A controvérsia consiste em definir se o conceito de "função pública de direção", contido no preceito legal do art. 11 da Lei n. 13.254/2016, que instituiu o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), abrange o exercício de presidência de sociedade por ações de capital fechado, na qual subsidiária de sociedade de economia mista federal detenha participação acionária relevante, embora não majoritária.
Destaca-se, de início, que o conceito de "função pública" não é inequívoco. Por um lado, tem-se aquilo que se pode chamar de função pública em sentido estrito, o que corresponde ao plexo de atribuições de direção, chefia ou assessoramento que são cometidas por lei a servidores públicos ocupantes de cargo efetivo na administração. Trata-se das "funções de confiança" a que se refere o art. 37, V, da Constituição Federal, e que, na esfera federal, são pormenorizadamente reguladas por dispositivos da Lei n. 8.112/1990, que as denomina também como "função gratificada" (art. 93, § 6º) ou "função comissionada" (artigos 60-D e 127).
Sob outro prisma, tem-se o conceito de função pública em sentido amplo, definido pela doutrina como "qualquer atividade do Estado que vise diretamente à satisfação de uma necessidade ou conveniência pública". Em sentido lato, vê-se que o exercício de função pública não é exclusivo de servidor público (exercente de cargo, emprego ou função em sentido estrito), podendo a função pública ser cometida a indistintos agentes públicos, os quais a doutrina define como "os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente".
Não parece haver dúvidas de que presidente de sociedade anônima, eleito por assembleia de acionistas disciplinada nos termos da Lei n. 6.404/1976, não ocupa cargo efetivo na administração pública direta ou indireta, colocando-se, portanto, completamente à margem do conceito de "função pública" em seu sentido estrito, tal como acima conceituado.
Mais complexo se torna o exame da matéria quando compreendida a expressão "função pública de direção" contida no art. 11 da Lei n. 13.254/2016 em seu sentido amplo, hipótese que demanda, então, investigar-se a natureza jurídica de uma sociedade por ações de capital fechado, formada a partir de parceria estratégica firmada por empresas privadas e por subsidiária de sociedade de economia mista federal que detém participação acionária relevante, embora não majoritária, como, por exemplo, o Banco do Brasil.
O Tribunal de Contas da União, em levantamento realizado com o objetivo de conhecer o processo de trabalho de parcerias estratégicas do Banco do Brasil S/A e suas subsidiárias, reconheceu a "parceria estratégica" como sendo a "associação de longo prazo entre duas ou mais empresas que buscam, sem prejuízo de suas estratégias individuais, complementariedade para incrementar os seus negócios, reduzir custos, compartilhar riscos e benefícios, ampliar sua capilaridade e/ou alavancar capacitações, visando ser mais competitivas no mercado" (TCU, Relatório de Levantamento 018.149/2020-0, Plenário, Acórdão 3.230/2020, Rel. Ministro Bruno Dantas, j. 02/12/2020).
Segundo informação constante no acórdão do Tribunal de Contas da União, no caso de o parceiro público deter 49,99% da participação acionária da companhia, tal fato confere para a sociedade por ações de capital fechado então, o status de "sociedade privada", ou seja, "entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e cuja maioria do capital votante não pertença direta ou indiretamente à União, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município" (Decreto n. 8.945/2016, art. 2º, VI).
A natureza de sociedade privada, afirmada no mencionado decreto regulamentador da Lei n. 13.303/2016 (estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias), dispensa a edição de lei específica para que o parceiro público participe dela, bastando, para tanto, autorização conferida pelo conselho de administração decorrente da constatação de que a participação está em linha com o plano de negócios do ente estatal (Lei n. 13.303/2016, art. 2º, § 3º). Além disso, embora possua "sócio" minoritário público, não se exige da sociedade privada obediência ao regime de aquisição de bens e serviços por licitação, ou mesmo observância de concurso público para a contratação de pessoal, embora a lei imponha ao parceiro público minoritário que adote, no exercício do dever de fiscalização da companhia privada, práticas de governança e controle proporcionais à relevância, à materialidade e aos riscos do negócio (art. 1º, § 7º, caput).
Essas características essenciais da sociedade privada formada a partir de uma parceria estratégica entre empresas privadas e sociedade anônima controlada pelo Estado (parceiro minoritário) conduzem à conclusão de que, respeitado o critério legal previsto no art. 4º do Decreto-Lei n. 200/1967 ("A Administração Federal compreende: I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios. II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; b) Empresas Públicas; c) Sociedades de Economia Mista. d) fundações públicas"), não há como se considerar a sociedade privada como sendo integrante da administração pública direta ou indireta.
O administrador da sociedade privada, por sua vez, não atua com vistas à satisfação de interesses públicos, mas sim ao atendimento dos interesses da companhia que administra, submetendo-se, com exclusividade, aos controles e responsabilidades previstos na Lei n. 6.404/1976, que rege toda e qualquer sociedade por ações, inclusive aquelas nas quais presente a participação societária minoritária por ente estatal. Dessa forma, ele não pode ser rotulado como agente público, mas sim privado, e não exerce função pública de direção, ainda quando tomada essa figura jurídica por seu sentido mais amplo.
Sendo assim, considerando-se a ratio decidendi da ADI 5.586/DF, os conceitos de função pública e agente público tal como doutrinariamente estabelecidos, bem como o arranjo societário que deu origem à sociedade privada parceira de ente público, conclui-se que o presidente desse tipo de sociedade não exerce "função pública de direção" tal como prevista no art. 11 da Lei n. 13.254/2016. Não incide, por conseguinte, o referido preceito legal a tal sociedade privada, de modo que esta não pode ser privada dos benefícios fiscais e tributários instituídos pelo RERCT.
