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STF - Plenário

RE 918.315-DF

Recurso Extraordinário

Paradigma

Relator: Ricardo Lewandowski

Julgamento: 16/12/2022

Publicação: 03/02/2023

STF - Plenário

RE 918.315-DF

Tese Jurídica

É inconstitucional — por ofensa aos princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana — norma que prevê o pagamento da aposentadoria por invalidez decorrente de doença mental somente ao curador do segurado, condicionado à apresentação do termo de curatela, ainda que provisório.

Nossos Comentários

O Caso

O Distrito Federal editou uma lei que previa a necessidade da presença de apresentação de termo de curatela para que o servidor público pudesse receber aposentadoria por invalidez decorrente de acometimento mental.

O Ministério Público do Distrito Federal, interpôs o recurso extraordinário com pedido incidental de declaração da inconstitucionalidade dessa norma, sob argumento de que ela violaria os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, isonomia e impessoalidade da administração pública.

O que decidiu o STF? Para a Corte, tal norma viola a Constituição. Vamos entender os argumentos.

Histórico de proteção das pessoas com deficiência no Brasil

O Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, sob o rito do artigo 5º, §3º, CF (status de emenda constitucional), através do Decreto nº 6.949/2009. Em decorrência disso, o Brasil assumiu o compromisso de internalizar normas que regulamentassem esses direitos das pessoas com deficiência, assegurando sua aplicabilidade.

Por conta desse compromisso internacional, foi aprovado o chamado Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15). 

Pra começo de conversa, o que são pessoas com deficiência? O EPCD considera pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. A deficiência, portanto, é um impedimento de ordem biopsicológica que afeta a fruição de direitos em igualdade de condições por quem detém essas condições. 

Pessoa com deficiência é incapaz, sozinha, de realizar os atos da vida civil? Não. A lógica que permeia o Estatuto é dar à pessoa com deficiência a possibilidade de levar sua vida de forma autônoma. A regra, portanto, é que toda pessoa com deficiência é plenamente capaz para os atos da vida civil. Somente excepcionalmente é que se considera a possibilidade de escolher um curador para auxiliar essa pessoa a realizar alguns tipos de atos, de ordem patrimonial. Antigamente, o Código Civil considerava as pessoas com deficiência como sendo incapazes. No entanto, com a aprovação do EPCD, houve mudança do dispositivo que dispunha isso.

Portanto, fixe essa regra: toda pessoa com deficiência é plenamente capaz para os atos da vida civil!

Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I - casar-se e constituir união estável;

II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

E quando a pessoa não conseguir realizar esses atos sozinha? Bom, aí, nesse caso, será possível pleitear judicialmente a curatela ou a tomada de decisão apoiada.

  • Tomada de Decisão Apoiada: é um procedimento judicial que permite que se elejam duas pessoas para auxiliar a pessoa com deficiência na tomada das decisões negociais. Essa é a regra: se a pessoa com deficiência está plena em suas faculdades mentais, capaz de realizar escolhas conscientes, sempre deverá ser promovida a TDA. Lembre-se: a regra é a busca pela autonomia da pessoa!
  • Curatela: Caso seja comprovada a impossibilidade de a pessoa com deficiência realizar os atos e ela não esteja imbuída de suas capacidades mentais plenas, não havendo jeito de realizar os atos negociais sem ajuda de outra pessoa sem arriscar seu patrimônio, aí, nesse caso, haverá escolha de um curador. 

Voltando ao caso

Depois de tudo o que discutimos sobre o EPCD, ficou evidente a inconstitucionalidade da lei do DF, né? A lei parte de um pressuposto por si só inconstitucional: ela presume que toda pessoa com deficiência necessariamente tem curador, o que já vimos que não é verdade. Como vimos, somente em casos de impossibilidade absoluta de exprimir a sua vontade e de agir conforme sua convicção é que será determinado curador à pessoa com deficiência. Caso contrário, ela mesma, pessoalmente, poderá realizar esses atos, ou, caso não consiga mas esteja consciente, escolha duas pessoas para auxiliá-la (tomada de decisão apoiada). 

Resumo Oficial

No caso concreto, a norma distrital impugnada, ao exigir a figura do curador para viabilizar o pagamento do referido benefício, além de não observar a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, no que diz respeito à teoria as incapacidades, contraria a sistemática estabelecida no Código Civil e no Estatuto da Pessoa com Deficiência, cuja compreensão não conduz ao entendimento de sujeição de toda pessoa com doença mental à interdição e, por conseguinte, à curatela.

Nesse contexto, não basta a constatação da enfermidade ou deficiência mental para efetivar-se a interdição, pois é imprescindível que a pessoa a ser tutelada não possua o necessário discernimento para os atos da vida civil.

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 1.096 da repercussão geral, conheceu do recurso extraordinário e deu-lhe provimento para reformar o acórdão recorrido na íntegra e declarar a inconstitucionalidade do § 7º do art. 18 da Lei Complementar 769/2008 do Distrito Federal.

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