> < Informativos > Informativo 782 - STJ > REsp 1.951.662-RS

STJ - Segunda Seção

REsp 1.951.662-RS

Recurso Especial

Paradigma

Outros Processos nesta Decisão

REsp 1.951.888-RS

Relator: João Otávio de Noronha

Julgamento: 09/08/2023

Publicação: 20/10/2023

STJ - Segunda Seção

REsp 1.951.662-RS

Tese Jurídica Simplificada

Para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, basta o envio da notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no contrato, sem necessidade da prova do recebimento, seja pelo próprio devedor, seja por terceiros.

Nossos Comentários

Contexto e controvérsia

A alienação fiduciária é uma forma de garantia de uma obrigação principal, mais comumente obrigação de pagar, sendo o objeto da garantia o próprio bem em pagamento.

O principal diferencial desta modalidade de garantia é que ela envolve a transferência de um bem do devedor de forma provisória ao credor, até que a obrigação garantida seja cumprida, quando a propriedade do bem retornará ao devedor. É o que chamamos de propriedade resolúvel.

Embora a propriedade seja provisoriamente do credor, em regra, há o desdobramento da posse, de forma que o devedor permanece na posse do bem que foi objeto da alienação e o credor apenas na posse indireta.

No caso concreto, um banco ajuizou ação de busca e apreensão de veículo em face de um cliente em razão de inadimplemento contratual, sendo que as partes haviam pactuado entre si contrato de alienação fiduciária em garantia. O juízo de primeiro grau indeferiu a petição inicial ante a falta de constituição em mora do devedor, pois o banco deixou de entregar notificação extrajudicial ao réu, o que foi mantido pelo Tribunal de origem.

O processo chegou ao STJ. O banco recorrente afirmou que o simples envio da correspondência para o endereço indicado no contrato é suficiente para a comprovação da mora, considerando que a lei dispensa o recebimento da notificação pelo próprio devedor. 

Sendo assim, surge a seguinte questão: como comprovar a mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária? O credor deve provar que a assinatura no Aviso de Recebimento (AR) é do próprio devedor?

Julgamento

O STJ entendeu que, para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, é suficiente o envio da notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no contrato, sem necessidade da prova do recebimento, seja pelo próprio devedor, seja por terceiros. 

De acordo com o art. 2°, §2° do Decreto-Lei 911/1969, nos contratos de alienação fiduciária, a mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com AR, não exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.

Logo, infere-se que, para a constituição do devedor em mora, basta o vencimento do prazo para pagamento, tendo em conta a expressão legal "simples vencimento".

Ao dispensar a interpelação do devedor para sua constituição em mora, o legislador estabelece regra segundo a qual a chegada do dia do vencimento da obrigação corresponde a uma interpelação, de modo que, não havendo pagamento no momento ajustado, encontra-se em mora o devedor. Desse modo, se a mora decorre do mero inadimplemento, independe de qualquer atitude do credor, já que provém automaticamente do atraso.

O legislador estabeleceu, ainda, que a mora poderá ser comprovada por "carta registrada com Aviso de Recebimento", dispondo expressamente que não se exige "que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário". Considerando que o legislador escolheu a palavra "poderá" em vez de "deverá", tem-se que a mora independe de comprovação, constituindo mera formalidade.

A Segunda Seção já possui entendimento pacífico no sentido de que, na alienação fiduciária, a mora constitui-se ex re, ou seja, decorre automaticamente do vencimento do prazo para pagamento. 

Além disso, no entendimento do STJ, a lei tão somente estabeleceu a forma do processo nos casos em que a garantia do crédito deu-se por alienação fiduciária, na medida em que a cláusula de alienação fiduciária representa uma via de mão dupla, ou seja, é uma garantia bilateral, uma vez que a vantagem econômica do contrato é visada por ambas as partes e não somente pelo credor.

Desse modo, por tratar-se de negócio jurídico bilateral, em que foi estabelecida a alienação fiduciária em garantia e cujo objetivo é a vantagem econômica e o equilíbrio nas relações entre as partes, não se pode permitir que, na conclusão desse negócio, ocorra um desequilíbrio, ou seja, as regras sejam tendenciosas e tragam mais ônus ao credor em benefício exclusivo do devedor.

Conclui-se que, para ajuizar ação de busca e apreensão, basta que o credor comprove o envio de notificação com AR por correio ao endereço indicado no contrato, sendo desnecessário seu recebimento pessoal pelo devedor. Essa conclusão abrange também os casos em que a notificação enviada ao endereço do devedor retorna com aviso de "ausente", de "mudou-se", de "insuficiência do endereço do devedor" ou de "extravio do aviso de recebimento". 

Tese Jurídica Oficial

Para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, é suficiente o envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no instrumento contratual, dispensando-se a prova do recebimento, quer seja pelo próprio destinatário, quer por terceiros.

