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STJ - Primeira Turma

REsp 1.608.161-RS

Recurso Especial

Relator: Regina Helena Costa

Julgamento: 06/08/2024

Publicação: 09/08/2024

STJ - Primeira Turma

REsp 1.608.161-RS

Tese Jurídica Simplificada

Os atos do CARF só podem ser invalidados pelo Poder Judiciário em situações bastante específicas: (i) quando for evidente a ilegalidade, (ii) quando forem contrários a entendimento jurisprudencial, ou (iii) quando houver houver desvio/abuso de poder. 

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Contexto 

O julgado discute se as decisões proferidas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) podem ser invalidadas pelo Poder Judiciário em ação popular.

Sabe-se que a ação popular tem como principal objetivo anular ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultural. 

Nesse sentido, o artigo 5º, LXXIII, da CF/88:

 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

Em resumo, o CARF é um órgão colegiado do Ministério da Fazenda, e "julga os recursos de ofício e voluntário de decisão de primeira instância, bem como os recursos de natureza especial, que tratem sobre a aplicação da legislação referente a tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil”.

No caso, a ação popular foi proposta por Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, buscando a anulação de acórdão proferido no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, o qual negou provimento a recurso administrativo interposto pela Fazenda Nacional, mantendo, consequentemente, decisão exarada pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento - DRJ.

Julgamento 

Para a Primeira Turma do STJ, o Poder Judiciário pode invalidar ato do CARF lesivo ao patrimônio público, seja ele favorável ou contrário ao Fisco, quando houver:

  • Manifesta ilegalidade;
  • Contrariedade aos precedentes jurisdicionais;
  • Desvio ou abuso de poder; 

A Corte destaca que o CARF, em âmbito federal, é órgão integrante da Administração Pública e tem como atribuição decidir acerca dos litígios tributários de alçada federal. Esse órgão tem composição paritária em razão do princípio da democracia participativa. 

O CARF figura como instância máxima na estrutura hierárquica de solução de conflitos fiscais e tem como principais objetivos viabilizar:

  1. o rápido encerramento de contendas tributárias em ambiente consensual
  2. o incremento da cultura de estímulo à desjudicialiazação

De toda forma, o órgão integrante da Administração Pública, o CARF está sujeito ao princípio da legalidade. Nesse sentido, as conclusões do CARF só podem ser afastadas em situações bastante específicas: quando for evidente a ilegalidade, quando forem contrárias a entendimento jurisprudencial ou quando houver desvio/abuso de poder. 

Caso as decisões do CARF fossem afastadas por outros motivos, a participação da sociedade civil na tomada de decisões acabaria prejudicada, situação que também tornaria desnecessário o principal mecanismo extrajudicial de solução de controvérsias tributárias federais.

Tese Jurídica Oficial

A invalidação, pelo Poder Judiciário, de ato do CARF lesivo ao patrimônio público, seja ele favorável ou contrário ao Fisco, somente é possível quando eivado de manifesta ilegalidade, contrário a sedimentados precedentes jurisdicionais ou incorrido em desvio ou abuso de poder.

Resumo Oficial

Cinge-se a controvérsia acerca do manejo da Ação Popular para fins de controle de atos da Administração Pública. Na hipótese, a referida Ação foi proposta por Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, buscando a anulação de acórdão proferido no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, o qual negou provimento a recurso administrativo aviado pela Fazenda Nacional, mantendo, consequentemente, decisão exarada pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento - DRJ.

A ação popular tem por fundamento axiológico a participação da sociedade civil nos afazeres estatais, direito cuja consagração ganhou contornos mais expansivos com a promulgação da atual Constituição da República. Notadamente, em seu art. 1º, parágrafo único, há a outorga aos membros do corpo social a prerrogativa de atuarem diretamente na tomada de decisões públicas, emprestando, assim, maior legitimidade às ações do Estado.