A controvérsia consiste em definir se o conceito de "função pública de direção", contido no preceito legal do art. 11 da Lei n. 13.254/2016, que instituiu o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), abrange o exercício de presidência de sociedade por ações de capital fechado, na qual subsidiária de sociedade de economia mista federal detenha participação acionária relevante, embora não majoritária.
Destaca-se, de início, que o conceito de "função pública" não é inequívoco. Por um lado, tem-se aquilo que se pode chamar de função pública em sentido estrito, o que corresponde ao plexo de atribuições de direção, chefia ou assessoramento que são cometidas por lei a servidores públicos ocupantes de cargo efetivo na administração. Trata-se das "funções de confiança" a que se refere o art. 37, V, da Constituição Federal, e que, na esfera federal, são pormenorizadamente reguladas por dispositivos da Lei n. 8.112/1990, que as denomina também como "função gratificada" (art. 93, § 6º) ou "função comissionada" (artigos 60-D e 127).
Sob outro prisma, tem-se o conceito de função pública em sentido amplo, definido pela doutrina como "qualquer atividade do Estado que vise diretamente à satisfação de uma necessidade ou conveniência pública". Em sentido lato, vê-se que o exercício de função pública não é exclusivo de servidor público (exercente de cargo, emprego ou função em sentido estrito), podendo a função pública ser cometida a indistintos agentes públicos, os quais a doutrina define como "os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente".
Não parece haver dúvidas de que presidente de sociedade anônima, eleito por assembleia de acionistas disciplinada nos termos da Lei n. 6.404/1976, não ocupa cargo efetivo na administração pública direta ou indireta, colocando-se, portanto, completamente à margem do conceito de "função pública" em seu sentido estrito, tal como acima conceituado.
Mais complexo se torna o exame da matéria quando compreendida a expressão "função pública de direção" contida no art. 11 da Lei n. 13.254/2016 em seu sentido amplo, hipótese que demanda, então, investigar-se a natureza jurídica de uma sociedade por ações de capital fechado, formada a partir de parceria estratégica firmada por empresas privadas e por subsidiária de sociedade de economia mista federal que detém participação acionária relevante, embora não majoritária, como, por exemplo, o Banco do Brasil.
O Tribunal de Contas da União, em levantamento realizado com o objetivo de conhecer o processo de trabalho de parcerias estratégicas do Banco do Brasil S/A e suas subsidiárias, reconheceu a "parceria estratégica" como sendo a "associação de longo prazo entre duas ou mais empresas que buscam, sem prejuízo de suas estratégias individuais, complementariedade para incrementar os seus negócios, reduzir custos, compartilhar riscos e benefícios, ampliar sua capilaridade e/ou alavancar capacitações, visando ser mais competitivas no mercado" (TCU, Relatório de Levantamento 018.149/2020-0, Plenário, Acórdão 3.230/2020, Rel. Ministro Bruno Dantas, j. 02/12/2020).
Segundo informação constante no acórdão do Tribunal de Contas da União, no caso de o parceiro público deter 49,99% da participação acionária da companhia, tal fato confere para a sociedade por ações de capital fechado então, o status de "sociedade privada", ou seja, "entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e cuja maioria do capital votante não pertença direta ou indiretamente à União, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município" (Decreto n. 8.945/2016, art. 2º, VI).
A natureza de sociedade privada, afirmada no mencionado decreto regulamentador da Lei n. 13.303/2016 (estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias), dispensa a edição de lei específica para que o parceiro público participe dela, bastando, para tanto, autorização conferida pelo conselho de administração decorrente da constatação de que a participação está em linha com o plano de negócios do ente estatal (Lei n. 13.303/2016, art. 2º, § 3º). Além disso, embora possua "sócio" minoritário público, não se exige da sociedade privada obediência ao regime de aquisição de bens e serviços por licitação, ou mesmo observância de concurso público para a contratação de pessoal, embora a lei imponha ao parceiro público minoritário que adote, no exercício do dever de fiscalização da companhia privada, práticas de governança e controle proporcionais à relevância, à materialidade e aos riscos do negócio (art. 1º, § 7º, caput).
Essas características essenciais da sociedade privada formada a partir de uma parceria estratégica entre empresas privadas e sociedade anônima controlada pelo Estado (parceiro minoritário) conduzem à conclusão de que, respeitado o critério legal previsto no art. 4º do Decreto-Lei n. 200/1967 ("A Administração Federal compreende: I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios. II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; b) Empresas Públicas; c) Sociedades de Economia Mista. d) fundações públicas"), não há como se considerar a sociedade privada como sendo integrante da administração pública direta ou indireta.
O administrador da sociedade privada, por sua vez, não atua com vistas à satisfação de interesses públicos, mas sim ao atendimento dos interesses da companhia que administra, submetendo-se, com exclusividade, aos controles e responsabilidades previstos na Lei n. 6.404/1976, que rege toda e qualquer sociedade por ações, inclusive aquelas nas quais presente a participação societária minoritária por ente estatal. Dessa forma, ele não pode ser rotulado como agente público, mas sim privado, e não exerce função pública de direção, ainda quando tomada essa figura jurídica por seu sentido mais amplo.
Sendo assim, considerando-se a ratio decidendi da ADI 5.586/DF, os conceitos de função pública e agente público tal como doutrinariamente estabelecidos, bem como o arranjo societário que deu origem à sociedade privada parceira de ente público, conclui-se que o presidente desse tipo de sociedade não exerce "função pública de direção" tal como prevista no art. 11 da Lei n. 13.254/2016. Não incide, por conseguinte, o referido preceito legal a tal sociedade privada, de modo que esta não pode ser privada dos benefícios fiscais e tributários instituídos pelo RERCT.