses de natureza coletiva. A esta salvaguarda, somam-se outras de igual envergadura nos presentes autos: a) publicidade ampla a todos os atos processuais e ao acordo coletivo; b) admissão de inúmeros “amicus curiae”; e c) a complementação da atuação das partes pela fiscalização do Ministério Público, com legitimidade ampla e independência funcional para tutelar direitos coletivos.
Apesar da existente controvérsia sobre a justiça do acordo, a incerteza sobre o resultado final do litígio e a existência das mencionadas salvaguardas recomendam a homologação da avença, com a possibilidade de os interessados aderirem a ela se desejarem.
Além disso, a disseminação das lides repetitivas no cenário jurídico e a possibilidade de solução por meio de processos coletivos estimula o STF a estabelecer parâmetros importantes para inúmeros casos análogos, conferindo maior previsibilidade a esses litígios.
No que tange aos honorários advocatícios, a despeito da racionalidade firmada no acordo, segundo a qual a efetivação dos direitos coletivos é, em regra, individualizada, evoluções na legislação processual conduzem a interpretação no sentido de ser possível e recomendável a execução coletiva mandamental.
As disposições do acordo que estabelecem percentuais fixos a serem pagos a título de honorários, quando confrontadas com casos em que a verba foi fixada judicialmente em valor superior, portanto, não violam direitos dos causídicos.
Isso porque, em primeiro lugar, para os autores individuais e para os exequentes das ações coletivas transitadas em julgado, o caráter voluntário do acordo está integralmente preservado. Além disso, se a parte e seu advogado decidirem, em conjunto, aderir ao acordo, o ato é duplamente voluntário. Se, entretanto, apenas a parte aderir, cabe um acordo privado entre ela e seu advogado, ou solução por meio das regras relativas ao contrato de mandato.
No que tange aos exequentes individuais de ações coletivas ainda não transitadas em julgado, em que a adesão é obrigatória e o título executivo judicial não está plenamente formado, exige-se atenção diferenciada, porque o Ministério Público tem atuado de forma preponderante no processo coletivo. A excepcionalidade da tutela privada de interesses públicos por meio de ações coletivas decorre da ausência de incentivos financeiros para a atuação da sociedade civil.
Assim, é responsabilidade do Judiciário superar as deficiências do sistema processual coletivo. O acordo em análise representa oportunidade de firmar incentivos reais para estimular as associações a assumir papel mais ativo na atuação processual coletiva, já que elas dispõem de vantagens institucionais para agir em nome do particular lesado.
O acordo deve ser, portanto, homologado como proposto, de maneira a pacificar a controvérsia espelhada nos autos, sem que isso implique qualquer comprometimento do STF com as teses jurídicas nele veiculadas, especialmente aquelas que pretendam, explícita ou implicitamente, vincular terceiras pessoas ou futuras decisões do Judiciário.