Nessa conjuntura, a ordem constitucional alberga uma plêiade de instrumentos implementadores da atuação direta do cidadão na proteção de interesses coletivos. Além dessas hipóteses, em densificação ao primado da soberania popular, faculta-se ao legislador a criação de órgãos públicos compostos por membros da sociedade civil para deliberação sobre as mais distintas políticas públicas, orientação já acolhida pelo Supremo Tribunal Federal em precedente vinculante (cf. ADPF n. 623/DF, Relatora Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 22.5.2023, DJe 18.7.2023).

Dentre os conselhos deliberativos legalmente instituídos como corolários da democracia participativa, o Conselho Administrativo dos Recursos Fiscais - CARF destaca-se pela sua composição deliberativa paritária e imanente função de decidir acerca dos litígios tributários de alçada federal, cujas decisões foram dotadas de caráter definitivo, sejam elas favoráveis ou contrárias aos interesses do Fisco, como se verifica dos regramentos previstos nos arts. 42, II e III, 43 e 45 do Decreto n. 70.235/1972

Consoante a dicção dos arts. 142 e 145, I, do Código Tributário Nacional, uma vez constituído o crédito tributário pelo lançamento - ato administrativo vinculado mediante o qual se procede à identificação dos sujeitos da relação tributária, bem como à apuração do valor a ser pago a título de tributo, de modo a conferir exigibilidade ao correspondente crédito -, faculta-se ao contribuinte ou ao responsável a apresentação de impugnação tendente a modificar, a alterar ou a extinguir a exigência fiscal.

No âmbito federal, a insurgência apresentada em face do lançamento inaugura a fase litigiosa do contencioso tributário, cabendo a órgãos integrantes da Administração Pública, compostos por representantes dos contribuintes, deliberação definitiva acerca da matéria. Tal processo administrativo fiscal federal é regulado pelos arts. 14 e 25 do Decreto n. 70.235/197, de modo que o julgamento dos recursos apresentados pelos sujeitos passivos incumbe, em primeira instância, às Delegacias da Receita Federal de Julgamento - DRJ, e, em segunda instância, ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, órgão colegiado e paritário integrante da estrutura do Ministério da Fazenda.

A despeito de sua composição paritária, o CARF constitui órgão componente da estrutura administrativa da União - estando, por isso, jungido ao princípio da legalidade -, razão pela qual suas decisões são imputadas diretamente à pessoa jurídica da qual é parte integrante. À falta de previsão normativa em sentido diverso, porquanto seus julgados não são passíveis de revisão por nenhum outro órgão administrativo, atribuindo-se, por isso, primazia às deliberações tomadas em ambiente dialógico entre membros do corpo social e servidores públicos efetivos.

A par disso, a instituição, no âmbito da Administração Pública Federal, de estrutura hierárquica para a solução dos conflitos fiscais e na qual o CARF figura como instância máxima, privilegia a resolução extrajudicial de litígios, viabilizando, em consequência, (i) o célere encerramento de contendas tributárias em ambiente consensual e (ii) o incremento da cultura de estímulo à desjudicialiazação, diretrizes fundantes da Política Judiciária de Tratamento à Alta Litigiosidade do Contencioso Tributário aprovada pela Resolução CNJ n. 471/2022 (art. 2º, VI e VII).

Assim, conquanto não se olvide sua natureza administrativa - legitimando, por tal razão, o manejo de ação popular por qualquer cidadão visando à invalidação de ato do CARF lesivo ao patrimônio público, seja ele favorável ou contrário ao Fisco -, eventual controle judicial de suas conclusões deve considerar o papel reservado ao indicado colegiado na estrutura da Administração Pública Federal, especialmente quando do escrutínio das teses jurídicas levadas em conta para a consolidação do juízo hermenêutico acerca da interpretação da legislação tributária, de modo a somente afastar as conclusões alcançadas se eivadas de manifesta ilegalidade, contrárias a sedimentados precedentes jurisdicionais ou incorridas em desvio ou abuso de poder.

Exegese diversa teria o condão de tornar irrelevante a participação da sociedade civil na tomada de decisões pelo Poder Público e supérfluo o principal mecanismo extrajudicial de solução de controvérsias tributárias federais, uma vez que acórdãos exonerativos do dever de pagar tributos sempre estariam sujeitos à revisão por instância distinta, independentemente de quaisquer outras indagações substantivas.

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