Resumo Oficial

A controvérsia cinge-se a definir se, para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, é suficiente, ou não, o envio de notificação extrajudicial ao endereço do devedor indicado no instrumento contratual e se é dispensável, por conseguinte, a prova de que a assinatura do Aviso de Recebimento (AR) seja do próprio destinatário.

O art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969 é expresso ao prever que a mora nos contratos de alienação fiduciária decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com Aviso de Recebimento, não exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.

Consequentemente, uma interpretação literal do dispositivo enseja a conclusão de que, para a constituição do devedor em mora, exige-se tão somente o vencimento do prazo para pagamento, não havendo dúvida sobre isso, porquanto o texto da lei utiliza a expressão "simples vencimento", que, nesse caso, quer literalmente dizer tão somente ou nada mais que o vencimento do prazo para pagamento.

Com efeito, ao dispensar a interpelação do devedor para sua constituição em mora, o legislador estabelece regra que a doutrina denomina de dies interpellat pro homine, ou seja, a chegada do dia do vencimento da obrigação corresponde a uma interpelação, de modo que, não pagando a prestação no momento ajustado, encontra-se em mora o devedor. Assim, se a mora decorre do mero inadimplemento, prescinde de qualquer atitude do credor, já que advém automaticamente do atraso.

Após dispor que a mora decorre do simples vencimento do prazo, o legislador estabeleceu, ainda, que a mora poderá ser comprovada por "carta registrada com Aviso de Recebimento", dispondo expressamente que não se exige "que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário". Nesse contexto, a literalidade da lei, que escolheu o vocábulo "poderá" em vez de "deverá", e os conceitos jurídicos que ela exprime, por si sós, já são elementos suficientes para dirimir a controvérsia.

Verifica-se, portanto, que a lei estabeleceu que a comprovação é mera formalidade, pois primeiro usa o termo "poderá" e, na sequência, dispensa que a assinatura seja do próprio destinatário. Se é a própria lei que torna não exigível a demonstração cabal de ciência do próprio devedor, não pode ser outra a interpretação do Tribunal de origem e, menos ainda, a do STJ, cuja responsabilidade não se limita à análise do caso concreto, mas vincula, de forma transcendental, as relações contratuais à sua decisão.

Além dessa interpretação literal do dispositivo, da análise sistemática ressai a conclusão de que pretendeu a lei tão somente estabelecer a forma do processo nas hipóteses em que a garantia do crédito deu-se por alienação fiduciária, na medida em que não se pode ignorar que a cláusula de alienação fiduciária nos contratos caracteriza-se por uma via de mão dupla, ou seja, é uma garantia bilateral, uma vez que a vantagem econômica do contrato é buscada por ambas as partes, não somente pelo credor.

Assim, se, na origem, o contrato é um negócio jurídico bilateral, em que se estabelece a alienação fiduciária em garantia e cujo objetivo é a vantagem econômica e o equilíbrio das relações entre as partes, não se pode permitir que, na conclusão desse mesmo negócio, ocorra um desequilíbrio, ou seja, as regras sejam tendenciosas e, portanto, tragam mais ônus ao credor em benefício exclusivo do devedor.

Também, uma análise teleológica do dispositivo legal enseja inafastável a conclusão de que a lei, ao assim dispor, pretendeu trazer elementos de estabilidade, equilíbrio, segurança e facilidade para os negócios jurídicos, de modo que é incompatível com o espírito da lei interpretação diversa, que enseja maior ônus ao credor, em benefício exclusivo do devedor fiduciante.

Observa-se, ainda, que o entendimento pacífico da Segunda Seção já é no sentido de que, na alienação fiduciária, a mora constitui-se ex re, isto é, decorre automaticamente do vencimento do prazo para pagamento. Ou seja, a mora decorre do simples vencimento do prazo. Naturalmente, tal particularidade significa que o devedor estará em mora quando deixar de efetuar o pagamento no tempo, lugar e forma contratados (arts. 394 e 396 do Código Civil).

Então, se o objetivo da lei é meramente formal, deve ser igualmente formal o raciocínio sobre as exigências e, portanto, sobre a própria sistemática da lei, concluindo-se que, para ajuizar a ação de busca e apreensão, basta que o credor comprove o envio de notificação por via postal ao endereço indicado no contrato, não sendo imprescindível seu recebimento pessoal pelo devedor.

Por fim, frisa-se que essa conclusão abarca como consectário lógico situações outras igualmente submetidas à apreciação deste Tribunal, tais como quando a notificação enviada ao endereço do devedor retorna com aviso de "ausente", de "mudou-se", de "insuficiência do endereço do devedor" ou de "extravio do aviso de recebimento", reconhecendo-se que cumpre ao credor demonstrar tão somente o comprovante do envio da notificação com Aviso de Recebimento ao endereço do devedor indicado no contrato.

Julgados Relacionados

Encontrou um erro?

Onde Aparece?