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STJ - Primeira Seção

REsp 1.896.379-MT

Recurso Especial

Relator: Og Fernandes

Julgamento: 21/10/2021

Publicação: 22/11/2021

STJ - Primeira Seção

REsp 1.896.379-MT

Tese Jurídica

Tese A) Prevalecem sobre quaisquer outras normas locais, primárias ou secundárias, legislativas ou administrativas, as seguintes competências de foro:

i) em regra, do local do dano, para ação civil pública (art. 2º da Lei n. 7.347/1985);

ii) ressalvada a competência da Justiça Federal, em ações coletivas, do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano de impacto restrito, ou da capital do estado, se os danos forem regionais ou nacionais, submetendo-se ainda os casos à regra geral do CPC, em havendo competência concorrente (art. 93, I e II, do CDC).

Tese B) São absolutas as competências:

i) da Vara da Infância e da Juventude do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou a omissão, para as causas individuais ou coletivas arroladas no ECA, inclusive sobre educação e saúde, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos tribunais superiores (arts. 148, IV, e 209 da Lei n. 8.069/1990 e Tese n. 1.058/STJ);

ii) do local de domicílio do idoso nas causas individuais ou coletivas versando sobre serviços de saúde, assistência social ou atendimento especializado ao idoso portador de deficiência, limitação incapacitante ou doença infectocontagiosa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos tribunais superiores (arts. 79 e 80 da Lei n. 10.741/2003 e 53, III, e, do CPC/2015);

iii) do Juizado Especial da Fazenda Pública, nos foros em que tenha sido instalado, para as causas da sua alçada e matéria (art. 2º, § 4º, da Lei n. 12.153/2009);

iv) nas hipóteses do item (iii), faculta-se ao autor optar livremente pelo manejo de seu pleito contra o estado no foro de seu domicílio, no do fato ou ato ensejador da demanda, no de situação da coisa litigiosa ou, ainda, na capital do estado, observada a competência absoluta do Juizado, se existente no local de opção (art. 52, parágrafo único, do CPC/2015, c/c o art. 2º, § 4º, da Lei n. 12.153/2009).

Tese C) A instalação de vara especializada não altera a competência prevista em lei ou na Constituição Federal, nos termos da Súmula n. 206/STJ ("A existência de vara privativa, instituída por lei estadual, não altera a competência territorial resultante das leis de processo."). A previsão se estende às competências definidas no presente IAC n. 10/STJ.

Tese D) A Resolução n. 9/2019/TJMT é ilegal e inaplicável quanto à criação de competência exclusiva em comarca eleita em desconformidade com as regras processuais, especificamente quando determina a redistribuição desses feitos, se ajuizados em comarcas diversas da 1ª Vara Especializada da Fazenda Pública da Comarca de Várzea Grande/MT. Em consequência:

i) fica vedada a redistribuição à 1ª Vara Especializada da Fazenda Pública da Comarca de Várzea Grande/MT dos feitos propostos ou em tramitação em comarcas diversas ou em juizados especiais da referida comarca ou de outra comarca, cujo fundamento, expresso ou implícito, seja a Resolução n. 9/2019/TJMT ou normativo similar;

ii) os feitos já redistribuídos à 1ª Vara Especializada de Várzea Grande/MT com fundamento nessa norma deverão ser devolvidos aos juízos de origem, salvo se as partes, previamente intimadas, concordarem expressamente em manter o processamento do feito no referido foro;

iii) no que tange aos processos já ajuizados - ou que venham a ser ajuizados - pelas partes originariamente na 1ª Vara Especializada da Fazenda Pública da Comarca de Várzea Grande/MT, poderão prosseguir normalmente no referido juízo;

iv) não se aplicam as previsões dos itens (ii) e (iii) aos feitos de competência absoluta, ou seja: de competência dos Juizados Especiais da Fazenda, das Varas da Infância e da Juventude ou do domicílio do idoso, nos termos da Tese B deste IAC n. 10/STJ.

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Resumo Oficial

Inicialmente, a Resolução n. 9/2019/TJMT atribui arbitrariamente competência exclusiva à vara de Várzea Grande, eleita como foro único de tramitação de todas as causas versando sobre: i) saúde pública; ii) ações civis públicas; iii) ações individuais; iv) cartas precatórias; v) ações alusivas à Infância e Juventude; e vi) de competência dos Juizados Especializados da Fazenda Pública afetos à saúde. Basta para atração de tal competência exclusiva que o estado esteja presente no polo passivo da causa, isoladamente ou em litisconsórcio com municípios.

