> < Informativos > Informativo 745 - STJ > REsp 1.984.277-DF

STJ - Quarta Turma

REsp 1.984.277-DF

Recurso Especial

Julgamento: 16/08/2022

Publicação: 22/08/2022

STJ - Quarta Turma

REsp 1.984.277-DF

Tese Jurídica

É cabível revisão judicial de contrato de locação não residencial - empresa de coworking - com redução proporcional do valor dos aluguéis em razão de fato superveniente decorrente da pandemia da Covid-19.

Vídeos

Nossos Comentários

Rebus Sic Standibus e Onerosidade excessiva

O direito contratual brasileiro se rege pela histórica cláusula rebus sic standibus, que condiciona a validade das disposições contratuais à situação que deu origem ao contrato.

Se não mais subsistir a situação jurídica ou fática em que fora firmada a obrigação, esse contrato deverá ser modificado. Dessa forma, surgem três teorias são o instrumental que autoriza a revisão judicial do negócio jurídico de trato sucessivo. 

Teoria da Base Objetiva do Contrato: Essa teoria é aplicada às relações de consumo (art. 6º, inciso V, do CDC), como meio de proteger o consumidor, que é parte mais fraca da relação contratual. Segundo essa teoria, caso haja fato posterior que gere vantagem exagerada em prol de uma das partes, haverá possibilidade de revisão do contrato para reequilibrar a relação entre elas. Esse fato não precisa ser imprevisível. 

Teoria da Imprevisão: Consta no artigo 317 do CC que se sobrevierem motivos imprevisíveis que desequilibre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, o juiz poderá corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Teoria da Onerosidade Excessiva: O art. 478 do CC prevê a possibilidade de resolver o contrato de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.

O Caso

No caso em questão, o locatário de um imóvel comercial a revisão, com base na teoria da imprevisão e onerosidade excessiva, dado que o objeto da locação foi frustrado em razão das medidas sanitárias impostas pelo alastramento do Coronavirus.

A Pandemia é fato imprevisível e extraordinário? Sim. Segundo o STJ, a Pandemia de COVID-19 configura fato imprevisível e extraordinário.

O STJ entende que essa resolução é devida quando, cumulativamente, se atenda aos seguintes requisitos:

  1. Contrato de execução continuada ou diferida,
  2. Vantagem extrema de outra parte e
  3. Acontecimento extraordinário e imprevisível, que tenha gerado prejuízo que exceda a normalidade.

Resumo Oficial

A controvérsia consiste em analisar se a situação decorrente da pandemia pela Covid-19 constitui fato superveniente apto à revisão judicial de contrato de locação não residencial, especialmente quanto a redução proporcional do valor dos alugueis, sendo a locatária uma empresa de coworking.

Deve-se ponderar, para a análise, sobretudo, os limites em torno da "onerosidade excessiva", concluindo-se que a onerosidade apta à revisão contratual deve ser relevante, de maneira a atingir a estrutura do negócio jurídico, ainda que nos contratos regidos pela legislação consumerista.

Há consenso doutrinário de que as relações contratuais privadas são regidas, em linha de princípio, por três vertentes revisionistas, quais sejam: a) teoria da base objetiva do contrato, aplicável, em regra às relações de consumo (art. 6º, inciso V, do CDC); b) a teoria da imprevisão (art. 317 do CC/2002); e c) a teoria da onerosidade excessiva (art. 478 do CC/2002).

Tais hipóteses, embora encontrem fundamento em contextos normativos diversos, estão vinculadas aos princípios da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual, diretrizes que ganham relevo, sobretudo, com as recentes alterações promovidas pela Lei de Liberdade Econômica (Lei n. 13.874/2019), ainda que, quanto às normas do CDC, haja certa divergência para sua aplicação.

É, portanto, a liberdade de contratar a regra, tendo a intervenção judicial cabimento apenas quando imprescindível ao restabelecimento do equilíbrio entre as partes.

