STF - Plenário

ACO 854-MS

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ACO 1.076-MS ACO 1.093-MS

Relator: Gilmar Mendes

Julgamento: 22/10/2020

Publicação: 24/02/2021

STF - Plenário

ACO 854-MS

Tese Jurídica

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) incidente nas operações de importação de mercadorias tem como sujeito ativo o estado em que localizado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário jurídico da mercadoria importada. A conclusão acerca de quem será o destinatário jurídico do bem depende da análise do negócio jurídico entabulado entre as partes e das circunstâncias fáticas do caso concreto.

Resumo Oficial

De acordo com o art. 155, II, da Constituição Federal (CF), o critério material de incidência do ICMS é a realização de operações relativas à circulação de mercadoria, ainda que as operações se iniciem no exterior, tendo o § 2º, IX, a, do mesmo artigo completado que o imposto incidirá também sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior. O aspecto material do fato gerador do ICMS incidente na importação é a circulação de mercadoria, caracterizada pela transferência do domínio (compra e venda), com a consequente entrada no território nacional de bem ou mercadoria advinda do exterior. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que não é a mera entrada da mercadoria no território nacional que enseja a incidência do ICMS-importação, pois deve haver circulação econômico-jurídica da mercadoria com transferência de domínio.

O desembaraço aduaneiro refere-se ao aspecto temporal do fato gerador da obrigação tributária, momento em que o tributo passa a ser exigível, entendimento que, inclusive é objeto da Súmula Vinculante 48 do STF.

O sujeito ativo competente para a instituição do ICMS-importação são os estados e o Distrito Federal, nos moldes do citado art. 155, II, da CF, que receberão as prestações pecuniárias relativas às operações de importação que se realizem nos limites do seu território. De acordo com o art. 4º da Lei Complementar (LC) 87/1996 (Lei Kandir), contribuinte é aquele que promove a importação, a qualquer título. Entre os Estados, conforme a redação do art. 155, § 2º, IX, a, da CF, o imposto caberá àquele onde estiver situado o domicílio ou estabelecimento do destinatário da mercadoria ou do bem. No entanto, a Constituição Federal não definiu qual deve ser considerado o estabelecimento destinatário da mercadoria.

Uma interpretação literal da previsão contida no art. 11, I, d, da LC 87/1996 poderia levar o intérprete a considerar como estabelecimento destinatário meramente aquele estado onde ocorreu o desembaraço aduaneiro. Ocorre que essa interpretação é incabível, visto que confunde o aspecto temporal do fato gerador (momento em que o tributo passa a ser exigível) com a sujeição exacional passiva, além de desconsiderar o próprio fato jurídico da importação, o que não se coaduna com o texto constitucional. De fato, a jurisprudência desta Corte já se posicionou sobre essa questão no sentido de considerar que o destinatário é o destinatário econômico-jurídico do bem; e de que o local do desembaraço aduaneiro não se confunde com o local do destinatário jurídico da importação, ainda que possam ser faticamente o mesmo.

Na importação própria, sob encomenda, o destinatário jurídico da mercadoria é o estabelecimento importador.

A Secretaria da Receita Federal do Brasil admite três formas de importação de bens do exterior: por conta própria, por conta e ordem de terceiro e por encomenda. Na importação por conta própria, a importadora adquire bens no exterior em seu nome e os revende posteriormente para terceiros. Nessa hipótese, existem dois contratos de compra e venda: um entre o fornecedor estrangeiro e o importador, e outro entre o importador e o adquirente no mercado interno. Nessa situação, a venda do bem no mercado interno é negócio jurídico estranho à importação, pois a importadora possui a livre disponibilidade do bem para dar a ele a procedência que melhor lhe aprouver. Já na importação por conta e ordem de terceiros, o adquirente da mercadoria importada contrata empresa intermediária, prestadora de serviço para que promova, por conta e ordem da contratante, o despacho de importação da mercadoria em nome desta. Aqui, a empresa importadora é mera prestadora de serviços, sendo claro que o real importador é o adquirente da mercadoria.

