REsp 2.154.295-RS
STJ • Primeira Seção
Recurso Especial
Outros Processos nesta Decisão
REsp 2.163.058-SC
Relator: Afrânio Vilela
Julgamento: 08/10/2025
Publicação: 14/10/2025
Tese Jurídica
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A controvérsia em apreciação, submetida ao rito dos recursos especiais repetitivos, foi assim delimitada: "Definir se, no processo administrativo para imposição de sanções por infração ao meio ambiente, regulado pelo Decreto n. 6.514/2008, é válida a intimação por edital para a apresentação de alegações finais, mesmo nos casos em que o autuado possui endereço certo e conhecido pela Administração".
Com efeito o Decreto n. 6.514, de 22 de julho de 2008, regula o processo administrativo federal para apuração de infrações ambientais e imposição das respectivas sanções.
À época dos fatos relacionados ao caso, o mencionado decreto previa, para após o encerramento da instrução, duas formas distintas de intimar o autuado para que apresentasse suas alegações finais: (a) havendo parecer pela manutenção da autuação, seria publicado pela autoridade julgadora edital em sua sede administrativa e em sítio na rede mundial de computadores a relação dos processos que entrariam na pauta de julgamento, para fins de apresentação de alegações finais (art. 122, parágrafo único); e (b) havendo parecer pelo agravamento da penalidade, o autuado deveria ser cientificado antes da respectiva decisão, por meio de aviso de recebimento, para que se manifestasse no prazo das alegações finais (art. 123, parágrafo único).
A questão em julgamento trata apenas da validade das intimações realizadas por edital nos casos com parecer pela manutenção da autuação.
Nesse sentido, a previsão então contida no art. 122, parágrafo único, do Decreto n. 6.514/2008 contraria o disposto no art. 26, § 3º, da Lei n. 9.784/1999, pois a mera publicação de edital em sítio na rede mundial de computadores e na sede administrativa da autoridade julgadora não assegurava "a certeza da ciência do interessado" acerca do início do prazo para apresentação de alegações finais.
Contudo, é tradição do sistema processual nacional (arts. 277 e 282, § 1º, do CPC e 563 do CPP) e da jurisprudência do Superior Tribunal a adoção do princípio pas de nullité sans grief. Ou seja, não há nulidade processual sem demonstração de prejuízo.
De fato, no âmbito do processo civil, o art. 277 do CPC prevê que, "quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade". Já o art. 282, § 1º, do CPC estipula que "o ato não será repetido nem sua falta será suprida quando não prejudicar a parte".
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar a validade das intimações por edital previstas no art. 122, parágrafo único, do Decreto n. 6.514/2008, já decidiu pela necessidade de demonstração de efetivo prejuízo para a defesa para fins de reconhecimento de nulidade do processo (REsp n. 1.933.440/RS, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 16/4/2024, DJe de 10/5/2024).
Importante registrar, ainda, que esse vício na forma de intimação para fins de apresentação de alegações finais vigorou até a edição do Decreto n. 9.760, de 11 de abril de 2019, que, dando nova redação ao citado art. 122, parágrafo único, passou a determinar que a notificação do autuado fosse realizada "por via postal com aviso de recebimento ou por outro meio válido que assegure a certeza de sua ciência".
Atualmente, vigora a redação dada pelo Decreto n. 11.373, de 1º de Janeiro de 2023, que, acrescentando parágrafos ao mencionado art. 122, passou a estabelecer que a notificação para apresentação de alegações finais será feita por via postal com aviso de recebimento; notificação eletrônica, observado o disposto no § 4º do art. 96; ou outro meio válido.
Ante o exposto, fixa-se a seguinte tese do Tema Repetitivo 1329/STJ: No âmbito do procedimento administrativo para apuração das infrações ao meio ambiente e imposição das respectivas sanções, a intimação por edital para apresentação de alegações finais, prevista na redação original do art. 122, parágrafo único, Decreto n. 6.514/2008, somente acarretará nulidade dos atos posteriores caso a parte demonstre a existência de efetivo prejuízo para a defesa, inclusive no momento prévio ao recolhimento de multa.
Contexto
A controvérsia submetida ao Superior Tribunal de Justiça (Tema Repetitivo 1329/STJ) envolveu a validade da intimação por edital para apresentação de alegações finais em processos administrativos ambientais regidos pelo Decreto nº 6.514/2008, especialmente quando o autuado possui endereço certo e conhecido pela Administração Pública.
O Decreto nº 6.514/2008 disciplina o processo administrativo federal para apuração de infrações ambientais e aplicação das respectivas sanções. À época dos fatos, previa duas modalidades distintas de intimação ao final da instrução:
A discussão concentrou-se na primeira hipótese, em que a Administração intimava o autuado somente por edital, ainda que este tivesse endereço conhecido, levantando dúvidas quanto à compatibilidade do procedimento com o devido processo legal e o direito à ampla defesa.
Julgamento
O STJ reconheceu que a forma de intimação prevista originalmente no art. 122, parágrafo único, do Decreto nº 6.514/2008 contrariava o art. 26, § 3º, da Lei nº 9.784/1999, pois não assegurava “a certeza da ciência do interessado” sobre o início do prazo para apresentar alegações finais.
Contudo, aplicando o princípio pas de nullité sans grief (“não há nulidade sem prejuízo”), o Tribunal decidiu que a nulidade dos atos processuais só deve ser reconhecida se comprovado efetivo prejuízo à defesa. Assim, mesmo que o meio de intimação não tenha seguido o modelo legal ideal, o ato é válido se cumpriu sua finalidade e se o autuado teve ciência suficiente para exercer o contraditório.
O STJ observou ainda que a irregularidade na forma de intimação foi sanada com a edição do Decreto nº 9.760/2019, que passou a exigir notificação por via postal com aviso de recebimento ou outro meio que assegure a ciência do autuado. Posteriormente, o Decreto nº 11.373/2023 consolidou o entendimento, prevendo também a notificação eletrônica.
Por fim, fixou-se que o vício de forma no procedimento anterior não implica automaticamente nulidade do processo, devendo a parte interessada demonstrar concretamente o prejuízo sofrido.
Pontos principais da decisão