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STJ - Segunda Seção

REsp 1.729.593-SP

Recurso Especial

Relator: Marco Aurélio Bellizze

Julgamento: 25/09/2019

Publicação: 27/09/2019

STJ - Segunda Seção

REsp 1.729.593-SP

Tese Jurídica

1ª tese: Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.

2ª tese: Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, no caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.

3ª tese: Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, é ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.

4ª tese: Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, o descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.

Resumo Oficial

1ª tese: Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.

Convém destacar, inicialmente, que as circunstâncias econômicas especiais do Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV não são benéficas apenas para os adquirentes. São elas também muito favoráveis às empresas, que diversamente do que ocorre nas operações convencionais do SFH, passam a ter acesso à parte do crédito tão logo ele é aprovado pelo agente financeiro, seja no início ou durante a realização da obra, o que diminui a necessidade do uso de capital de giro da empresa. A possibilidade de comercialização de unidades futuras, antes do início das obras, também permite à incorporadora melhor planejamento do processo construtivo como um todo, inclusive sob o aspecto financeiro. Desse modo, considerando o número de unidades vendidas, poderá a empresa avaliar a necessidade de contratar um mútuo com o agente financeiro, que lhe permita entregar a construção no prazo estipulado. Essa providência, em princípio, nem sequer lhe trará maiores ônus, uma vez que os encargos decorrentes desse tipo de operação só começarão a ser pagos após a conclusão da obra, e com os recursos obtidos com as vendas dos imóveis. É forçoso reconhecer que, tratando-se de contratos que regulam as relações de consumo, o aderente só se vincula às disposições neles inseridas se lhe for dada a oportunidade de conhecimento prévio do seu conteúdo (CDC, arts. 4º, 6º, III, 46 e 54, § 4º). Ademais, os contratos de promessa de compra e venda de imóvel caracterizam-se como de adesão, uma vez que suas cláusulas e condições são redigidas de forma unilateral, segundo o interesse das incorporadoras, cabendo ao aderente apenas aceitá-las ou não em seu conjunto, o que restringe, sensivelmente, a própria autonomia da vontade. De nada adianta, por conseguinte, a estipulação de um prazo certo e expresso, se ele for fixado de maneira apenas estimativa e condicional, ficando vinculado, ainda, a um evento futuro, no caso, à data de obtenção do financiamento pelo adquirente ou àquela que for determinada pelo agente financeiro no referido contrato. Isso acaba por atribuir à incorporadora o direito de postergar a entrega da obra por prazo excessivamente longo e oneroso para o comprador, a ponto de afastar, inclusive, o próprio risco da atividade, que pertence à empresa. Vale lembrar, ainda, que durante o prazo regular de construção, é permitida a incidência de atualização monetária pelo INCC (Índice Nacional da Construção Civil), bem como de juros de obra. Logo, quanto maior for o prazo contratual para a conclusão das unidades, em consequência, maior será a exposição do consumidor à cobrança dos referidos juros e à aplicação de correção monetária de acordo com o índice setorial, o que redundará em situação que lhe será desfavorável, também sob o ponto de vista econômico. Por sua vez, embora o início da construção dependa da reunião de um grupo de adquirentes, a tese a ser fixada no presente julgamento, será aplicada apenas às faixas de renda 1,5, 2 e 3, em relação às quais as contratações muito se assemelham às realizadas no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação. Logo, para estes seguimentos específicos, é importante acentuar, as unidades futuras são transacionadas não apenas no início da construção, mas também ao longo ou ao seu final, razão pela qual esse período destinado à captação dos promissários compradores já faz parte do planejamento inicial do projeto como um todo, por se tratar de algo inerente à própria natureza da negociação. Por fim, deverá ser acrescido, tão somente, o prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias, já admitido pela jurisprudência desta Corte e agora incorporado ao nosso sistema jurídico - para os contratos futuros - pelo art. 43-A da Lei n. 13.786/2018 (que alterou a Lei n. 4.591/1964), dentro do qual a empresa poderá superar eventuais imprevistos relacionados a fortuitos internos como falta de mão de obra, entraves burocráticos ou fatores climáticos.

2ª tese: Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, no caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.