A importação por encomenda se equipara, para a maioria da doutrina, à importação por conta própria, tendo em vista que a importadora ou trading não é uma mera intermediária ou prestadora de serviço; nas duas hipóteses, o importador realiza duas operações: a primeira relativa à importação de mercadoria do exterior em seu próprio nome, e a segunda (em decorrência ou não de encomenda), relativa à venda desse bem ou mercadoria no mercado interno. Nesses casos, em que ocorrem duas operações, haverá, consequentemente, duas hipóteses de incidência do ICMS: uma referente ao fato jurídico da importação do bem, na qual deverá ser cobrado o ICMS-importação previsto no art. 155, § 2º, IX, a, da CF, e a outra concernente à posterior venda desse mesmo bem no mercado interno, momento em que incidirá a regra constante do caput do art. 155.

Ou seja, na importação própria, sob encomenda, a importadora não é mera intermediária do consumidor interno ou simples prestadora de serviço, porque atua por conta própria, negociando e internalizando o bem no mercado para posterior revenda, independentemente de esta ter sido negociada antes ou depois da importação. Por isso, nessa hipótese, o destinatário jurídico da mercadoria é o estabelecimento importador.

O fato de o gás natural não poder ser estocado no estabelecimento do importador não altera a sujeição exacional ativa e passiva do ICMS-importação.

A circulação que importa para a hipótese de incidência do ICMS é a circulação econômico-jurídica de bens, o que significa a alteração da titularidade sem que seja necessário o deslocamento físico da mercadoria. A própria LC 87/1996 contempla a figura da circulação jurídica ou simbólica (art. 12) e dispensa, em seu art. 20, a entrada física dos bens no estabelecimento para que ocorra a compensação do imposto. Ou seja, de acordo com essa previsão, o direito de crédito existe a partir da circulação jurídica de bens, independentemente da ocorrência de circulação física.

No que se refere ao gás natural, devido a sua composição química, é impossível, fisicamente, a armazenagem e estocagem no estabelecimento do importador. A transferência de gás natural em sua forma gasosa se opera de modo contínuo e sua alocação apenas é viável depois de submetida a processo de industrialização, quando assume a forma líquida e não mais gasosa. Acrescente-se que, o Plenário do STF, em sede de repercussão geral (Tema 520), declarou a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto do art. 11, I, d, da LC 87/1996, para afastar o entendimento segundo o qual o local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável pelo tributo, seria apenas o da entrada física do bem importado, tendo em vista, exatamente a juridicidade de circulação ficta de mercadoria, desde que haja efetivo negócio jurídico.

No caso, mediante contrato de importação própria, sob encomenda, estabelecimento da Petrobras, localizado em Corumbá/MS, adquire gás natural diretamente de empresa na Bolívia. O gás é entregue à Petrobras no ponto em que ocorre a sua entrada no território nacional, naquele município. Há a transferência da titularidade jurídica do bem, na qual o gás sai da esfera jurídica da empresa boliviana e passa à titularidade da Petrobras e, somente uma vez internalizado, passa a ser de domínio das empresas situadas nos territórios dos estados requeridos, ocorrendo, dessa forma, dois negócios jurídicos com dupla incidência tributária.

Com esse entendimento o Plenário, por maioria, julgou procedentes pedidos formulados em ações cíveis originárias, para, reconhecendo a sujeição ativa exacional do estado de Mato Grosso do Sul, envolvendo os atuais contratos de importação de gás natural da Bolívia do gasoduto Gasbol, determinar aos estados de Santa Catarina, de São Paulo e do Rio Grande do Sul que se abstenham de formular qualquer tipo de autuação ou lançamento tributário do ICMS incidente sobre as operações de importação de gás natural advindo da Bolívia e realizada pela Petrobras - Corumbá/MS; e de prosseguirem com as cobranças já iniciadas. Vencidos os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Marco Aurélio e Rosa Weber que julgaram os pedidos improcedentes.

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