Nesse rumo, cumpre traçar as principais distinções entre o instituto da quebra da base objetiva do negócio jurídico, aplicável sobretudo às relações de consumo (art. 6º, inciso V, do CDC), e os da imprevisão e da onerosidade excessiva, extraídos, respectivamente, dos arts. 317 e 478 do Código Civil.

Como requisito comum, sobressai a ocorrência de fato superveniente capaz de alterar, de maneira significativa (ou estrutural), o equilíbrio econômico e financeiro da avença, dela decorrendo situação de onerosidade excessiva.

São essas, em linha de princípio, as características da quebra da base objetiva do contrato, prevista no CDC, que destaca o desequilíbrio econômico e financeiro como requisito central.

Ao contrário, para a revisão do contrato com base nas teorias da imprevisão ou da onerosidade excessiva, previstas no CC/2002, exige-se ainda que o fato (superveniente) seja imprevisível e extraordinário e que dele, além do desequilíbrio econômico e financeiro, decorra situação de vantagem extrema para uma das partes, relacionando-se tal requisito, segundo parte da doutrina, à vedação do enriquecimento ilícito.

Em relação ao requisito da superveniência de fato imprevisível ou extraordinário - ponto importante para a distinção na adoção das teorias da imprevisão ou da quebra da base objetiva do negócio -, é inquestionável que a pandemia da Covid-19 adequa-se, com perfeição, às exigências referidas.

Nessa linha, para exame do caso em questão, destacam-se os seguintes pontos: a) a impossibilidade do exercício das atividades desenvolvidas pelo locatário em razão das medidas sanitárias do combate ao novo coronavírus; b) a redução do faturamento da locatária e c) a viabilidade da manutenção do contrato.

Conforme referido, o ramo empresarial desenvolvido pela locatária era uma empresa de coworking, cujo objetivo, linhas gerais, é o compartilhamento de espaço para empreendedores e empresas de pequeno porte. Ou seja, o coworking é um espaço físico que pode ser compartilhado por várias empresas ou profissionais liberais.

Embora não se conteste o efeito negativo decorrente da pandemia nos contratos de locação não residencial para ambas as partes, em que estas são efetivamente privadas, em maior ou menor extensão, seja em relação uso do bem ou mesmo à percepção dos rendimentos sobre o imóvel decorrentes do direito de propriedade, sobreveio desequilíbrio econômico-financeiro imoderado para a locatária.

Por certo, a locatária, a qual ficou privada por tempo determinado do exercício de suas atividades, manteve-se obrigada a cumprir a contraprestação pelo uso do imóvel pelo valor integral e originalmente firmado, quando as circunstâncias foram drasticamente alteradas, às quais, inclusive, acaso fossem conhecidas à época da contratação, poderiam levar ao estabelecimento de outros valores ou até mesmo à não contratação - situação que comporta, a intervenção no contrato a fim de que sejam restabelecidos os elementos econômico e financeiros das partes para que se adequem às novas condições.

E, nessa linha, a fixação de um período determinado para que as partes possam se adequar às condições (adversas) que lhes foram impostas, constitui medida salutar, capaz de promover a melhor composição para cada caso, especialmente quando a manutenção do contrato é viável, como no caso dos autos.

É cediço que a liberdade de contratar, embora exsurja como núcleo fundador das relações privadas, encontra limites nas regras da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, que, por sua vez, devem ser interpretadas de acordo com a natureza da relação jurídica firmada, autorizando-se, assim, em maior ou menor medida, a intervenção do Estado-Juiz como forma de restabelecer o equilíbrio entre as partes.

A diretriz da boa-fé, portanto, deveria ser observada, mormente porque os ônus suportados pelo locatário revelaram-se desmesurados.

Ademais, a situação da pandemia pode ser enquadrada como fortuito externo ao negócio, circunstância que exige a ponderação dos sacrifícios de cada parte na relação contratual.

Por fim, configura-se o desequilíbrio estrutural na relação entre as partes devido aos efeitos da pandemia pela Covid-19, assim como em razão das diretrizes da boa-fé e da função social do contrato, da equivalência material, da moderação e higidez das relações contratuais, impondo, portanto, a revisão do contrato.

Encontrou um erro?

Onde Aparece?