A Jurisprudência desta Corte entende é pacífica quanto ao cabimento de lucros cessantes, no âmbito de financiamento pelo SFH, em razão do descumprimento do prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, incidindo a presunção de prejuízo do promitente comprador. O fato de o imóvel ter sido adquirido sob a disciplina do Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV não afasta a presunção de prejuízo, mesmo porque, na linha dos precedentes desta Corte Superior, a condenação da vendedora por lucros cessantes independe, até mesmo, da demonstração da finalidade negocial da transação. A indenização deve corresponder, por isso, à privação injusta do uso do bem e encontra fundamento não necessariamente na interrupção da percepção dos frutos ou pela frustração daquilo que razoavelmente poderia lucrar, mas na própria demora pelo cumprimento da obrigação (CC, art. 389). Isso porque a moradia é fato dotado de expressão econômica aferível, ainda que o beneficiário não tenha que, diretamente, despender recursos para tal. Por suas peculiaridades, no âmbito do PMCMV, o prejuízo material decorrente do atraso na entrega de imóvel está mais próximo de um dano emergente do que de lucros cessantes, embora essa questão, todavia, não se afigure de maior relevância, dado que, sob o ponto de vista pragmático, conforme sublinhou a Ministra Maria Isabel Gallotti, são ambos "as duas faces da mesma moeda", pois "o dano, seja em qual dessas rubricas for classificado, será o mesmo: a privação da fruição do imóvel" (AgInt no AgRg no AREsp n. 795.125/RJ, Quarta Turma, DJe de 19/11/2018). Insta salientar, outrossim, que nos contratos submetidos à modalidade do PMCMV é desinfluente que o comprador fique impossibilitado de alugar ou vender o imóvel, antes de sua quitação, nos termos do que dispõe o art. 7º-B, I e II, da Lei n. 11.977/2009, haja vista que essa proibição tem o intuito, tão somente, de evitar eventual desvio de finalidade, uma vez que a subvenção econômica concedida pelo Governo Federal tem por único objetivo viabilizar o acesso das famílias, destinatárias do programa, ao primeiro imóvel. Entretanto, essa circunstância diz respeito apenas à relação jurídica estabelecida entre o adquirente e o órgão estatal, não podendo, por isso, seus efeitos irradiarem para o negócio de compra e venda celebrado com a incorporadora, que é regido por regras protetivas específicas. Com efeito, o termo final da indenização deverá corresponder à data do recebimento da unidade pelo adquirente, mediante a entrega das chaves, por ser o momento em que ele tem a efetiva posse do imóvel, fazendo cessar, por conseguinte, o fato gerador do dever de reparação, salvo disposição contratual diversa, que lhe seja mais favorável (AgInt no REsp n. 1.723.050/RJ, Relator o Ministro Lázaro Guimarães, Desembargador Convocado do TRF 5ª Região, Quarta Turma, DJe de 26/9/2018. Ficando evidenciado, portanto, o atraso injustificado na entrega da obra, é devido o pagamento de indenização ao comprador desde a data fixada no contrato, a qual será acrescida apenas do prazo de tolerância, a ser calculada com base no valor locatício de imóvel assemelhado, a ser apurado em liquidação de sentença.

3ª tese: Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, é ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.

 

Na disciplina do Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV, sob a modalidade do crédito associativo, é legal a incidência de juros de obra durante o período de construção do imóvel, cessando a sua aplicação com a entrega da unidade, quando terá início a fase de amortização do saldo devedor do financiamento contratado com o agente financeiro. Durante esse período, o valor a ser financiado permanece congelado, e até que a obra seja concluída o promissário comprador pagará tão somente encargos que contemplam os juros, atualização monetária, seguro de vida e de danos ao imóvel e, se for o caso, taxa de administração. Após a entrega do bem, inicia-se efetivamente a fase de abatimento da dívida. Todavia, havendo atraso na entrega do empreendimento, afigura-se descabido imputar ao adquirente o ônus de arcar com juros de evolução da obra no período de mora da ré até a efetiva entrega das chaves, uma vez que não se pode penalizar o mutuário com referida incidência, considerando não ter sido ele quem deu causa ao atraso. Entendimento diverso teria o efeito de postergar, de maneira injustificada, o pagamento de valores que são próprios da fase de construção da obra, em seu período regular. Contudo, impõe-se considerar que, superado o período de entrega das chaves, o comprador passa a ter a legítima expectativa de destinar recursos à amortização do saldo do seu débito. Deve-se ter como norte, nessas circunstâncias, o princípio de que quem dá causa ao inadimplemento do contrato não pode se beneficiar da situação, sob pena de o atraso da obra poder representar a possibilidade de vantagem financeira indevida em detrimento do adquirente do imóvel, o que seria de todo inadmissível.

4ª tese: Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, o descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.

Vale observar, de início, que se a construtora deixa de entregar a unidade autônoma no prazo previsto, pode o adquirente sustar as parcelas do preço que se vencerem no mesmo prazo e em datas posteriores a tal prestação, invocando a exceptio non adimpleti contractus, prevista no art. 476 do CC. Contudo, a suspensão da exigibilidade das parcelas do preço não afasta a incidência da atualização monetária sobre o saldo devedor, salvo nas hipóteses em que o mencionado atraso derivar de comprovada má-fé da empresa. Os valores das parcelas devem ser atualizados desde a data de vencimento prevista no contrato até o efetivo pagamento, como simples modo de preservação do valor real da moeda, sem representar, portanto, um benefício para a parte inadimplente ou punição para o adquirente. Nesse sentido, ambas as Turmas que integram a Segunda Seção desta Corte firmaram o entendimento de que, embora o descumprimento do prazo de entrega do imóvel objeto do compromisso de venda e compra não constitua causa de suspensão da incidência de correção monetária sobre o saldo devedor, tal fato autoriza a substituição do indexador setorial, em regra, o INCC (Índice Nacional de Custo de Construção), pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), índice oficial calculado pelo IBGE, salvo se aquele for menor. Essa solução mostra-se adequada ao reequilíbrio da relação contratual, nos casos de atraso na conclusão da obra, não devendo ser implementada a substituição do indexador específico do saldo devedor pelo geral apenas quando o índice previsto contratualmente for mais favorável ao consumidor, avaliação que se dará com o transcurso da data limite estipulada no contrato para a entrega da unidade, incluindo-se eventual prazo de tolerância. Inviável, portanto, a tese de utilização do INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) como fator de correção monetária, durante todo o período necessário para a finalização da unidade imobiliária, independentemente de descumprimento do prazo para a construção.

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