> < Informativos > Informativo 776 - STJ > EREsp 1.559.348-DF

STJ - Segunda Seção

EREsp 1.559.348-DF

Embargos de Divergência em Recurso Especial

Relator: Moura Ribeiro

Julgamento: 24/05/2023

Publicação: 30/05/2023

STJ - Segunda Seção

EREsp 1.559.348-DF

Tese Jurídica

A oferta voluntária de seu único imóvel residencial em garantia a um contrato de mútuo, favorecedor de pessoa jurídica em alienação fiduciária, não conta com a proteção irrestrita do bem de família.

Vídeos

Nossos Comentários

Bem de Família

O Bem de Família é um conjunto de bens que via de regra não podem ser penhorados em razão de dívidas. O motivo de haver esse instituto é a proteção do direito social à moradia e da dignidade da pessoa humana, bem como a proteção da entidade familiar.

O Bem de Família está previsto no Código Civil, mas é regulamentado pela Lei do Bem de Família, a Lei n. 8.009/90. 

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

O Bem de Família pode ser legal, quando a lei estabelece essa garantia, ou convencional, quando o próprio destinatário estabelece o bem, registrando-o em cartório com essa destinação. 

Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.

Exceções à Impenhorabilidade do Bem de Família

A lei que regulamenta os bens de família, a L. 8.009/90, estabelece algumas hipóteses em que não haverá impenhorabilidade do bem de família. Em outras palavras, existem casos excepcionais em que é permitida a penhora do bem de família. São elas:

  • Se a dívida for de ordem trabalhista, de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias
  • Dívida decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel
  • Pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;
  • Cobrança de IPTU, ITR, taxas e contribuições devidas em função do próprio imóvel bem de família;
  • Execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
  • Bem de família adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
  • Obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, seja essa locação comercial, seja residencial. - Essa é uma mudança recente dos Tribunais, que só permitiam a penhora de bens residenciais (Clique aqui).

Alienação Fiduciária

A alienação fiduciária é uma forma de garantia regulamentada pela Lei n. 9.514/1997. Essa garantia consiste na manutenção do bem na propriedade do credor (geralmente um banco) até que o contrato seja inteiramente adimplido pelo devedor. Caso haja descumprimento, o contrato é resolvido e a posse desse bem será tomada pela instituição financeira, que já tem a propriedade do bem. Ou seja, na alienação fiduciária, a garantia de pagamento é o próprio bem a ser adquirido pelo devedor.

Julgado

Imagine que haja um contrato de mútuo (empréstimo), no qual o devedor pode oferecer quaisquer tipos de garantia, mas oferece voluntariamente como garantia fiduciária seu único imóvel (bem de família).

Esse bem é impenhorável? O STJ entende que não. A lógica do Tribunal é que quem oferece em garantia um imóvel de sua propriedade, por meio de alienação fiduciária, está se beneficiando de uma garantia bastante segura para tomar um empréstimo - e por ser essa garantia segura, consegue realizar o empréstimo de forma facilitada. Essa pessoa, portanto, não pode se beneficiar da impenhorabilidade do bem de família posteriormente, quando ocorre o inadimplemento da obrigação. 

Resumo Oficial

A controvérsia diz respeito à impenhorabilidade do bem de família quando ocorrer a alienação fiduciária de imóvel em operação de empréstimo bancário.

Rememora-se que o bem de família e sua impenhorabilidade são regidos pela Lei n. 8.000/1990 (art. 1º). O instituto visa assegurar ao indivíduo um patrimônio mínimo, sendo também, expressão do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1°, III, da Constituição Federal. Antes do advento da Lei n. 9.514/1997 (que criou o Sistema Financeiro Imobiliário e regulou o instituto da alienação fiduciária de imóvel), a principal garantia dos financiamentos envolvendo bens imóveis era a hipoteca. Por tal razão, a Lei n. 8.009/1990 somente dispôs sobre a hipoteca, prevendo a exceção do art. 3º, inciso V, que permitia a penhora de bem dado em hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.

Esta Corte Superior, ao interpretar referida norma, concluiu que, na hipótese de oferecimento de imóvel em garantia hipotecária, a impenhorabilidade do bem de família somente estará comprometida se a dívida objeto dessa garantia tiver sido assumida em benefício da própria entidade familiar (EAREsp 848.498/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe de 7/6/2018).

Por sua vez, o instituto da alienação fiduciária foi introduzido na legislação brasileira pela necessidade de superar a inadequação da garantia hipotecária, que depende do Poder Judiciário para a sua execução. Com o intuito de permitir maior celeridade no recebimento do crédito, ampliando a circulação de recursos e a realização de negócios, a Lei n. 9.514/1997 dispensou o ajuizamento de ação judicial, prevendo a consolidação da propriedade perante o oficial do Registro de Imóveis.

Segundo o rito previsto para o instituto, o devedor poderá purgar a mora no prazo fixado, convalescendo o contrato de alienação fiduciária (art. 25, § 5º, da Lei n. 9.514/1997), caso em que não se consolida a propriedade em favor do credor. Já na alienação fiduciária, não se discute a "impenhorabilidade" do bem, uma vez que a propriedade foi transmitida, ainda que em caráter resolúvel, pelos devedores. Cumpre-se verificar, isto sim, a "alienabilidade" do bem.

Nesse sentido, a Terceira Turma ao distinguir o bem de família legal (disciplinado na Lei n. 8.009/1990) e o bem de família voluntário (estabelecido pelo Código Civil, nos arts. 1.711 a 1.722), concluiu pela possibilidade de alienação fiduciária do bem de família legal: "a própria Lei n. 8.009/1990, com o escopo de proteger o bem destinado à residência familiar, aduz que o imóvel assim categorizado não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, mas em nenhuma passagem dispõe que tal bem não possa ser alienado pelo seu proprietário" (REsp 1.560.562/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/4/2019, DJe de 4/4/2019).

Desse modo, não se afigura possível beneficiar aquele que, com reserva mental, ofereceu em garantia imóvel de sua propriedade, por meio de alienação fiduciária, a fim de obter recursos em contrato de mútuo sob condições mais favoráveis e, em momento posterior, após o inadimplemento da dívida, alega a invalidade do ato de disposição em razão da proteção conferida ao bem de família.

Encontrou um erro?

Onde Aparece?