Porém, o STJ vem compreendendo de forma reiterada que: i) é absoluta a competência do Juizado Especial da Fazenda Pública no local onde houver sido instalado, nas causas de sua alçada (arts. 2º, § 4º, da Lei n. 12.153/2009); ii) é do local do dano a competência para ações civis públicas (art. 2º da Lei n. 7.347/1985); iii) é absoluta da Vara da Infância e Juventude do local onde ocorreu a ação ou a omissão a competência para feitos vinculados ao ECA, inclusive saúde e ensino, entre outros (art. 209 da Lei n. 8.069/1990); iv) é absoluta a competência do foro de domicílio do idoso nas causas individuais ou coletivas versando sobre serviços de saúde, assistência social ou atendimento especializado (arts. 79 e 80 da Lei n. 10.741/2003); v) ser do foro onde ocorreu ou espera-se ocorrer o dano as ações coletivas de impacto local, ou da capital do estado os danos regionais, submetendo-se ainda os casos à regra geral do CPC, em havendo competência concorrente (art. 93, I e II, do CDC); vi) ser facultado ao autor manejar seu pleito contra o estado no foro de seu domicílio, no do fato ou ato ensejador da demanda, no de situação da coisa litigiosa ou, ainda, na capital do estado; vii) a instituição de vara privativa por lei local não altera as normas processuais federais, podendo o estado ser demandado em qualquer de suas comarcas (Súmula n. 206/STJ); e viii) ser também faculdade do autor optar pelo foro onde demandar a administração pública, nos termos do art. 52, parágrafo único, do CPC/2015.

Isso tudo porque, a despeito das eventuais vantagens da concentração e especialização das varas, nessas matérias o legislador foi expresso em optar por uma política pública processual de facilitação do acesso à Justiça, visando a promover a mais ampla tutela aos interesses de pessoas hipossuficientes ou vulneráveis. Essa proteção decorre de uma premissa bastante simples: o estado está, obrigatoriamente e por lógica inafastável, presente em todo seu território, mas o cidadão, tanto mais o cidadão hipossuficiente, não pode ser onerado pela imposição de foro único escolhido arbitrariamente pela administração judicial para ser o competente para tais feitos, muitas vezes significativamente distante do seu domicílio, como ocorre em um estado do tamanho de Mato Grosso.

No âmbito da legística, os representantes eleitos em âmbito federal poderão ser sensibilizados para que, em sua competência exclusiva, tratem da matéria de forma mais contida, inclusive para delegar aos Estados-membros maior parcela de poderes de organização da Justiça local, limitando expressamente as opções preestabelecidas nas normas gerais de processo, ações coletivas, e tutelas de segmentos populacionais específicos (como idosos e infância), de modo a permitir maior amplitude de gestão pelas legislações estaduais ou mesmo pelos tribunais.

É preciso ressaltar, no entanto, que esse processo político não se confunde com o jurídico, e é deste que estamos a tratar. Se aquele resultar em alterações no panorama do direito, caberá às Cortes, subsequentemente, ajustar seus provimentos. Mas, creio, não possamos o Judiciário mesmo avançar sobre tais opções, a ponto de ignorar não só as leis postas, como a compreensão institucional desenvolvida a partir delas por este Tribunal ao longo de décadas. E hoje, não parece haver dúvida, a opção legislativa é pela amplitude do acesso aos tribunais pela dispersão da competência em favor dos autores.

Há apenas um ponto que parece merecer atenção mais detida, por haver alguma dispersão jurisprudencial sobre ele. Há que se distinguir entre a competência dos Juizados Especiais Cíveis (Lei n. 9.099/1995) daquela dos Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei n. 12.153/2009), no que tange à faculdade do autor em manejar a ação neles ou na jurisdição comum. Naqueles, entende esta Corte ser facultado ao autor optar pela Justiça comum ou especial; nestes, não há tal opção. A compreensão deste Tribunal Superior parece fundar-se na competência textualmente absoluta dos Juizados da Fazenda, que não repetiu a flexibilidade da Lei n. 9.099/1995, mas, sim, a rigidez da regra dos Juizados Especiais Federais (Lei n. 10.259/2001).

Assim, importa afirmar que não há faculdade do autor em optar pelo Juízo comum se, no local em que propõe a ação, existe Juizado Especial da Fazenda Pública, tratando-se de matéria de sua competência e alçada. O que é faculdade do autor é ajuizar tal ação no foro de sua residência ou, em se tratando do Estado no polo passivo, em qualquer de suas comarcas; mas, se escolher movê-la em comarca onde há Juizado Especial da Fazenda Pública, a competência deste não poderá ser afastada. Muito menos, como dito, em decorrência de norma secundária ou primária local, que imponha ao autor o trâmite de seu caso em vara comum, ainda que especializada, quando houver Juizado Especial da Fazenda no local de eleição.

Portanto, nos termos do art. 104-A do RISTJ, têm-se como fundamentos da posição jurisprudencial desta Corte: i) a prevalência das leis processuais federais e da Constituição sobre atos normativos legislativos ou secundários emanados dos Estados-Membros; e ii) a tutela preferencial dos interesses dos cidadãos hipossuficientes ante a conveniência da Administração do Estado, inclusive da gestão judiciária.

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